Preciso escrever isso hoje, pois senão não sou eu

Saí pelas ruas, em busca de alguém que conhecesse o tal senhor chamado Justiça. Senti que, ao encontrá-lo, poderia talvez desvendar os mistérios do mundo, ou ao menos entender o porquê de tanta coisa desalinhada.

Abordei um homem à beira da calçada:

— O senhor conhece alguém chamado Justiça?

Ele me olhou com desdém e balançou a cabeça.

— Justiça? Nunca ouvi falar desse aí.

Segui meu caminho, desenhando mentalmente quem seria esse tal Justiça. Um sujeito altivo, vestido sempre de preto, mas de um preto que reluz, como se quisesse se destacar em meio ao caos. Seus sapatos brilhariam, suas palavras ecoariam com autoridade. Tudo nele seria superior: suas roupas, seus gestos, até o seu julgamento. Ele sempre se colocaria acima dos outros, julgando-se mais justo, mais equilibrado, mais nobre. Só que havia algo que as pessoas sussurravam pelas esquinas: sua fala não correspondia à sua prática. O que dizia não era o que fazia. Prometia igualdade, mas suas balanças sempre pendiam de um lado, seus pesos e medidas nunca eram os mesmos para todos.

Continuei descrevendo-o a quem passava:

— Ele é um homem que parece grande, cheio de palavras bonitas sobre o que é certo e errado. Mas na prática, seus julgamentos são parciais. Tudo nele custa mais, é mais caro, mais difícil de alcançar.

Até que, finalmente, alguém riu de lado e respondeu:

— Ah, já sei de quem você está falando. Esse senhor de feições rígidas, que diz muito, mas faz pouco. Ele se acha melhor que todo mundo, adultera suas balanças, sempre favorecendo alguns. Por aqui, já deixamos de chamá-lo de Justiça. Aqui, ele se apresenta como a dura Realidade.

E então, compreendi: Justiça, aquele que se veste de grandeza e retidão, não passava de um reflexo distorcido, uma ideia que nunca se concretizava em ação. Por isso, preciso escrever isso hoje, porque se deixar para amanhã, talvez não seja mais eu... e talvez, nunca tenha sido ele.