QUAL A FUNÇÃO DA LITERATURA?
Uma questão que volta e meia assombra escritores, estudantes e entusiastas da literatura é: qual a função da literatura? Qual a sua utilidade?
Quase sempre as respostas são vagas, deixando um vácuo ao invés de uma compreensão mais concreta. É comum ouvir que a literatura é expressão das emoções, manifestação das paixões, ou uma forma de transcendência. E há uma resposta especialmente recorrente: "a literatura é inútil". A ideia de inutilidade da literatura — ou das artes em geral — gera uma certa confusão, que se intensifica quando consideramos que, no mundo atual, utilidade tornou-se sinônimo de aplicabilidade, ou seja, um meio para alcançar outro fim. E numa sociedade extremamente materialista e hiper-consumista como a nossa, esse fim geralmente se resume a dinheiro ou status.
Nesse sentido, a literatura de fato é inútil. Mas essa aparente inutilidade não a torna destituída de propósito. Pelo contrário, a literatura cumpre um papel essencial na construção da cosmovisão do indivíduo, sendo alimento para o desenvolvimento de sua visão de mundo. A cosmovisão abrange tudo aquilo que molda a personalidade do ser humano: suas ideias filosóficas, questões psicológicas e morais, suas paixões e preocupações mais íntimas.
O brasileiro médio costuma formar sua visão de mundo a partir de relações imediatas — a família, os amigos, a escola, a religião, e, quando muito, a universidade. Essa visão, portanto, tende a ser bastante limitada, e essa limitação se revela ao ouvirmos as opiniões sobre temas cotidianos (política, por exemplo). Há uma tendência à repetição de ideias pré-fabricadas, fruto do meio social, sem esforço de reflexão própria e mais aprofundada.
A literatura, então, amplia horizontes e transcende essas limitações. Ao entrar em contato com diferentes enredos e narrativas, o leitor é desafiado a explorar possibilidades humanas infinitas. Ele é levado a conhecer outras culturas, religiões, filosofias e até mesmo realidades psicológicas que talvez jamais tivessem passado por sua mente. A literatura nos dá perspectiva — e com isso, ela nos aproxima do autoconhecimento. Questões de ordem imediata que antes pareciam cruciais começam a ser reposicionadas no grande quadro da condição humana.
A literatura, portanto, é um alimento espiritual e essencial. Ela nos torna mais humanos ao aumentar nossa capacidade de interpretar o mundo e a sociedade em que vivemos, ao mesmo tempo em que nos desafia a conhecer a nós mesmos. Esse é o fundamento socrático do "conhece-te a ti mesmo", e talvez seja a missão mais nobre que carregamos durante a vida.
A literatura pode ser "inútil" para os padrões pragmáticos do nosso tempo, mas sua verdadeira utilidade está em moldar nossa essência e nos tornar mais conscientes de quem somos e do mundo ao nosso redor.
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