Entre Sem Bater - Ao Mestre, com carinho
Confúcio disse:
"... Pode-se induzir um povo a seguir uma causa, mas não a compreendê-la ..."(1)
Muitas frases e pensamentos atribuídos a Confúcio podem não ser de autoria dele. A dificuldade de tradução de ideogramas em diversos idiomas, agrava a possibilidade de erros e interpretações diferentes. Por exemplo, a frase "... uma caminhada de mil passos começa no primeiro passo..." não é de Confúcio, mas de outro chinês. "Ao mestre com carinho"(*) é o título de uma canção simples e inocente. É provável que não consiga transmitir a importância desta difícil profissão.
AO MESTRE
Existem muitos pensamentos e frases amáveis para o "Dia do Professor", ou o dia do mestre. A data, no Brasil, é 15 de outubro, emendando com o "Dia das Crianças", o feriado de Aparecida e o Círio de Nazaré. Desse modo, institucionalizou-se no país a "semana do saco cheio" onde transformaram a data num verdadeiro vale-tudo comportamental. Esta é, sem dúvida, a maneira mais clara de mostrar que o verdadeiro mestre há muito caiu no esquecimento.
É possível, assim como muitos outros temas, fazer um texto - pequeno ou grande - um poema, uma música ou um livro só com frases ufanistas. Como se não bastasse, reitero que estas datas são para exibir falsas declarações de respeito a quem não respeitamos. Assim sendo, vamos a mais um pouquinho de opinião em temas que são, hipocritamente, pacíficos.
DICIONÁRIO
Existem, de fato, algumas polêmicas acerca da origem e das classificações de um mestre. A mais interessante é de que é um substantivo masculino, cuja versão para o gênero feminino seria mestra. Se, analogamente, utilizamos presidente e presidenta, lá vem os áulicos fazerem das suas, renegando seus mestres da vida.
Desse modo, fico com a opção de que é um substantivo de dois gêneros e com duas acepções aplicáveis e inteligentes.
1. Pessoa que ensina. Docente, professor(a).
2. Indivíduo que exerce um ofício por sua conta, que trabalha sem indicações técnicas de outrem ou que têm aprendizes.
Origem etimológica: latim magister, -tri, o que comanda ou dirige, chefe, professor.
Fonte: Dicionário Priberam
A Unesco declarou, tardiamente em 1994, o dia 5 de maio como o "Dia Mundial dos Docentes", ou mestres como deveríamos chamar. A história de como evoluíram os processos de ensinar e educar vem de longe. Anteriormente, no ano passado, usei uma frase da professora Cíntia Chagas para homenagear as professoras(2). Certamente, o propósito que eu queria destacar teve resultados parciais e outras respostas surpreendentes. A professora, uma antifeminista e disseminadora de propósitos da extrema-direita, está em litígio com seu ex-marido. Ela acusa o ex de abusos e até agressões, o que demonstra que ser mestre e querer ensinar nem sempre alinha-se com reciprocidade.
Podemos dizer que, atualmente, a história do professor, aquele mestre da história da humanidade, se transformou, e não é para melhor.
A EVOLUÇÃO DO MESTRE NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Em primeiro lugar, é impossível dizer, na história da humanidade, quando surgiu a ideia de um mestre e um discípulo. Por isso, uma das frases sobre o tema, que é uma verdade absoluta, é que não se sabe onde o ensinamento termina. Este pensamento comprova-se na utilização de frases e pensamentos dos filósofos da antiguidade e de Confúcio, neste texto.
Por outro lado, existem algumas indagações que ficarão eternamente no desejo das pessoas em saber.
Por exemplo, uma pergunta que as pessoas não fazem mas é intrigante;
Quando se deu a transição da educação de um privilégio de poucos para uma função pública? Uma situação que os políticos da atualidade, notadamente no Brasil, fazem em época de eleições(3). Se bem que são muitos os que estão à serviço da educação particular, de privilégios, mas vivem dos votos da educação pública.
Adicionalmente, uma indagação curiosa é sobre a função de mestre para o gênero feminino. Quando isso ocorreu? Quais países e em quais condições as professoras são maioria?
A transição educacional de um privilégio para uma função pública e acessível a todos é, sem dúvida, um marco na história da educação. Inquestionavelmente, é um processo complexo e gradual, que se desenrolou de forma diferente em diversas culturas e sociedades. E, muito dificilmente, até ferramentas de inteligência artificial (IA) conseguirão desvendar esta história de muitos milênios.
DA ANTIGUIDADE AO SÉCULO XXI
Antiguidade: Nas civilizações antigas, como a Grécia e Roma, o acesso à educação formal era restrito a elites e o mestre era homem. Filósofos e sofistas atuavam como mestres, mas seus ensinamentos eram somente para um público seleto.
Idade Média: A Igreja Católica desempenhou um papel central na educação, estabelecendo escolas monásticas e catedrais. No entanto, o ensino era predominantemente religioso e direcionado ao clero e à nobreza. A educação só chegava às mulheres pelas congregações religiosas de freiras e madres.
Renascimento: Com o Renascimento, houve um renascimento do interesse pelo conhecimento secular e pela educação humanista. A invenção da imprensa contribuiu para a disseminação do conhecimento e o surgimento de universidades mais acessíveis. Ainda assim, as mulheres exerciam papel secundário ou acessório e sempre para discípulos com privilégios.
Iluminismo: Os ideais iluministas de igualdade e liberdade impulsionaram a demanda por educação para todos. A Revolução Francesa, por exemplo, estabeleceu a educação como um direito fundamental do cidadão. Os pensadores e filósofos, em sua maioria absoluta e quase completa, eram homens.
Séculos XIX e XX: A industrialização e a urbanização aceleraram o processo de universalização da educação. A criação de escolas públicas e a legislação compulsória sobre a frequência escolar foram marcos importantes nesse período. Neste período, algumas sociedades destinam a função de mestre na educação básica como atividade das mulheres.
AS PROFESSORAS MULHERES
O quadro das mulheres, na função de mestre, no Século XXI, não parece muito animador. Em muitas partes do mundo, as mulheres predominam como professoras, sobretudo em certos níveis educacionais. Algumas culturas e regiões onde as professoras são maioria, têm motivações completamente diferentes.
Países nórdicos (como Suécia, Noruega e Finlândia): As mulheres representam a maioria no ensino, tanto no nível primário quanto no secundário.
Estados Unidos : No ensino fundamental e médio, as mulheres são a maioria esmagadora dentre os mestres. Aproximadamente 76% do total de professores do ensino básico nos EUA são mulheres.
Brasil : No Brasil, as mulheres são maioria no ensino básico, fundamental, médio e até no ensino superior. Nos últimos anos, cerca de 80% dos professores do ensino básico são mulheres. Desse modo, o povo recebe, por indução, a ideia de que a mulher é mais capaz de fazer todos compreenderem cada causa. #SQN !
França e Espanha : Assim como em outros países europeus, as mulheres são majoritárias no ensino primário e secundário.
África Subsaariana : Em várias partes da África, especialmente nas regiões urbanas, o número de professoras aumentou significativamente. Contudo, a educação formal ainda é privilégio de castas e a educação é precária em todos os sentidos e na maioria das nações.
ATRASO DA SOCIEDADE
Algumas razões para que a sociedade ocidental tenha uma maioria de mulheres no magistério:
Educação Primária : Historicamente, as mulheres associavam-se ao cuidado das crianças, e isso influenciou sua presença no ensino primário.
Salários : Em muitos países, o ensino, especialmente em níveis inferiores, tem remuneração inferior. Isso fez com que a profissão tivesse predominância de mulheres em contextos onde elas tinham menos oportunidades.
Movimentos Feministas : A luta pelos direitos das mulheres, especialmente no século XX, ampliou as oportunidades educacionais e profissionais para as mulheres. Desse modo, especialmente em países como o Brasil, a carreira docente para as mulheres prosperou.
Em síntese, o papel das professoras evoluiu, muito lentamente, ao longo da história e na maioria das culturas e sociedades. À medida que as mulheres dominam a arte de ser uma mestre, especialmente no ensino primário e secundário, criam-se utopias e ilusões.
Podemos dizer que a civilização está com ao menos uns dois mil anos de atraso em relação ao que um mestre deveria fazer. E, surpreendentemente, vemos mestres e mestras insistindo em questões irracionais como preconceito, segregação, negacionismo.
Não é possível, enfim, apontar um momento exato em que o mestre deixou de ser um privilégio para se tornar uma função pública. Com toda a certeza, esse processo foi gradual e influenciado por diversos fatores. Outrossim, é desnecessário dizer que a frase do mestre Confúcio aplica-se nos dias atuais como uma luva. Sobretudo no caso da "mestra" Cíntia Chagas, uma antifeminista que obteve o direito de estudar e educar, mas o faz de maneira antagônica.
MUTATIS MUTANDIS
Como tudo muda, e nestes tempos modernos, muda a cada cinco segundos ou no tempo de um clique no mouse, devemos estar atentos. Alguns fatores fazem com que a frase de Confúcio seja atual.
Por exemplo, podemos nos referenciar em três pontos que nos influenciam e não compreendemos:
Mudanças sociais e políticas: Revoluções, movimentos sociais e o desenvolvimento do Estado-nação impulsionaram a demanda por educação para todos. Entretanto, o individualismo e egocentrismo provoca cisões e divergências.
Avanços tecnológicos: A invenção da imprensa, o desenvolvimento de materiais didáticos e a utilização de novas tecnologias na facilitam o acesso ao conhecimento. Contudo, conhecimento sem controle e um mestre não é sinal de educação ou sabedoria. É, em outras palavras< comente acesso à muita informação sem saber o que fazer com ela.
Mudanças econômicas: A industrialização, a neoindustrialização e sistemas informacionais, exigem pessoas com mais qualificação. Desse modo, a expansão da educação formal e pública é natural, mas o desequilíbrio e privilégios criaram um abismo até entre conacionais.
Enfim, Confúcio deveria dedicar suas frases que começam com "O mestre disse:" a mestres de todos os gêneros, mesmo gente como Cíntia Chagas. A nossa sociedade é hipócrita por desejar um feliz "dia do professor" e, ao mesmo tempo, nem se lembrar de seus professores antigos. Mutatis Mutandis é uma expressão que um professor que tive dizia dez vezes em cada aula. Particularmente, eu não gostava de ouvir aquilo de um mestre, entretanto, pratico aqui para tentar que outros compreendam.
"Amanhã tem mais ..."
P. S.
(*) . "Ao mestre com carinho" é o título de uma composição de Mark London, Don Black, Biafra e Costa Netto, de 2002. Eliana foi a intérprete original e, certamente, a versão com maior divulgação.
(1) "Entre Sem Bater - Confúcio - Ao Mestre com Carinho" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/15/entre-sem-bater-confucio-ao-mestre-com-carinho/
(2) "Entre Sem Bater - Cíntia Chagas - As Professoras" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/10/15/entre-sem-bater-cintia-chagas-as-professoras/
(3) "Entre sem Bater - Lawrence Lessig - Eleições e Democracia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/01/entre-sem-bater-lawrence-lessig-eleicoes-e-democracia/