Entre Sem Bater - Os Libertos e a Verdade

João 8:31-32 disse:

"... e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará ..."(1)

Em primeiro lugar, nunca defendi e sou refratário ao ditado que diz "... política, futebol e religião não se discute ...". Mesmo as variações deste pensamento são absurdas e até mesmo algumas misturas de temas, certamente, são possíveis. Entretanto, na trilha "Entre Sem Bater" os temas política e religião estão sempre presentes. Deste modo, é natural dizer que os livros sagrados, e não somente a Bíblia, são uma fonte inesgotável de pauta para crônicas. Por outro lado, o que podemos comprovar é uma total incapacidade cognitiva das pessoas em adequar verdades e mentiras. Temos, por exemplo, a ideia de que a verdade é a causa única dos libertos. Com toda a certeza, cada vez que uma passagem destes livros vem à baila, aumenta-se a estultice coletiva.

OS LIBERTOS

A Bíblia, notadamente, é a maior fonte de mentiras que a maioria dos cristãos traduzem como verdade para as redes sociais. Desse modo, os neófitos julgam-se libertos e demonstram sua arrogância contra qualquer um que questionar algo. Em outras palavras, aparece qualquer ignorante, repetindo um salmo, provérbio ou alguma frase, e temos um escravo da ignorância. E, como se não bastasse, se questionamos a origem das falácias, os libertos sugerem que temos que provar.

Enfim, o estado de calamidade informacional que chegamos supera qualquer sandice, desde Esaú e Jacó. Embora este texto seja o primeiro a fazer referência aos livros sagrados(*), a leitura de outros correlatos ajuda na compreensão do contexto.

FANÁTICO RELIGIOSO

A maioria dos livros sagrados, especialmente os que originaram o cristianismo e o judaísmo, trazem que, no início dos tempos, Esaú e Jacó, irmãos ...

Desse modo, especialmente os cristãos e suas diversas correntes da atualidade. É provável que eu seja um descendente de Esaú e Jacó, do ramo de judeus sefarditas que viveram na Península Ibérica fugindo das guerras religiosas.

Este texto diz muito sobre os que pensam que são libertos, mas escravizaram-se nas redes sociais e no compartilhamento de mentiras. Adicionalmente, Carl Sagan definiu o fanático religioso(2), que nunca se enquadrará na categoria de libertos como eles imaginam. Embora muitos deles não manifestem religiosidade , seu fanatismo apresenta-se como nos mais radicais xiitas religiosos.

ESCRAVOS OU LIBERTOS?

A temática surgiu numa conversa particular na ferramenta Whatsapp. Um interlocutor compartilha algo que recebeu e que, há mais de sete anos, circula nas redes sociais e é, sem dúvida, mentiras e meias-verdades. Assim sendo, como sempre faço, questiono sobre a veracidade do conteúdo. E, com toda a certeza, a reação que espero é típica de um escravo da desinformação e da mentira. Invariavelmente, a primeira reação deste tipo de interlocutor é "argumentar" que eu devo provar que aquilo é mentira.

Noutro espaço, um grupo, um dos  interlocutores disse: "... a verdade é que um dia a mentira cai por terra ..."

No primeiro exemplo, é algo como se a partir de uma prova, ele fosse mudar de opinião. Raramente mudam, mas em alguns casos conseguimos salvar algumas almas sem rumo. No segundo, é uma ideia perigosa pois é provável que o interlocutor acredite em desígnios e providências divinas. Em suma, as redes sociais fazem crer que um dia, todos serão libertos algum dia, desde que acreditem.

Surpreendentemente, em alguns poucos casos, o interlocutor resolve pesquisar alguma coisa sobre a mentira que compartilhou. Talvez seja um cristão católico que leu João 8:31-32, e esqueceram do "33" : "... Como podes tu afirmar que seremos libertos?".

LIBERDADE? NEM TARDIA ...

É provável que a era da desinformação alcançou seu ápice com o advento das redes sociais. Estes espaços virtuais são o paraíso das mentiras e meias-verdades, que se propagam, inquestionavelmente, sem controle. O comportamento de compartilhar, a maioria das vezes de forma impulsiva e sem reflexão, tem um poder devastador. A combinação de desinformação e a distorção de textos sagrados que servem a interesses ocultos, chega a ser criminosa. Assim sendo, cria-se uma nuvem de autonomia coletiva que sufoca o discernimento e a busca pela verdade.

JOÃO 8:31-32

O versículo bíblico de João 8:31-32, que afirma “E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. Seria uma promessa, uma falácia, um engodo ou apenas um lembrete sobre a liberdade e escravidão? Atualmente, essa liberdade parece cada vez mais distante, à medida que o poder da desinformação escraviza as mentes e os corações.

As redes sociais, e o ideal da democratização da informação, tornaram-se o palco principal para a disseminação de inverdades dos falsos libertos. Cada vez mais, vemos pessoas se tornarem prisioneiras de narrativas falsas e desconexas da verdade factual ou crível. E como se não bastasse, muitos desses "libertos" não apenas consomem essas falsidades, mas compartilham, conscientes ou não. Essa propagação incessante de mentiras cria uma atmosfera sufocante de ignorância coletiva, e reforça as bolhas de confirmação e opinião. Uma armadilha da qual poucos conseguem escapar e, inesperadamente, muitos não querem se afastar.

O comando para “compartilhar”, sem reflexão, que se apresenta ao fim de tantas mensagens e postagens virais é a chave do inferno. É a tradução simples de como as pessoas são manipuláveis para agir como escravos mentais. A simples ação de clicar em “compartilhar” ou “curtir” se tornou um gesto quase automático. Ou seja, sem qualquer verificação, responsabilidade ou questionamento sobre a veracidade daquilo que se está propagando, basta um clique. Isso cria um círculo vicioso em que as mentiras ganham ares de verdade, simplesmente porque se repetem exaustivamente. Um filósofo crítico da sociedade e mentor do mal disse que "... a mentira vira verdade, basta repetir mil vezes... ".

SERMÃO DA MONTANHA

A manipulação de trechos sagrados adiciona outra camada de complexidade a esse problema. Textos bíblicos, como João 8:31-32, fora de contexto ou numa opinião que "justificam" falsidades, têm um poder devastador. A verdade que deveria libertar, como no versículo, subverte-se para criar um cativeiro mental, e não existem libertos neste contexto. O que deveria servir como um guia espiritual e moral, acaba se tornando uma ferramenta para a perpetuação da ignorância e do caos.

Essa era de desinformação também é um reflexo da fragilidade humana diante da verdade. A verdade, em sua essência, muitas vezes é difícil de aceitar; ela exige reflexão, autocrítica e uma disposição para algo fora da zona de conforto. Em contrapartida, a mentira oferece uma solução fácil, simples e que ajusta-se a preconceitos preexistentes. Por isso, tantas pessoas querem abraçar a mentira: ela é reconfortante, enquanto a verdade é exigente.

Ao contrário do que o versículo de João promete, muitos tornam-se reféns dessas mentiras, de fake news e boatos. Em vez de buscar o conhecimento e a verdade, que deveriam ser o objetivo dos libertos, muitos se baseiam nas falsas narrativas. É como se, ao invés de se libertarem,  se enredam cada vez mais em uma teia de enganos e falsidades.

O impacto disso vai muito além das questões individuais; tem repercussões sociais e políticas. A desinformação corrompe o tecido social, criando divisões, desconfiança e, em muitos casos, violência. Ao invés de sociedades com foco no compromisso com a verdade, vemos grupos cada vez mais divergentes, que se isolam em bolhas. Essa fragmentação social é outro sinal de escravidão mental em que muitos se encontram.

Não são mais libertos (nunca foram !), mas escravos de suas próprias crenças, dogmas, mitos e mentiras. O sermão da montanha(3) agora está entrando na sua casa e na sua mente.

ESCRAVIDÃO MODERNA

Portanto, o desafio para os tempos atuais é resistir à tentativa da desinformação e buscar, com diligência, a verdade. O versículo de João 8:31-32 não está obsoleto; sua promessa ainda é válida, mas exige uma ação consciente. Para que a verdade seja livre, é necessário um compromisso com a integridade, o questionamento e a busca genuína pelo que é verdadeiro. Escapar da escravidão moderna que a desinformação impõe é uma utopia que parece não chegará neste milênio.

Enfim, sou fã, incondicional de um versículo que os cristãos propagam, contudo não praticam:

Mateus 7:5

"... Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão ..."

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) A temática religião e política é muito presente nos textos de "Entre Sem Bater". Contudo, a maioria dos termos apresenta-se em textos diversos, a maioria tratando mais de filosofia e sugerindo reflexões. Verdade(4), Mentira(5), Religião e Política(6) são, por exemplo, textos que se integram no objetivo de informar, antes de concluir apressadamente.

(1) "Entre Sem Bater - Livros Sagrados - Os Libertos e a Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/11/entre-sem-bater-livros-sagrados-os-libertos-e-a-verdade/

(2) "Entre Sem Bater - Carl Sagan -  Fanático Religioso"

(3) "Sermão da Montanha no Terceiro Milênio"

(4) "Entre Sem Bater - Bertolt Brecht - A Verdade"

(5) "Entre Sem Bater - Francis Bacon - A Mentira"

(6) "Religião e Política - Uma Mistura Perigosa"