Um cidadão acima de qualquer suspeita
Existem pessoas que são de outro mundo. Vêm à Terra para nos ensinar, que a humildade não é sinônimo de humilhação, mas um valor que deveríamos cultivar, como uma planta, para nos ofertar bons frutos. Ou flores, para colorir nossos dias. Alimento e beleza, síntese perfeita de felicidade. Acontece de muitas pessoas não perceberem a beleza das coisas simples, como o canto dos pássaros ou o bailado das folhas ao toque do vento. Ou ao sorriso inocente de crianças com as bocas sujas de chocolate. Ou o som da chuva nos telhados, ou... ou... Ouço uma voz raivosa, blasfemando contra a inquietude das maritacas, que observam o ambiente urbano, como se procurassem alimento ou um porto seguro. Elas surgem, em bandos, maritacando nos fios da rede elétrica. Provavelmente foram expulsas pelos incêndios florestais.
Em minha casa andorinhas, canários e pardais constroem ninhos. No começo tentei afugentar os pardais. Até escrevi uma crônica intitulada A Arte de Espantar Pardais. Depois desisti. A natureza sabe o que faz. Eu os deixo fazer alardes, não se incomodam com a minha presença. Chiquinho, que mora ao lado de minha casa, compra canjiquinha e joga no passeio. É uma festa. Mas as maritacas, acho que são papagaios, são mais arredias. Sabem que são cobiçadas.
O Sô Lalá, um cidadão acima de qualquer suspeita me ensinou, muito mais com exemplos, do que com lições de moral, que a vida não tem mistérios, por mais que mentes complexas tentem misteriorisar. O quintal de sua casa é uma floresta. As plantas se entrelaçam. Tem manga, jabuticaba, cacau, limão, laranja, couve, abóbora, cebolinha. Tem um fruto, mistura de jiló, com tomate, cuja espécie não sei o nome, mas sei que é deliciosa. Necessário lembrar as mãos zelosas de Helena, sua fiel companheira. Sô Lalá, que vai completar oitenta e oito anos nesse mês de outubro de dois mil e vinte quatro é como as aves do céu, como os frutos da terra. Simples, humilde, um cidadão, repito, acima de qualquer suspeita. Já comeu o pão que o diabo amassou, sem guardar ódio e rancor. Mesmo com seu parco salário, paga os boletos em dia, sem perder a humanidade, mesmo quando manda alguém tomar no fiofó.