Deuses de lama

Somos deuses. Capazes de criar sociedades, organizar estruturar, inventar, governar, imperar, prosperar, curar, produzir, criar arte, comunicar, escrever poemas, cantar.Mas também somos demônios. Destruímos, estupramos, maltratamos, exterminamos. A despeito de sermos deuses ou demônios, diante do universo somos menos que insetos, mera poeira cósmica, diante da infinita criação, incapazes de compreender nossa própria finitude. E seguimos, acreditando em nossas ilusões. E seguimos, criando altares para a nossa burra inteligência. E seguimos, exaltando nossas insignificantes conquistas. E seguimos, acreditando que o fato de subjulgar alguém nos coloca acima de todo o resto, nos julgando especiais diante da humanidade. E assim, a vida segue. E ela segue. Até que um dia ela acaba.

Um rei não é diferente da plebe. O cientista não é diferente do caipira. O religioso não é diferente do ateu. A modelo não é diferente da caiçara. A vida passa, a morte chega. E, apesar de termos na morte a única certeza, nos agarramos à vida com todas as forças. No velório, choramos não aceitando a despedida. "Como pode? Tão jovem". morte não escolhe idade, não escolhe condição social e tampouco poupa quem tem mais inteligência. Não há importantes, não há escolhidos. Só o que fica é a lembrança. O resto se apaga. Pouco importa o choro, pouco importam as homenagens. Tampouco importa a santidade.

Pouco importam as aquisições. Pouco importa a informação. Nada importa. Tudo brilha por um instante, por um mísero segundo. Homens, animais e estrelas, tudo cumpre um propósito no universo. E, humanos que somos, seguimos desconhecendo esse propósito e nos entretendo com imbecilidades.

Criamos mentiras para ignorar a verdade. Vivemos ilusões de grandeza. Nos glorificamos, criando altares para o nosso ego. Colocamos fotos nas paredes, colecionamos diplomas, compramos sapatos, colocamos película escura no carro, precisamos do novo MP5, nosso cabelo só ficará mais sedoso com o novo shampoo, nosso dia só começa depois de ler o horóscopo, nosso dia só será completo com o capítulo da novela, nosso vizinho é um imbecil que ouve a música que nos irrita, o resto da sociedade age errado, a política é uma droga, os partidos políticos reúnem grupos de interesseiros, porque ninguém ouve os nossos conselhos sobre a organização planetária, sobre o que é certo ou errado.

E seguimos cegos de todo o resto, do que realmente importa, que é a busca pelo conhecimento. Que é busca pela humanidade, nosso elo perdido com o divino. E a única verdade do universo segue incompreendida: o amor. Nunca compreendido em sua totalidade, o amor é uma força infinita que deveria envolver todos os seres viventes e ser o único norte para guiar nossos passos. No entanto, só amamos quem nos ama. Ou nem assim. E que se dane todo o resto. Somos deuses, mas preferimos chafurdar na lama.

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 15/01/2008
Código do texto: T818096
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