Gangorra infinita.

Escrevo.

Escrevo como se cada letrinha pudesse andar

Queria ser a tinta,

queria ser absorvido por esse papel

assim como uma pele absorve a outra

quando o abraço acontece.

Escrever é o meu jeito de dizer o que vejo

Escrever é o meu jeito de ver o que eu digo

Minhas mãos sujam o papel

com a ferrugem da corrente

em sinal de mortalidade.

Uma menininha

de laço azul no cabelo e bochechas grandes

diz "Vovó, venha cá"

Me fita e circunda em micro-passinhos minha cadeira.

Eu imediatamente escrevo sobre isso:

"Uma menininha

de laço azul no cabelo e bochechas grandes

diz Vovó, venha cá"

Seu andar em quase queda, tropeçador, é na verdade a coisa que a mantém em pé

Como se sua vida

obedecesse uma gravidade própria

Uma gangorra infinita

A mesma lógica da garrafa que sobe e que cai.

Converso, a mulher mais velha me diz que tem ansiedade. Não sei porque ela me diz essas coisas,

acho que queria alguém para escutá-la.

Me diz que Jesus salva

que quando o inimigo aparece,

é só ler o salmo 91.

Passo por baixo da corrente,

minhas mãos aderem um pouco da ferrugem

Sinto que posso morrer em breve

"Da máquina a vapor

até as pirâmides,

tudo tem seu tempo"

Minha alma esteve fora do corpo hoje

Uma criança brinca

de jogar uma garrafa pro alto

e fazê-la cair em pé.

Aquilo me hipnotiza.

Cada vez que tenta,

sinto que eu é quem estou voando

E repousando

Voando

e repousando

Assim como a menina de laço azul

Em seu andar de gangorra infinita.

Eu tenho pra mim

Que todas as crianças são do futuro

E se esquecem disso

Logo antes de nascer

Ficam cada vez mais costuradas ao presente

A medida em que envelhecem.