Interessante como os pensamentos chegam de maneira desordenada e, de repente, nos fazem refletir sobre a vida com uma intensidade inesperada. Estava na cozinha, folheando um caderno de receitas enquanto pensava no que preparar para o almoço. Sempre tenho aquelas receitas "campeãs" que faço de cabeça, sem precisar consultar o caderno, mas, às vezes, o dia pede por algo diferente.

Enquanto passava as páginas, percebi que havia muitas receitas ali que nunca havia experimentado. Isso me levou a pensar em quantas coisas na vida deixei de fazer, e quantas, inevitavelmente, não terei mais tempo de realizar. Essa constatação trouxe uma certa melancolia, como se estivesse desembrulhando memórias do passado e sensações do presente. Era uma espécie de reciclagem, uma volta ao tempo, onde tudo se mistura: o que foi, o que poderia ter sido e o que nunca será.

 

Aquelas páginas esquecidas no caderno, quase bordadas pela minha letra redondinha e infantil, lembravam escolhas deixadas para depois, momentos que passaram despercebidos. Cada receita não feita simbolizava um pedaço da vida que não foi vivido por completo. No fundo, talvez a vida seja mesmo assim: um caderno de possibilidades que nunca se esgotam, mas que, inevitavelmente, vão ficando para trás.

E, ao voltar para o presente, percebi que o sabor do agora ainda estava ao meu alcance. Entre receitas antigas e novas, não seria o mais importante a coragem de experimentar novidades?  O que poderia fazer para sair dessa mesmice?

 

Como boa vegetariana, resolvi fazer uma receita de couve-flor que parecia bem trabalhosa e que, várias vezes, passei a página. Talvez esse fosse o começo para desbravar outros desafios, um gesto simples, mas com uma mensagem poderosa: ousar experimentar. Ri comigo mesma, pensando que uma couve-flor jamais seria um desafio! Que bom se todos os desafios do mundo fossem como esse! Se não desse certo, paciência! De todo modo, eu sabia que teria o aval da minha família. Espera aí! Será que é esse o meu medo? Não ter o aval do mundo para as coisas desconhecidas que quero abraçar? Talvez seja isso, afinal: a vida precisa de mais coragem e menos aprovação.

 

Quando comecei a cortar a couve-flor, uma certeza silenciosa se revelou: a vida é feita de pratos conhecidos e desconhecidos, e o segredo está em não nos rendermos sempre à mesma receita. Seja o prato final uma obra-prima ou apenas uma tentativa, o essencial é sair do piloto automático e abraçar a autenticidade do momento. 

O que realmente importa é deixar que novos sabores nos surpreendam, celebrando cada momento como um tempero único da nossa existência.

 

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Tambem danço quando cozinho....

Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 23/10/2024
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