Paulinho
Era uma sexta-feira comum, igual essas que chegam sem alarme e partem deixando rastros terríveis. Um homem de 75 anos saiu de casa como sempre, pela porta da frente, carregando na mão uma gaiola vazia e na mente uma ideia fixa. Enquanto caminhava por ruas asfaltadas, sem pressa, segurando sua pequena gaiola de passarinho vazia, seus olhos fitaram o céu, um céu matinal e alegre, a contrastar com a tristeza resignada do homem de 75 anos e os olhos infantis de Paulinho, um garotinho de apenas 7 aninhos, que nunca foi de se aproximar de estranhos, mas a imagem do velho e a gaiola vazia mexeram com Paulinho, que estacionou sua bicicleta por um segundo, no meio-fio mesmo, e, sem pensar muito, perguntou:
— O senhor está esperando o passarinho voltar?
O velho falou, como quem se acostumou a perguntas aparentemente sem sentido:
— Ela nunca volta, Paulinho. Faz anos, mas eu ainda gosto de lembrar de quando ela cantava pra mim.
Paulinho ficou sem entender. Não sabia da existência de passarinho fêmea. A resposta do velho o decepcionou bastante; atingiu em cheio um dos saberes de Paulinho. Ali, naquele momento epifânico, pôde perceber, ainda que subliminarmente, que, às vezes, as coisas mais pequenas guardam os maiores segredos.
Paulinho, então, percebeu que não era o passarinho que o senhor esperava de volta: era o tempo, era a vida que ele tinha antes de tudo mudar. Paulinho então se distanciou do estranho, retornou ao convívio com sua bicicleta, agora meio adulto, meio passarinho, longe das gaiolas vazias¹.
¹ Nota : Este último ponto é baseado em otimismo exagerado e não deve ser levado ao pé da letra .