Reflexões de um Sonho

Sonhar sempre me intrigou. Há algo de fascinante na forma como os sonhos parecem carregar mensagens ocultas, como se fossem um reflexo do que, muitas vezes, não queremos encarar de frente. Sempre fui de sonhar e, claro, de tentar interpretar.

Hoje, por exemplo, sonhei com ele, o ex que há tempos não vejo, nem sei por onde anda. Mas ali, naquele sonho, ele estava tão próximo e íntimo como nas lembranças. Nós, dois jovens, decidimos caminhar juntos. Até que, em determinado ponto, subimos num ônibus lotado. Para onde íamos? Só Deus sabe.

O ponto alto do sonho aconteceu quando, empolgada, paguei minha passagem e fui à frente, escolhi o melhor assento, no alto, onde eu podia ver tudo. Naquele época era o máximo ter seu próprio dinheiro pra passagem. Fiquei orgulhosa de mim.

E esperei por ele. Mas ele não veio. Ficou parado, travado na roleta, perdido no meio da multidão que se espremia. Em algum momento, a roleta se transformou numa parede de vidro, mas ainda dava pra passar e eu só pensava: por que ele não passa? Será que não tem o dinheiro? Será que prefere ficar ali? Ele não me olhava. Eu poderia ajudar, mas não vi nenhuma reação. O tempo foi passando e, estranhamente, ele parecia confortável. Eu também, como se aquilo fosse natural. E então, acordei.

O relógio na parede do meu quarto marcava quatro da tarde, de uma segunda-feira. Um cochilo que me pegou de surpresa, no meio das contas. Como dormi assim?

Remoí o sonho por um instante. A pergunta insistente martelava na cabeça: por que ele preferiu ficar lá, com aquela gente e não veio comigo?

A resposta estava tão clara quanto o sol lá fora. Éramos jovens, sim, mas eu sempre quis mais. Não mais dinheiro ou status, mas mais de mim mesma. Sempre quis ser útil, construir algo. Fui criada para ser dona de casa, mas minha alma clamava por independência. Estudei, me formei, mudei de cidade, tenho carreira, família. Estou feliz.

Ele, por outro lado, precisou crescer cedo. Trabalhou para ajudar os pais, não estudou, perdeu o rumo. Vive de bicos, no mesmo lugar, cercado de gente que afoga as mágoas da mesma forma, nos vícios, nas distrações fáceis. E sabe o que é curioso? Ele também está feliz.

Não existe certo ou errado aqui. O sonho apenas refletiu o que já era óbvio. Sempre fomos diferentes, com visões de mundo que jamais se cruzariam.

Mas, se há algo que eu invejo nele, é a leveza com que encara a vida, como se o amanhã não importasse tanto quanto o agora. Como diz Zeca Pagodinho :"deixa a vida me levar."

Se eu tivesse um pouco dessa despreocupação, certamente não estaria agora esquentando a cabeça com tantos números, preocupada com contas, prazos e responsabilidades. Talvez, só por um momento, pudesse simplesmente respirar e deixar a vida fluir, sem carregar o peso do futuro nos ombros.

Bianca Baptista
Enviado por Bianca Baptista em 21/10/2024
Reeditado em 28/10/2024
Código do texto: T8179083
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