O dia que fui morto... e ressuscitei

O dia em que fui morto, eu me lembro bem. Acordei com a estranha sensação de estar vivendo meus últimos momentos. Minha garganta parecia fechada, a comida não descia direito e até o ar tinha dificuldade para passar. E quando tudo começou, tive a certeza que seria o fim.

O telefone toca secamente e do meu quarto eu posso ouvi-lo. Escuto uma voz seca do outro lado da linha, “preciso falar com você”; tremo de medo ao ouvir a voz de minha matadora. Nesse momento ela preparava suas armas.

Mal conseguia ficar de pé, minhas mãos tremiam, não sentia o chão. Até parecia que eu já tinha sido atingindo. Não recuei. Fui ao encontro da assassinas com um alvo tatuado em meu coração.

A carrasca estava sentada em um banco e parecia nervosa. Era seu primeiro crime, ela não era, pelo menos ainda, provida da frieza necessária a toda assassina. Fitou-me dos pés à cabeça. Procurava um lugar para ferir que fizesse o porco sofrer menos na hora do abate, contudo, não havia onde atirar, o animal –eu- sangraria até morrer. Não seria rápido, tão pouco indolor.

Sem mais motivos para esperar, ela puxou logo o gatilho “nossa relação não está mais dando certo”, a bala rasgou minha pele e se alojou em algum canto do meu corpo. O sangue jorrava do ferimento e a bala queimando minha pele me fazia sofrer ainda mais. Ela parecia assustada com o que tinha feito, mas não parou, continuou disparando “não é sua culpa, sou eu”, o som desse disparo ainda ecoa em minha cabeça. “Nós pertencemos a dois mundos diferentes”, esse fez minha vista ficar turva. Cai o chão clamando por misericórdia. A cena era lamentável e nem mesmo ela pode agüentar. Deixou o porco grunhindo solitário.

Alguns dias depois os sangramentos foram estancados, mas cada feriada doía de forma insuportável a cada movimento. Eu era mantido vivo por aparelhos e medicamentos. As lembranças levavam ar para meus pulmões, o amor era a minha anestesia e a esperança mantinha meu coração funcionando.

No hospital eu ainda queria ver minha assassina. Queria a ver implorando por perdão, dizendo que ela mesma curaria minhas feridas... NÃO! Fui tolo em acreditar em algo assim. A culpa, é claro, foi de uma dose extra da medicação que me deram. Foi amor demais, e muito amor pode causar problemas. Apenas uma pequena dose extra dessa substancia e já tinha alucinações. Eu a via implorando por perdão em cada canto que olhava, em cada frase pronunciada, em cada olhar desviado.

Mas não. Quando a vi de verdade ela não tinha rosas em suas mãos, sim uma arma. Dessa vez ela vinha para matar, “logo você vai se mudar”. Ela atirou na criatura que tentava se defender. “Você é mais velho que eu” estava cravado na segunda bala. Foram efetuados tantos os disparos que é impossível eu lembrar de todos.

No final, contudo, o porco ainda agonizava. A carrasca não sabia se compadecia-se com a cena ou se tinha nojo da criatura. Temendo que o animal continuasse vivo ela disparou direto num ponto frágil. Mirou sem dar margem de erros em meu orgulho e disparou: “eu acho que nunca te amei”. Naquele momento só ouvi o som do disparo. Todo o chão se foi, tudo mais se foi.

A assassina terminara o que tinha começado. Não sei se no final ela se feriu de alguma forma.

Depois do som daquele ultimo tiro tudo que ouvia era o som dos insetos comendo minha carne. Se eu tentasse me mexer as feridas latejavam. Durante muito tempo fiquei estirado na minha cova com medo de alguma ferida se abrir. Apenas me recordando dos tempos que eu andava de mãos dadas à minha matadora.

Contudo eu não poderia servir de adubo para sempre. Com dificuldade sai da minha cova, cada ferimento latejando sempre que decidia ficar em pé. Uma vez, sem perceber, a carrasca deixou cair sal nas minhas feridas, “vai ser feliz e me esquece”, doeu, mas a ferida já estava quase curada, logo passou.

Agora meus ferimentos se curam rápido. Eu quase que posso vê-los se fecharem. Acredito esses sejam os resultados da nova medicação. A dor quase não existe mais, apenas as cicatrizes. Olho para elas pensando se elas eram necessárias. Penso, no entanto, quanto tempo a medicação vai me curar. Temo pelo dia em que chegarão os efeitos colaterais.

Baseado na curiosa frase: "Do you believe in life after love?" (Você acredia em vida depois do amor?)