O DIA QUE O CABARÉ ENTROU EM GREVE

O DIA QUE O CABARÉ ENTROU EM GREVE

O vento sibilava la fora, os pardais estavam arrepiadinhos, um ou outro trinava, a maioria preferia o ninho, porque o dia estava esquisito. Eu, nada pra fazer, fui fazer nada num cabaré, para distrair e aliviar a tensão. Fui pra Casa de Marilú, um antigo Cabaré, muito respeitado no meio. Entrei, direto para o bar, mas, o ambiente estava diferente, tudo muito quieto, nem musica tocava no “junk box”. Sentei na banqueta, cotovelos no balcão, esperava a dose preferida, já conhecida, olhei ao lado alguns ébrios já suspiravam o álcool ingerido. As Damas num canto do cabaré abanavam seus leques, aquele ventinho ajudava contra o calor, mas o suor escorria, logo vi um grande cartaz que dizia:

“Tonigth no michê” sem fornicação

“no dad and mum”.

E a Matrona “beiço carregado de ‘batão” vermelho, vociferava impropérios aos quatro cantos:

─ Puta que pariu! sem atividade não tem grana, bufunfa, “no money!” Vocês querem me foder!

O cabaré parado, e tudo por que? Porque elas resolveram um “strike”, dia de greve! Greve vaginal, anal!, algumas garotas distribuíam panfletos aos machos presentes, com as reivindicações. O SIDACA (Sindicato das Damas de Cabaré), tendo Soraia, a morena, como líder discursava la fora, e reivindicava:

“Queremos melhor tratamento,

melhor distribuição de renda $,

Melhor atendimento médico,

Refeição de melhor qualidade,

Diminuição no valor aluguel dos quartos,

Uma creche para guarda dos filhos menores,

Melhorar segurança, “leão de ‘chácara” mais preparados.

Numa salinha o advogado do SIDACA negociava com a casa, e após muitas conversas, telefonemas para escalões superiores, algumas reivindicações foram atendidas. Soraia se postou no meio do salão, e deu as boas novas:

─ Irmãs! Hoje é dia de muita alegria para a classe do entretenimento sexual, não é porque trabalhamos com nossos corpos, que não precisam nos respeitar, tem que respeitar sim! Em seguida elencou as benfeitorias conquistadas.

As damas desvairadas, saíram dançando pelo salão e freneticamente gritavam

“Puta unida jamais será vencida!”

“A nossa periquita tem o seu valor!”

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Eu ali assistindo todo fuzuê, até que tirei os cotovelos do balcão, porque finalmente o “bar man” serviu minha dose de cana! E ainda me disse baixinho “essa é por conta da casa, você é cliente”.

Atentei-me para as reivindicações das Damas do Cabaré, como trabalhadoras do quinto setor “atividades artísticas do sexo”, aliás a atividade mais antiga do mundo, são iguais aos trabalhadores comuns, ou seja: Melhoria no ambiente de trabalho, Distribuição de Lucros, Assistência Médica, Alimentação, Moradia, Creche, Segurança,

Trabalho é trabalho, não importa a atividade.

A música encheu o salão e a atividade reiniciou.

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Autor Andrade Jorge, Membro Efetivo da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro, Academia Saltense de Letras, Casa do Poeta de Praia Grande.

30/09/2024