O valor do café

Ontem a noite peguei- me pensativa...

Estou de acompanhante do meu filho no hospital ...

Hospital é um ambiente relativamente ambíguo que, ao mesmo tempo que desperta a esperança de cura, desperta também medo, ansiedade, isolamento ...

Ninguém, em unanimidade, fica bem neste ambiente ! Necessário, porém não desejado...

Mas não é sobre hospital minha divagação de hoje...

É sobre não se ter tempo para quem você ama, admira e preza a companhia ...

Pois bem, tenho uma prima que tenho muitas afinidades e admiração mas morava em bairro distante. Durante a infância também moramos em cidades distantes, mas sempre fomos ligadas, éramos apaixonadas pela mesma pessoa, o seu pai. Homem digno, inteligente, engraçado... O tio que eu nutria um orgulho imenso e tenho certeza que ele por mim.

Mas a roda viva da vida, ousou levá-lo pra longe, pra outro plano... Deixando um vazio infinito... E sim, fiquei imensamente desolada como sobrinha, imagina ela como filha!? Foi profunda sua perda e nos ligou ainda mais...

Eu e esta prima não tínhamos tempo para nos encontrar pessoalmente, mas sempre rolava um telefonema. Ficávamos conversando, dando risadas, nos lamentando, fofocando sobre a família, falando da nossa profissão... Mas quando nos despedia sempre existia uma promessa: "Olha, não esqueci do café! Vamos marcar, tá?..." Outras vezes: "Prima, nosso café está fazendo aniversário, né? "Algumas vezes: "Deixa o café para as férias, tá? No meio do ano?! ... "

E assim nosso café se tornava apenas uma mera possibilidade...

E assim se foi... Muitas coisas aconteceram. Até a vi antes, em outras ocasiões, mas nunca especificamente para o nosso tão sonhado café...

Tempo passou, muitas coisas aconteceram, inclusive uma doença cruel e inesperada a assolou.

Então nosso café ficou pra depois da cura ...

Ela sempre otimista e ouso dizer até engraçada... Sempre terminava o diálogo pelo telefone: "Prima te amo e não esqueci do nosso café... É que agora não estou muito bem. Mas te aviso, tá ?"

Um belo dia recebi um telefonema dela: "Prima, estou pertinho de você. Pode vir aqui me ver?"

Eu respondi imediatamente: Claro, prima!

E fui...

Encontrei uma bela mulher, olhar esperto, sorriso largo, carinhosa porém bem debilitada pela doença que a assolava.

Seus olhos sorriram ao me ver. Dei um abraço e começamos a conversar... Ficamos horas fazendo planos... Lembramos da nossa infância, lembramos do pai dela, nossa paixão em comum...

Apesar de tudo, do local e do momento, foi um papo leve, de esperança...

Neste dia dormi com ela e finalmente tomamos café juntas. Parecíamos umas princesas sendo servidas em um banquete... Finalmente tomamos nosso café! Que café maravilhoso! Riamos da situação, lembramos de tantas tentativas frustradas desse acontecimento ...Mesmo naquela situação e naquele lugar, ficamos agradecidas pela companhia, por aquele momento...

Despedi-me com a promessa de um novo café em circunstâncias bem melhores! Olhei para aquele rosto lindo, amigo, inteligente e que apesar do inchaço guardava toda fé do mundo e uma gentileza que transbordava nos olhos vivos ...

Fui embora com o coração apertadinho ...

E depois de dez dias deste nosso encontro ela se foi...

Aquele dia foi o nosso primeiro e último café...

Não sabemos a medida de nossos dias...

Confesso que ainda fico profundamente triste com sua partida... Confesso que eu tinha esperança de um reencontro...De um outro café...

Isso me ensinou uma lição de nunca subestimar o valor de um café, não é somente o café...

Nunca deixe pra depois o café que você pode tomar hoje...

Amanhã não poderá chegar, parece frase pronta, clichê mas é a pura realidade!

Eu ainda tive o privilégio de tomar o último café, ainda que no hospital, com minha querida prima...

E, sinceramente, esse relato não é sobre café!

Tenha tempo pra quem você ama!!!

Beijo no coração ❤️

Glória Alice
Enviado por Glória Alice em 23/10/2024
Reeditado em 23/10/2024
Código do texto: T8180070
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