Aposentadoria

A memória é a melhor parte da loucura.

Sempre tive a convicção de que o trabalho é a melhor terapia para um indivíduo de sã consciência. Aqueles que fazem o que gostam são privilegiados, enquanto os infelizes desconhecem o que estão fazendo. Creio que iniciei minha carreira profissional aos 12 anos. Naquele época, esse era um fenômeno bastante frequente. Recordo-me de estar com meu pai nas construções que ele realizava. Uma das atividades que eu mais gostava era o corte das toras de peroba-rosa utilizando o serrote traçador ou gurpião. Não tenho certeza se isso continua existindo. Para aqueles que desconhecem, é um instrumento para duas pessoas. Cada sujeito ocupa uma extremidade da lâmina denticulada com dois cabos de madeira: um puxa e o outro conduz. Os movimentos são sincronizados e requerem muita sintonia, não é possível ficar disperso durante o trabalho. Apesar da minha idade, era eu quem conduzia, até porque não tinha força suficiente para puxar a ferramenta para baixo que é quando ela mais corta.

Quando iniciei minha carreira nos Ministérios, eu era um jovem sonhador. A maioria das pessoas que lá encontrei já eram bastante idosas, só discutiam sobre aposentadoria. Eu ficava observando aquilo sem compreender completamente o que eles diziam. Cheguei a refletir como seria o meu futuro, acreditando que nunca alcançaria a minha aposentadoria. Contudo, o tempo é como uma engrenagem dentada que não permite férias ou descanso.

Ao atingir os meus anos de contribuição, decidi não parar, pois acreditava que poderia prosseguir por mais um período. Não me via aposentado. Os planos dos meus colegas eram fantásticos: realizar viagens, pescar ou comprar uma casa à beira-mar. Simplesmente ouvia aqueles sonhos. Eu não entendia, mas quando chegou a minha hora, após 44 anos de Serviço Público, eu não havia plantado nada, portanto, não havia colheitas a realizar.

Quando consultei o Diário Oficial da União pela última vez, a minha aposentadoria estava lá registrada. Assumo que não acreditei ou não quis crer que era uma realidade estabelecida. Finalizei o dia, como sempre fazia, fechando as gavetas, deixando tudo para trás. Despedindo-me do pessoal e de mim mesmo como funcionário público.

No dia seguinte, ao despertar, tomei um banho, tirei a roupa de dormir e me vesti como nunca havia feito antes. Minha mulher olhou para mim e questionou: para onde você planeja ir? Não consegui pronunciar uma palavra sequer. Não estava preparado para a aposentadoria. Minha ficha só caiu um mês depois quando tive que voltar ao Ministério.

Na portaria.

__ O senhor já esteve aqui?

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 11/10/2024
Reeditado em 11/10/2024
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