Descontinho, descontão
Quando criança eu pensava que para ser uma pessoa feliz teria que ter muitas coisas. Achava que quem tinha muitos móveis, carros, casas , esses sim, eram felizes e realizados. Que eu teria a todo custo ter de lutar para ter pelo menos metade das coisas que meu vizinho tinha.
Certa vez, isso com uns oito anos de idade e, me recordo até hoje que ao visitar a casa de uma coleguinha, filha de um amigo de trabalho de meu pai, na época encantei-me com os dois guarda-roupas que ela tinha no quarto e, que cobria as duas paredes. Um era dela e o outro era para os seus brinquedos e roupinhas de boneca. E foi esse guarda-roupas que me chamou a atenção pela infinidade de roupinhas, todas na sua maioria dobradas cuidadosamente em gavetas e muitos vestidinhos pendurados em pequenos cabides. Aquilo era um encanto! A quantidade de roupas e o capricho com que guardavam tudo. As bonecas pareciam ganhar vida com tudo aquilo. Roupas de tecidos cheirosos, repletas de babados, outras estilosas e que dava vontade até de ter bonecas. Eu, que possuía apenas duas simples bonequinhas de pano ficava de boca aberta com aquelas bonecas vestidas em roupas de época, Barbies de diversos modelos mas, principalmente com a quantidade de roupinhas para elas.
Eu pensava: Ela é rica! E eu, claro, sou pobre! Não possuo vestidos nem pra mim, imagine para minhas duas bonecas que vivem encostadas na parede esquecidas pelo tempo.
Com uns dez anos de idade minha mãe comprou um tecido para ajudar uma vizinha metida a costureira que vivia insistindo pra minha mãe fazer uma roupa pra mim. Lembro de minha mãe perguntar:
__Qual cor de vestido você quer? Verde claro ou vermelho?
Eu respondi cheia de timidez misturada com emoção:
__"Verde."
As duas se olharam surpresas e a vizinha disse:
__Pensei que ela fosse escolher o vermelho. Porque é uma cor que destaca, no entanto ela preferiu o verde claríssimo...
Minha mãe respondeu:
__Ah, mas essa menina sempre foi do contra mesmo! Então, pode fazer esse verde pra ela.
Mas claro, que dentro de mim tinha uma lógica, escolher o verde e não o vermelho. Eu estava numa fase de criança farta de ser criança mas ao mesmo tempo tinha medo da pré-adolescência e, ainda me sentia gordinha, baixinha e dentuça. Se eu usasse o vestido vermelho ficaria parecendo a personagem Mônica dos quadrinhos de Maurício de Souza e, seria zoação total dos meninos na rua, a começar pelos meus irmãos.
E aquele vestido verde claro ficou sendo minha marca registrada durante um bom tempo até eu crescer e ele ficar curto demais.
Meus pais não tinham dinheiro e então nós contentamos com o que dava pra comprar.
Uma peça de roupa no final de ano pra passar as festas na casa de minha tia e estava bom demais! Na escola era uniforme mesmo mas, a vontade de usar roupas diferentes conforme minha idade crescia. Até que fiquei moça e fui trabalhar numa loja.
Pronto! Agora vou ter meu estilo! As coisas foram mudando e vi que poderia comprar as roupas que quisesse se economiza-se um pouco. Adeus ter que repetir a mesma blusinha todos os dias!
O tempo passou e me peguei com trinta anos, o armário abarrotado de roupas que não me cabiam mais, outras haviam saído de moda, outras eu havia me arrependido de comprar e outras eu nem lembrava onde havia comprado. Não havia mais espaço para tantas roupas no armário e, claro que eu colocava a culpa no próprio armário dizendo que era pequeno demais e as gavetas apertadas. Que tinha poucos cabides e etc.
Mas pergunta se eu usava todas aquelas peças? Claro que não! Mas elas estavam ali, simplesmente para pegar poeira, mofo, dar trabalho para arrumar e principalmente para eu ver o quanto de roupas eu tinha. Era a quantidade que me importava. Ainda mais que eu agora podia comprar quantas peças eu quisesse. E nessa onda de sair comprando aleatoriamente, nem estilo eu tinha mais!
Usava qualquer coisa e de qualquer jeito. Era tanta informação que tinha dias que eu saía na rua e me sentia um personagem. Havia dias que eu bancava a princesa saindo de vestidos esvoaçantes, outro dia eu bancava a gótica de preto dos pés a cabeça. Tinha dias que eu parecia uma patricinha de comédia romântica com saia plissada e camisa branca. Era um carnaval de estilos confusos que eu não me dava conta.
Minha mãe gritava de um lado:
__Doa para a igreja! E essa calça está apertada demais! Não te serve!
E lá ia eu, com sacos e mais sacos de roupas para doação tentando aliviar um pouco a minha culpa quando na verdade o que eu precisava aprender era que eu podia sim, ser feliz com pouco e sem aqueles excessos.
Só aprendi quando amadureci e “envelheci” a viver mais experiências e investir menos em “coisas” que, muitas vezes na hora de comprar é aquela empolgação e euforia. Uma “falsa felicidade” e que durava muito pouco. As vezes coisa de minutos.
Hoje, a gastança por impulso comprando coisas que nem precisava passou. Mesmo com alguns “donos da verdade e da liberdade" dizendo:
__Faça o que quiser! O dinheiro é seu! Vai morrer, vai ficar tudo! Tem que aproveitar!
Eu, hoje sou da ideia de que se você for comprar algo pense se realmente é necessário e vai usar. Conheço pessoas que assim como eu, no passado estocavam roupas e mais roupas e até objetos que jamais vão precisar.
Alguns compram e não usam. Guardam esperando “um dia especial” e, esse dia especial nunca chega e, talvez usem no velório. Isso acontece!
A maioria das pessoas consumistas fazem isso porque em sua infância ou adolescência passaram por dificuldades e não tiveram condições de comprar. Trabalhei com uma moça que já tinha trinta e cinco anos. Ela possuía cadernos coloridos, canetinhas, lápis de cor e figurinhas infantis. Um dia criei coragem e perguntei-lhe porque ela curtia aquelas borrachinhas perfumadas e apontador da Minie. Ela havia me dito que era simplesmente porque em sua infância não tinha condições de ter nada daquilo e, que agora ela podia. Então comprava pra satisfazer aquele desejo.
E o sistema se aproveita da fragilidade das pessoas. Uma prova disso é a famosa “Black Friday “ que todo ano deixa as pessoas alucinadas com a ideia de comprar o que sonham por menos da metade do preço! Essa mesma colega de trabalho certa vez chegou na loja com um enorme pacote . Ela havia vindo da “Black Friday “ direto para o serviço. Estava com a roupa toda amarrotada, suada, os cabelos bagunçados e muito cansada.
Havia dito que tinha acordado as três horas da manhã, sem tomar café, direto para a “Black Friday”. Eu ficava imaginando o quanto ela havia lutado bravamente. Primeiro para enfrentar a fila gigantesca e depois para conseguir entrar na loja de eletros levando empurrões e aguentando os gritos histéricos de pessoas alucinadas com as “promoções”.
Ela havia conseguido um cortador de gramas. Mas em seu quintal não havia gramas! A desculpa foi que estava uma pechincha! E ela não podia deixar de levar aquele cortador e, que mais cedo ou mais tarde podia precisar.
__Estava baratíssimo! Quase de graça! – ela dizia.
Ela comentava que achava um luxo nas novelas, aquelas mansões sempre com um jardineiro aparando a grama.
__Pronto! Agora tenho o cortador de gramas. Só falta o jardineiro e a grama. Ou melhor, só falta a mansão! – brincava.
Passou-se uma semana e ela estava vendendo o cortador de gramas na OLX.
Arrependeu-se amargamente por ter comprado. Disse que deveria estar em algum surto psicótico quando se dirigiu aquelas faixas negras da Black Friday. Que não se lembrava ao certo o que a fez sair de madrugada e fazer aquela compra desnecessária.
Ela simplesmente comprou na emoção. Com um empurrãozinho claro, da mídia, fazendo a lavagem cerebral do "CORRA" "É SÓ AMANHÃ!"
Por isso hoje, penso que o bom da vida não são emoções e sim as experiências que adquirimos. As vezes o empurrãozinho para fazer aquela viagem dos sonhos ou concluir uma faculdade está simplesmente em domar essas emoções fúteis de sair gastando com coisas que não vamos usar. O consumismo exagerado não é legal, demonstra carência, vazio e só faz mal pra si mesmo e para o bolso, e claro.
Agora um poema:
Descontinho, descontão
Disfarçado em promoção
Descontinho, descontão
Não me deixe ter obsessão
Descontinho, descontão
Que eu não viva de emoção
Porque a Black Friday só serve
Pra me manter na ilusão
Que situação!