ETERNAMENTE ESTRELA

Na vida, a gente às vezes tem a sorte de encontrar pessoas que chegam assim de repente e interferem em nossa trajetória de forma definitiva.

Eu conheci a professora Estrela quando resolvi fazer a pós graduação em Planejamento Urbano, e pela primeira vez em uma instituição privada, o Instituto Metodista Bennet, ali no Bairro do Flamengo, Zona Sul do RIO.

A Estrela era daquelas pessoas que ao chegar a algum ambiente seria logo percebida, apesar de seu pouco mais de um metro e meio, a bela morena de origem sefaradim, de longos cabelos negros trajando indumentária que remetia a moda cigana ou indu, sempre tive dificuldade de discernir diferenças entre estas ricas culturas na forma de se vestir, onde prevalecem cores fortes que realçam simultaneamente o estampado e suas graciosas formas.

Em nosso primeiro contato logo senti sua forte energia positiva, e fui direto ao assunto, explicando minha situação financeira e o interesse pelo tema, naquele momento trabalhava na secretaria de planejamento e coordenação geral da prefeitura da cidade. Ela não titubeou, reagiu, me convidando a participar de futuro projeto da instituição, que renderia uns caraminguás para o grupo. Precisaria de um pouco de paciência, e ainda arcar com as duas primeiras mensalidades do curso.

Convivendo diariamente com a mestra, mas me impressionei com sua conduta, oferecendo emprego a professores que se refugiavam no Brasil, fugindo das ditaduras argentina e chilena.

Interessante constatar que o curso também serviu para aprimoramento do meu espanhol, pois boa parte das aulas era ministrada na língua de Cervantes.

Naturalmente se formou na turma um grupo que se agregou a Estrela, e passamos a aprofundar temas que nos foram apresentados, mas que sentimos falta de um maior aprofundamento.

O local de encontro era invariavelmente o pequeno apartamento onde a professora vivia com seus dois filhos, em Copacabana. E foi assim que entendemos que nossa situação financeira não era muito diferente da dela. Passamos então em conjunto, a disponibilizar para ela uma espécie de cesta básica, fora o lanche que sempre levávamos para esses longos encontros acadêmicos de final de semana.

Esse restrito grupo seria responsável por tocar a demanda da igreja metodista de Lima, Peru. O objeto de estudo era o recente crescimento geométrico do número de associações de moradores no RIO. Daí para frente, meu elástico horário destinado ao almoço passou a ser ocupado com pesquisas na Biblioteca Nacional no Centro da cidade.

Das duas horas que dispunha para a refeição, me alimentava em quinze minutos, gastava com Metrô outra meia hora, portanto me restava uma hora e quinze minutos diários de trabalho. Interessante como nos adaptamos a novas rotinas. Se no início perdia muito tempo para preparar e posteriormente encontrar as informações requeridas para o trabalho.

Não demorei muito para aperfeiçoar o processo, já sabia como chegar rapidamente às páginas dos jornais onde se veiculava informações sobre associações de moradores. As funcionárias da instituição me deram passe livre para mexer nos microfilmes, o que agilizava ainda mais meu trabalho.

Naquele momento, Estrela ficara com a responsabilidade de redigir os textos iniciais a serem enviados ao Peru, para assim mostrarmos a evolução do trabalho demandado. A euforia foi grande quando a professora deu a notícia da chegada da primeira parcela de pagamento, que passaria a ser mensal até o encerramento do projeto.

Nem lembro mais do valor da parcela que recebi naquele momento, mas uma surpresa deixou a todos eufóricos, o pagamento veio em dólar, ao invés da desvalorizada moeda brasileira de então.

Comemoramos com um jantar nababesco no restaurante Lamas, localizado em frente ao instituto a bela surpresa. Daí para frente, ninguém mais reclamou de problemas financeiros, pelo menos no transcorrer do curso.

Muitos anos depois, com a Estrela morando agora numa cobertura duplex em Laranjeiras, depois do casamento com um badalado psicanalista, recebi o convite para participar de um grupo que começaria estudar a história da Filosofia nas noites de segunda-feira em sua casa.

Foram dois anos incríveis de Filosofia na veia, com direito a importação de livros de filosofia portugueses, estes com tradução direta do grego em edições primorosas, um detalhe especial, o grupo saía da casa da Estrela e continuava os papos filosóficos até bem tarde no restaurante Mama Rosa, ali pertinho.

Boas lembranças de uma mestra marcante em minha vida.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 18/10/2024
Código do texto: T8176307
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