O TEMPO VAGAVA
Sento plácidamente esparramado sob a imensa mangueira, encosto satisfeito em seu tronco grosso e aguardo o vento de outono fazer seu trabalho nos galhos fartos de mangas amareladas. Deito o olhar sobre a grandiosa copa entulhada de pássaros famintos, que devolvem o gesto com indiferença enquanto bicam as frutas. Não se importam comigo, minha presença não representa perigo algum para eles. Tem mangas para todos, sabem também que perturba-los está longe dos meus propósitos.
Um sopro mais forte do vento joga sobre mim alguns galhos carregados de mangas maduras, quase ao rés do chão. Sorrio em em êxtase pensando o quanto a natureza é generosa com a humanidade. Precisei somente levantar a mão e escolher qual colher. Nesse momento senti delirante o doce aroma invadir-me o olfato. Escolhi a que me pareceu mais apetitosa, arrancando-a delicadamente, e dei vazão ao meu desejo. Que doçura! Que sabor! Lambuzei a boca, as mãos e as faces sem ligar a isso, fiquei olhando céu enquanto degustava saboreando cada bocada.
Ainda era cedo, os demais moradores do condomínio despertam mais tarde no domingo, eu e os passarinhos estávamos sozinhos no paraíso chupando manga. Nesse instante maravilhoso tudo nos pertencia, o vento ajudava, a mangueira nos dava abundância, o sol se debruçava sobre a linda manhã, o doce da comida dançava feliz no meu estômago e este, em gozo, a tomava nos braços acompanhando seus suaves passos.
Devorei alegremente quatro mangas naturalmente amadurecidas, a festa no meu organismo ante a fartura bioidêntica entrou em farra metabólica, eu deveras respirava em levitação. As aves na copa chilreavam enlouquecidas de prazer, o sopro contínuo da monótona ventania empurrava os galhos e as folhas, os raios solares se intensificavam, o tempo vagava, meu coração sambava, enfim reinava a harmonia matinal naquele domingo esplêndido.