A bicicleta suja
Eu cresci numa casa cuidada com muito capricho, onde panelas saíam estrelas e ficavam expostas enfileiradas para que todas as visitas se surpreendessem com tamanho brilho. Aquele paninho na porta que às vezes pensavam que era algum pano de prato que por acidente havia caído ali mas, na verdade era o pano de chão! Branquíssimo de dar inveja. Se naquela época houvesse Reality de limpeza e minha mãe participa-se tenho certeza que ganharia. Que mulher para ser limpa e organizada! Até hoje ela têm aquele cuidado de manter a casa arejada com as janelas abertas e, ao mesmo tempo fechar para evitar poeira. Os sacos de lixo todos sempre trocados todos os dias e por aí vai!
Hoje e, com certeza pela idade ela não é mais como antigamente. Continua, claro com limpezas e mais limpezas todos os dias e, sempre reparando nos pêlos de gato que trago nas roupas mas, numa velocidade menor. Ela nunca soube se o que ela têm é compulsivo, por ansiedade, carência...Não sei! O que sei é que se ela encontrar uma louça suja que seja na pia por mais de meia hora ou casa de um jeito diferente do que ela deixou, aí sim ela fica doente! Entra em surto psicótico até encontrar o "autor da bagunça".
O fato é que essa mania de limpeza de minha mãe nunca me prejudicou. Pelo contrário, até me ajudou a ser mais atenta com as minhas coisas e organizada.
Não acho que as panelas devam brilhar mais do que nós. Não acho que devemos perder tempo arrumando demais um ambiente que irá em poucas horas
bagunçar todo mas, devemos ter o mínimo de organização e higiene. Isso é fundamental para viver bem e poder trabalhar melhor.
Nas minhas meninices da infância, eu usava a bicicleta de meu irmão quando este estava ocupado com deveres da escola. Eu aproveitava e curtia a magrela no asfalto cheio de pedregulhos e por vezes caía ralando o joelho mas não me acovardada. Depois do merthiolatte que minha mãe passava e chorar mais pelo remédio do que pelo machucado em si, eu voltava a pedalar porque era o momento qual eu me sentia livre, sem tanta limpeza e proteção que eu tinha dentro de casa. Eu explorava a rua, fazia questão de deixar a bicicleta passar por cima de pequenas poças d'água ou fazer poeira da terra. Precisava do contato com um mundo que não era só "sabonete Johnson ,desinfetante Coala e talco Giovana Baby". Precisava suar e sentir a camiseta molhada. Sabia que depois teria que chegar em casa e lavar a bicicleta toda. E tirar toda lama empregada nos pneus não era tarefa fácil para uma criança mas, minha mãe obrigava. Ela dizia que tínhamos que aprender que as coisas não podiam ser guardadas sujas dentro de casa. Ela me entregava o desinfetante, uma bucha velha e uma pequena varetinha de madeira para eu conseguir tirar a lama dos pneus.
A bicicleta ficava impecável e eu, cheia de ânsia e quase chorando por ter encarado limpar a lama misturada com cocô de cachorro dos pneus. Depois, eu tinha que ir direto para o banho e primeiro usar o sabão de pedra até tirar toda "nhaca" da rua para depois usar o sabonete comum.
Tudo isso eu fazia e, às vezes achava chato mas, nunca morri por isso. Também não acho que ela foi exagerada comigo e com meus irmãos. Ela simplesmente queria todos limpos e sempre tentou passar do jeito dela valores, ética, organização...
O que eu vejo hoje são jovens que desconstroem tudo o que seus pais ensinaram. Ainda que foram exagerados mas, que passaram coisas importantíssimas para nós. Hoje, qualquer coisa é "tóxica" Fulano está sendo "tóxico". Depende do que se entende por tóxico. Acho que ser tóxico é privar o outro, é obrigar a ser o que ele não quer ser, é sufocar com padrões que só servem pra ele mesmo, é ditar regras que não são saudáveis...
Eu prefiro ficar com os ensinamentos de meus pais, as roupas limpas...e, acima de tudo não me esquecer de quando eu limpava os pneus da bicicleta antes de colocar pra dentro de casa eu fazia uma limpeza interior também:
"Nunca devemos trazer a sujeira da rua, das palavras de pessoas infelizes, da inveja, das intrigas, para dentro de nossos lares. Essas contaminações jamais devemos deixar entrar para o nosso lar ( corpo ) que é sagrado! Cair da bicicleta é normal mas, nem por isso eu quero continuar machucada e, com a roupa suja. Os pais têm ou não têm razão? Sempre tiveram!