EU "BIBLIOTECO", TU "BIBLIOTECAS"...
(OBS: achei por acaso em meus antigos emails esta CRÔNICA de 5/julho de 2011, perdida por lá... atualmente, boa parte das opiniões que estão nela nem poderiam ser escritas. Peço desculpas aos "envolvidos", mas achei por bem NÃO MEXER no que foi escrito, afinal era/são FATOS e, além de tudo, nada demais, nada tão ofensivo, depreciativo. Espero que os citados compreendam !)
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EU "BIBLIOTECO", TU "BIBLIOTECAS"...
Definitivamente, não sou fã de livros, sempre preferi ler revistas -- de todo tipo -- ou mesmo jornais. E nem é pelo fato de terem fotos ou figuras... revistas precisam exibir assuntos cativantes, polêmicos, divertidos e resumidos, compactos. Os livros alongam-se desde o prefácio, apresentam 1 personagem por capítulo, nos cobram um tempo maior para a sua leitura e exigem abstração, esforço de concentração mental para alhear-se a tudo ao seu redor.
Até os meus 13 anos nunca tinha visto um "gibi" na vida... e nem revista alguma, até onde me lembro. No Primário tivemos apenas 2 livros, talvez 3 durante os 4 anos de Escola. Já no Ginásio não recordo de um só livro, exceto os de Francês e Latim, o "Ars Latina". (*1) Todas as matérias eram copiadas do quadro negro, espero não estar equivocado, 46 anos me separam hoje daqueles belos tempos. Mas, padre Dominique, numa palestra nas noites de sábado, nos tirava o sono recontando à sua maneira os romances de Alexandre Dumas e de vários outros autores de renome. Contudo, o "colégio" (era um Seminário, na verdade) não tinha biblioteca, pelo menos nas áreas reservadas aos noviços.
Curiosamente, quando voltamos ao Morro onde nasci, já com 15/16 anos (em 1967/68) começamos a comprar livros devido a leitura de "gibis", é claro. Logo amealhamos meia centena de obras, quase toda a coleção do TARZAN (editora Terramarear) e épicos como Ben-Hur, Quo Vadis, Robin Hood, Ivanhoé, A Ferro e Fogo e um calhamaço de mais de 400 páginas só de bobagens, com o título de "Mr. Pickwick", de um famoso escritor inglês. Mas ler era uma festa, principalmente tudo dos Dumas (pai e filho?), de Edgar Allan Poe, as aventuras magníficas de Júlio Verne e de autores nacionais, só cronistas antigos, Coelho Neto, Viriato Correa, M. Lobato, além de Eça de Queiroz, que me cativou desde a primeira linha. Não dispensava antologias, principalmente de contos (americanos, ingleses, o que viesse) e, assim que descobrimos a literatura policial, não havia dinheiro que bastasse. Tivemos perto de 150 livretos da MMEQ-Mistério Magazine Ellery Queen, que só perdiam em quantidade para os livrinhos do TEX Ranger... por fim, se fez num barraco caindo aos pedaços uma "biblioteca" de meio milhar de exemplares, muitas revistas de eletrônica, fotografia e decoração, que "devorávamos" sonhando um dia ter uma casa daquelas.
Mas, porém, contudo, todavia, entretanto... um dia apareceu uma "advogada" no Morro nos dizendo que tudo aquilo tinha sido comprado por uma Construtora (que pagara os impostos centenários da "pedreira" íngreme) e todos -- com 30, 50, 60 anos de "posse" -- teriam que sair. Acreditamos, pagamos 24 meses de um "plano de salvação" maroto, com o aval do vigário da Paróquia de Copacabana -- que não saiu do papel (ou do buraco) -- e, creio eu, fomos a ÚNICA família a sair do Morro, em fins de 1983. Tudo indica, pelas fotos de mestre "Guará"/ECAP-FR, que todos os demais ameaçados ainda estão por lá. São coisas que... só acontecem comigo! Pelo site PANORAMIO (via satélite) vê-se o Morro dos Cabritos inteiro totalmente tomado por casas, no lugar dos antigos barracos, fato absolutamente inexplicável.
Com livros e discos "enfiados" em 32 caixas de papelão, no tempo em que o Correio prestava, tudo nos chegou em Belém sem problemas. Meus discos prediletos vieram comigo... 20 quilos de mala velha que fez o motorista de táxi, na Rodoviária de Belém, botar a língua pra fora. (Êle pegou a mala e saiu correndo com ela para o 5º ou 6º carro da fila. Levou uns "safanões" e teve que trazê-la de volta.) Acabamos num vilarejo do interior, sem luz elétrica nem coisa alguma e eu terminei amigo do Prefeito da cidadezinha próxima, dr. Nonato Vasconcelos. Lugar simpático, em pouco tempo o alcaide me oferece a direção da Biblioteca, onde não acontecia nada, nem o tradicional dominó, jogado em todas as casas.
Recusei polidamente... não por não ser um amante dos livros, mas tinha feito amizade com poetas e escritores locais, 2 deles responsáveis exatamente por aquele "cemitério de livros!". Jamais contei ao Osvaldo Néri e nem ao "Toninho" (A.S) que o cargo deles esteve por um fio... "Toninho"tentou me expurgar da coletânea "LIVRENCONTRO", com 12 ou 15 poetas da cidade. Felizmente o professor "Zézinho" (José Ribamar S. Moura) falou em meu favor, até porque eu era o organizador (e editor) da modesta coletânea. O argumento, bem paraense (?!) era o de que eu não tinha nascido na cidade... "Zézinho" também não e o assunto acabou por aí. A empresa de ônibus Estrela do Mar patrocinou os 120 livretos da edição de estréia e o prof. Ildone, poeta maior e ex-prefeito da cidade, pagou uma segunda tiragem de 80 exemplares.
Vigia (hoje Vigia de Nazaré) tinha biblioteca famosa -- num dos colégios públicos da cidade -- que não cheguei a conhecer. Terra natal do poeta José Ildone, este me cederia 2 livros essenciais para minha "formação" como escritor. Uma obra lindíssima de um certo Georgenor Franco Filho e um momento de rara inspiração do escritor Orlando Carneiro, "Canto de Página", salvo engano. Eu já lera cronistas das primeiras décadas de 1900 tratando de eras ainda mais antigas. Eça de Queiroz me impressiona até hoje, bem melhor (junto com Aluísio de Azevedo) do que a "algaravia" machadiana, tão festejada. Todavia, os livros dos 2 autores citados acima despertaram em mim o registrador ácido e cético -- isso devo somente a Paulo Francis, n'O Pasquim e fora dele -- que "atira" para todos os lados.
Abro um parênteses: o professor José Ildone me convidou a conhecer a IOE-Imprensa Oficial do Estado em 1986, onde aliás atuava Lucinerges Couto -- na seção de jornais do DOE-Diário Oficial -- e da qual era diretor um certo sr. Nagib. (Adiante eu o encontraria como gerente de produção do jornal Diário do Pará e, uns 15 anos depois, aqui na Cidade Nova 5, como dono de uma Rádio Comunitária que 2 jovens petistas radicais fizeram de tudo para destruir... a PF fez o resto. Isso eu contarei entre os 40 ou 50 "micos" que vivi, em "Se não me falha a memória...")
Voltando à IOE... o então presidente da APE-Assoc. Paraense de Escritores tinha vasta coleção de livros diversos em sua sala, de toda obra publicada pela Imprensa Oficial guardava-se um exemplar. Prof. Ildone me introduziu na APE em meados de 1987, ainda com Rui Barata como presidente. Inscrevi-me como sócio em fins de 1988 e saí dela creio que nos primeiros meses de 1990, após traumática "eleição".
O "elitismo" que o escritor A. Garcia critica hoje em seu libelo a favor do poeta Juraci Siqueira, ele mesmo praticava dentro da APE, que só publicava na sua sazonal revista os nomes mais imponentes da Associação. Carlos Limma vendeu sua moto para editar a "Re-vista Pô-ética", que abriria portas à "arraia miúda" que não tinha espaços dentro da APE. Colaborei com desenhos (retirados de HQs), os mais de CEM apeanos fingiram-se de cegos e o número de estréia não vendeu nem 50 exemplares. Fizemos a segunda revista... não pôde ser retirada da IOE por falta de pagamento. A APE "acabaria" logo depois... o resto é farsa, "teatro" barato! Fecho o parênteses!
Dois anos e meio após adentrar no Pará, eis-me pisando o chão da Capital (em 8/1986), que o "bairro-dormitório" Cidade Nova pertenceu (até 1995 ou 96) à região de Belém. A Cidade Nova 1 -- são 8 os conjuntos "habitacionais" -- tinha minúscula biblioteca, criação penso eu do ativo e combativo Juscelino Sousa, dos tempos em que o PT prestava. Virou vereador pouco depois (1992?) e imaginei que seria um vulcão transformador, no marasmo político solidificado por votos "de cabresto".
Triste ilusão: o prefeito da época conseguiu a ade$ão de 11 ou 12 dos 13 Partidos e Juscelino, na oposição, ficou falando sozinho. Não teve um só projeto ou moção aprovados, não se reelegeu e saiu criticado por quase todo mundo. Para meu censo "político", aquilo foi a pá de cal na pouca crença que eu tinha de políticos (vereadores, etc) mudando alguma coisa nos municípios. Voltando à Biblioteca, ela saiu do salão principal do Centro "Comunitário" -- uso aspas para todos eles! -- para minúscula saleta de 4 x 2m que ninguém frequentava.
No Pará boa parte dos acervos de bibliotecas "civis" é feita com livros escolares, obras sem atrativo. Ah, na época (1989/90) da primeira campanha de Juscelino surgiu por lá uma Banda de Belém de 3 músicos, que tocaram por 2 ou 3 domingos pela manhã e "sumiram"... usurparam 1 dia das aulas de Capoeira gratuita dadas por meu irmão Renato, dentro de um pretensioso projeto de "recuperação" do Centro. Era "R-Naldo e seus meninos" que, adiante, se transformariam numa "salada folclórica" de fazer inveja a Bollywood.
O incansável Lucinerges Couto -- a merecer há anos uma Escola com seu nome -- junto com Eron Carvalho criaram em 1987 o "Grupo de Amigos Especiais de Ananindeua", que se reunia todos os sábados de manhã na Biblioteca municipal, 3 ou 4 estantes de madeira puída e umas 300 obras. Os cupins "leram" boa parte e o acervo inteiro acabou no lixo. Trocou-se por estantes de metal, o Banco do Brasil doou TV em cores, um grande acervo de fitas VHS e livros infantis e, por volta de 1990, a Biblioteca ananin vivia seus melhores dias. (Atualmente, o acervo mudou-se para onde "o Judas perdeu as botas" e duvido muito que tenha sequer visitantes.)
O Grupo de escritores cresceu, virou "não sei o quê" por 3 meses ("Depto C", invenção do poeta FELIPE SIL(veira) e, adiante, ALA-A - Assoc. de Letras e Artes de Ananindeua, com 30 e poucos curiosos, entre autores e simpatizantes da Cultura, quase todos sem nenhum sonho ou objetivo.
Aos poucos Lucinerges desistiu e foi "cantar em outra freguesia", o distrito de Icoaraci, onde criou um novo grupo, agora com o titulo de Academia, primeiro APIL (nome de uma Granja famosa em Belém) e, depois, APLI. Que fim levou também esta?! Desconheço, grupo de escritores na "terra do já teve" não dura mais do que 2 anos.
Lucinerges me levou a Icoaraci para conhecer as belezas do calmo balneário, hoje município, com variadas atividades culturais. Lá conheci por volta de 1990 a casa do poeta Tavernard e a biblioteca aberta ao público que nela existia. O banheiro não podia ser usado, mas as prateleiras de livros estavam em boas condições. Cuidava do prédio um sujeito de nome estranho, um tipo meio alemão e desconheço se alguém lhe pagava o zêlo desprendido. Pois, para meu ESPANTO (nessa terra de espantos mil !) a reportagem de maio de 2008, que mostra a casa em ruínas, declara que em 1991 vários escritores se cotizaram para reconstruir a Casa... porque estava em ruínas. Tenho a impressão de, entre 1998 e 2000, ter lido reportagem que a mostrava em ruínas. Meu irmão esteve por 3 ou 4 dias na região, em 2005, e recorda ter visto a Casa de Tavernard inteira. Me parece, pois, que o "destino" da Biblioteca é estar sempre... em ruínas. A vizinhança deveria ser inquirida (ou até investigada) à respeito disso.
Com a criação de um centro cultural em 1988 -- leia-se na Internet o texto "CCCP - lutas e realizações" -- tivemos eu e meu irmão gêmeo Renato a oportunidade de visitar as Bibliotecas de várias EPs, (escolas públicas) nas quais realizamos exposição (de fotos, desenhos, objetos, etc) de Capoeira, em geral por 1 dia inteiro, e em alguns casos, como no do colégio Anchietinha, por uma semana. Pouco depois, decidi escrever um calhamaço de mais de 90 páginas datilografadas, o "ensaio" "O Crime que virou mania", sobre as origens das Capoeiras paraense e nacional, a partir do título bem negativo de uma bela reportagem em revista turística.
Entre 1993 e 95 visitei quase todas as Bibliotecas de Belém, públicas ou em colégios e universidades e "virei rato" da do CENTUR, tendo folheado perto de 400 jornais entre 1950 e os anos 70. Eu tinha tempo, tínhamos dinheiro -- vendia-se entre 160 e 220 jornais só aos domingos e feriados, além de ganharmos objetos de valor comercial dos fregueses -- e meu propósito era escrever o primeiro (e único) livro sobre a Capoeira do/no Pará. Em 1997 tentamos em vão vender nosso acervo, imenso e variado, para 5 órgãos oficiais de Cultura, no Estado... por apenas R$ 1.500,00 reais (depois, MIL reais) para universidades que não tinham mais do que dúzia e meia de "xeroxs" -- como a ex-ESEFPA e a UEPA, de preparo de professores para as EPs estaduais -- tudo em vão. O Museu da UFPA, praticamente só com 15 ou 20 jornais "nos cozinhou" por 3 ou 4 meses. Tínhamos quase 450 reportagens/notas de Jornal (por sermos jornaleiros) apenas da Capoeira de Belém, uma rara de 1981, da Capoeira em Icoaraci. Numa cinzenta tarde de julho ou agosto de 2009 tocamos fogo em tudo... e o que não virou cinzas foi vendido como papel velho para a Riopel, 850 kg na primeira leva e 1300 kg na segunda viagem.
Das bibliotecas todas quase nenhuma boa lembrança, eram definitivamente "cemitério de livros". Frequentadas realmente -- fora a do CENTUR, em que havia filas a tarde inteira -- só a da UNAMA central, já digitalizada na época, a principal da UFPA, à beira-rio e com a maresia atingindo os livros e as 2 do distinto colégio particular Madre Celeste (no bairro Cidade Nova 8), que conheci em 2006/7, a principal computadorizada.
Visitei de passagem a do CCBEU, linda, bem cuidada, com 2 andares (mezzanino) mas com quase todo o acervo em inglês. A do SESC-Doca era envidraçada, dava para se ver do pátio. Só vivia trancada à chave (isto em 1990/91) e a atendente nunca estava presente. Em todas, o mesmo senão: não emprestavam livros, exceto a do CENTUR no subsolo, com ala exclusiva só para esse tipo de serviço. Havia um fichário com uns 150 nomes/endereços de jovens que não devolveram os livros que levaram. No CENTUR passou-se a manter fechados os janelões dos andares, mesmo com o ar condicionado deficiente devido ao volume de frequentadores.
Adiante, foi proibida a entrada de pastas, apostilas e sacolas e, por fim, seguranças revistavam alunos e alunas na entrada dos banheiros. O motivo era um só: o furto sistemático de obras, enfiadas sob as roupas, "camufladas" nas apostilas ou lançadas janela abaixo, para amigos lá fora. Isso foi no início dos anos 90... nossos fregueses abandonaram a leitura de Jornais na Era Sarney e sua "tabelinha de juros" (tablita) -- o preço do Jornal subia 3 vezes por semana -- a passagem de ônibus ficou inacessível e eu deixei os sonhos literários para trás.
Por estranha ironia do Destino , menos de 2 anos depois de vendermos nosso acervo por 8 centavos por kilo (ou quilo), eis que um "vizinho" morando próximo de nossa rua acabou por nos doar mais de 800 obras, praticamente todas em perfeito estado, encadernadas e cujos temas/assuntos são do mais alto interesse. Como o acaso ajuda a quem trabalha, a mãe do dono me viu pegar 3 sacolas cheias de livros, na calçada de sua casa. Dois dias pois meu irmão bateu na porta dela se oferecendo para levar o "resto"... passamos quase 1 mês trazendo 15 ou 16 caixas de isopor lotadas de exemplares.
Contudo, enquanto recicladores, nem tudo são flores: alguns voam de suas salas para nos questionar o que estamos procurando (?!) em seu lixo, além de uma inacreditável quantidade de habitantes que fazem uma "ginástica perversa" a fim de que os "catadores" não aproveitem nada do que jogam fora. Livros são lançados no lixo às dezenas... não apenas escolares (e do ano em curso!) mas também técnicos, Bíblias seminovas, livros de arte & artesanato, musicais, sobre saúde, dicionários, etc. Se aprendessem a doar, todo centro dito comunitário (ou ONG, hoje em dia) teria uma seleta biblioteca. Há uns 40 dias achei em frente de uma EP próxima de casa mais de 10 "livrões" com mais de 600 pags cada, com as siglas PNL e FNDL na capa e o adendo "Livro do Professor/2010".
Entretanto, já tive prazer em frequentar bibliotecas... no Rio de Janeiro ! A do IBEU de Copacabana tinha "saraus" musicais ao meio-dia, bem na hora do meu descanso para o almoço. E, no centro da cidade, um outro tipo de "biblioteca", só de discos antigos, me embalava a meia hora que restava entre o rápido almoço e o reinício do "trampo". Mas, afinal, porque sou contra (a construção de novas) bibliotecas? Nos dias atuais a juventude só quer saber de videogames e computador... não imagino ninguém procurando livros, basta constatar esses ônibus adaptados sempre vazios, seja qual for o bairro de Belém onde estacionem.
"NATO" AZEVEDO (poeta e escritor - em 5 de julho de 2011)
OBS: (*1) - embora com ótima memória (quando se trata do Passado) não assinalei que no Seminário (SMSVP) de Araucária/PR não só vim a conhecer GIBIS, como os assinava, por 2 anos, em 1965/66. Estórias mensais de aventura da Editora PAULINAS, com o título de "O JORNALZINHO". Me desculpem os leitores e leitoras ! (Nota em out./2024)