Sônia & Adair
Esses dias fui a um brechó de bairro na casa de uma moça a qual eu julgava de boas posses. Ela sempre se vestiu bem, vai em shows que não são baratos, bares badalados da minha cidade e viagens internacionais (umas das melhores histórias dela é que ela levou um esporro do Mickey na Flórida, hilário). A casa, localizada em um lugar modesto do bairro, por fora parecia bem simples, mas não refletia o que por dentro realmente era. Pobre. A sala é pequena e o único cômodo com uma decoração mais moderna, acho que por causa da televisão. O banheiro (que só passei em frente) com a porta ruída pela umidade e tempo, é simples e velho. A casa toda é velha. A cozinha com seu fogão de seis bocas e uma geladeira alta é a parte mais portentosa, mas os azulejos da era Vargas e o mau cuidado com os utensílios a empobrecem. O quarto foi o que mais me apavorou. Paredes sujas, mobília antiga, bugigangas e quinquilharias espalhadas entre uma cama velha. Fiquei realmente surpresa.
Pode parecer inocência minha, mas realmente achei que a casa fosse parecida com a... minha? Não me levem a mal pois eu mal ganho dois salários mínimos e sabe lá Deus quando um dia vou terminar de pagar meu apartamento. Mas fiquei em choque. Saindo do brechó - onde comprei três peças por 45 reais - fui refletindo o quanto as pessoas aparentam ter, o que realmente são. Naquele dia orei a Deus e agradeci por tudo que fez e faz por mim.
Na segunda-feira recebo a notícia que Sônia, vizinha de rua, amiga do meu pai, falecera de avc. Sônia era mãe de três meninos, divorciada, sempre alegre e contente. Uma coisa que eu sempre achava engraçado era que ela tinha a certeza que todos a cortejavam. Ao sair na rua, um simples "bom dia" de um gari já era motivo de inflar seu ego. "Você, viu? Me paquerando..." Crendice dela. Carência talvez. Não fui ao velório pois estava trabalhando e quando meu pai faleceu Sônia não quis falar comigo, parecia estar com raiva. Ou eu estava com raiva de estar naquela situação. Vai saber. Só sei que 8 anos e 4 dias depois, Sônia se foi.
Hoje recebo a notícia que Seu Adair também foi embora. Era amigo do meu pai e perdera a esposa pro Covid em 2021. Com diagnóstico de leucemia, não resistiu.
É estranho essa fase da vida adulta que você vai entendo a vida melhor e percebe que foi inocente e esperto por muito tempo. Li que umas das frases mais perigosas que existe é: Sempre foi assim.
Estranho pensar que minha geração está perdendo os pais e cuidando deles, alguns não todos, mas poxa, tanto meu pai quanto seus amigos não tinham nem 70 anos.
Ao mesmo tempo, tenho uma amiga que perdeu a mãe aos 49 anos. Com 49 anos minha mãe tinha uma criança de 10 pra cuidar e essa pessoa sou eu. Não consigo digerir.
A vida é uma confusão de perdas e ganhos. De fé e incredulidade. De mostrar aquilo que somos e ser pegos no flagra naquilo que escondemos a sete chaves.
Meu Deus como é difícil viver. Meu Deus como é bom refletir. Agradeço.