A primeira vez que vi Luiz de Miranda
A D O R O Porto Alegre. E Torres e Charqueadas. Naquele dia caminhava pela Borges de Medeiros, subindo-a, vindo do Mercado Público e, ao chegar na Rua da Praia na altura da Esquina Democrática, dobrei à direita e, nela, depois, à esquerda, entrando naquela rua coberta 24 horas cujo nome não recordo de cabeça e que também não vou procurar qual é, eis que isso não importa para a história.
O nome que, sim, faz diferença, é o do poeta gaúcho nascido em Uruguaiana e radicado em Porto Alegre Luiz de Miranda. Isso deve ter acontecido entre 2014 e 2016, pois já o conhecia por ter sido indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Quando já estava na rua coberta, entrei na primeira lancheria que vi, à direita. Pequena, não muito, mas pequena. Envidraçada. A D O R O locais envidraçados, soam a liberdade. Pedi o de sempre: café-preto e pão-de-queijo. Se o Afre estivesse junto, pediria pastel. Aprendi com ele a gostar de café-preto. Saudoso. Grande amigo, irmão. Hoje nome um centro de cidadania, o CEU Jorge Afre, onde algumas atividades do X Sarau Literário de Charqueadas ocorrerão. Poético, né?
Pois sentei e o homem à outra mesa chamou minha atenção. Barba, roupa preta e chapéu de mesma cor. Ora, era ele, o Luiz de Miranda, reconheci no ato. Nunca ficara tão perto de um indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, algo que julgo tão digno de nota que escrevo agora sobre isso e tal passa a fazer parte de minha reles biografia literária. Ele, suponho, percebeu meu olhar, pois levantou rápida e levemente a vista pra cima (estava com a cabeça abaixada sobre a xícara). Buenas, assim, por quase dois segundos, cruzamos o mundo um do outro. Ficou um pouco mais, absorto em sabe-se lá quais reflexões, levantou-se e foi embora, o quase Nobel Miranda.
Mário Quintana, o quase imortal da ABL; Miranda, o quase Nobel. O poeta Carlos Nejar, pai do Carpinejar, é o único gaúcho imortal, há décadas, desde que o igualmente imortal Scliar morreu. Scliar já esteve aqui no Sarau Literário de Charqueadas e já vi Quintana caminhando pela Rua da Praia, já bem velho, amparado por uma jovem senhora. Logo, já vi os dois grandes poetas por Porto Alegre e já troquei olhar com um deles. Vi Luiz de Miranda outras vezes, na Feira do Livro e no Café do MARGS. Como a memória é falha e infiel, não recordo muito dessas. Só é viva a primeira, a da troca de olhares.
Pensava em tudo isso acima escrito enquanto deixava pela cidade livros para ajudar a Biblioteca Municipal Vera Gauss a divulgar o X Sarau Literário de Charqueadas, que ocorrerá de 21 à 26 de outubro. E pensei justamente porque dois dos livros que deixava estrategicamente disponíveis pelas praças e lancherias do Centro de Charqueadas eram de Luiz de Miranda: Rumos do Fim do Mundo e Antologia Definitiva. Apoplético, sob o sol quente das 15 horas da segunda-feira passada, de bicicleta, entregando livros do Miranda para a comunidade.
Luis de Miranda é grande, poeta brasileiro laureado e conceituado nascido num estado que quase não lê poemas e, tampouco, compra livros de poesia. Mesmo assim, optou radicalmente, a certa altura da vida, por viver somente da poesia, arcando, como cantou Caetano, com a dor e a delícia de ser o que era. Escreveu sobre isso em três poemas: "Minha vida/ é um rio sem pontes" (Vastidões da Pampa Inteira, 2013, p. 53), "O açoite da desgraça / não me detém" (idem, p. 57) e "Me sustento / das miudezas / que a vida / deixa como trajeto" (ibidem, p, 61). Faleceu em 2022, aos 77 anos, na Capital, como um ilustríssimo desconhecido do publico que viveu para a poesia e do ofício de ser poeta. Grande!
Ao final da tarde de segunda, fui na Degusty tomar um café com pão-de-queijo com as amadas e vi um jovem pagando a conta, tendo em mãos um exemplar de Rumos do Fim do Mundo que eu deixara por lá horas antes. Miranda vive! Salve Miranda! Valeu, Miranda.
X Sarau Literário de Charqueadas