O alienígena no Planeta Jovem

Estou fazendo um programa de intercâmbio do meu curso de mestrado numa universidade em Portugal. Sou um quase sessentão e no Brasil já sou um dos mais velhos da turma. No entanto, sendo um curso profissional, aqui a maioria das pessoas são de mais de 30 anos. Pensando que seria assim, fui à integração dos alunos na universidade e me senti um verdadeiro alienígena no Planeta Jovem.

Os habitantes locais eram de muitas nacionalidades e aparências. Havia alemães e nórdicos, poucas vezes lembro de ter visto tanta gente com mais do que meus 1,90 de altura. Gigantes e mesmo gigantas, loiras de olhos azuis. Fora os nórdicos, havia portugueses, americanos, italianos, franceses e outros que não identifiquei também têm aparências mais diversas, todas as cores de cabelos. Muita gente tatuada, quase todos bronzeados, as férias europeias estão no fim e a maioria foi às praias antes. As roupas, mais conservadoras do que os brasileiros, quase nada de regatas, roupas cavadas, ninguém com chinelo, apesar do calor de quase 30 graus. E nem mesmo nas áreas de lazer vi alguém sem camisa.

Nesse estranho planeta, eles são mais disciplinados também, fizeram as palestras ao ar livre e pouca gente saiu do espaço delimitado no gramado, com incômodas cadeiras. Não consigo imaginar brasileiros ficando horas sentadinhos no sol ouvindo sem se levantarem a toda hora. Na cantina, nosso alienígena levou quase dez minutos para pagar e ninguém falou nada, ou reclamou, ao contrário mostraram como fizeram para que a fila enfim andasse.

A manhã da integração não a teve para o 👽, nem nas aulas, que confirmaram os indícios da integração, o mais velho depois do alienígena não tinha 28 anos. A explicação é que a maioria dos que se formam aqui com 22/23 anos entram em seguida no mestrado para concluir em 18 ou 24 meses e saírem para o mercado com mais uma formação, a maioria começa a trabalhar mais tarde.

No início das aulas, é impressionante a rapidez dessa gente para descobrir como se conectar com wi-fi, baixar apps para tudo e rapidamente saberem como usar. A dificuldade do alienígena foi evidente ao tentar segui-los. Nas aulas e salas, pouca diferença das melhores faculdades do Brasil, ótimas instalações e professores. No início, a sensação de exclusão foi grande, precisei pedir ajuda para acessar as páginas da intranet com materiais do curso e felizmente consegui entrar num grupo para o trabalho. Meu inglês vai aos poucos desenferrujando-se, vou conhecendo uns poucos colegas, gente bem educada, conversam bem, falar com jovens mais ou menos da idade dos meus filhos é algo legal.

Apesar de toda essa sensação de diferença, não foram experiências ruins. Das poucas vantagens da passagem do tempo é que aprendi a não achar mal ficar sozinho só observando as coisas às vezes, não preciso estar falando com alguém o tempo todo para estar bem. A vida conectado faz a gente esquecer de que olhar em silêncio o dia passar e a vida correr pode ser um grande prazer, se você quiser. E se você pensar bem, não há porque você se obrigar a ter a mesma velocidade dos outros para fazer as coisas, o ritmo da sua vida é você quem controla.

Agora, deixei de ser o alienígena e passei a ser só o tiozão do local. Já dou meus pitacos nas aulas, participo das atividades, o ambiente antes de distanciamento vai se tornando familiar, as conversas que ocorrem pela raridade passam a ter maior valor. Sempre há o que aprender convivendo com gente diferente de você, por maiores que sejam as diferenças.

Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 16/10/2024
Código do texto: T8174576
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