O APARO DAS ARESTAS
Sou um escritor autodidata. E com isso digo: estou fora do meio acadêmico. O que aprendi – e aprendo todo dia – vem de outras cátedras. Não faço aqui, contudo, qualquer juízo de valor; ao contrário, reconheço o papel e a importância da academia. Apenas a vida rumou para uma direção incompatível, obrigando-me a abraçar outras oportunidades.
O conselho de Jean Guitton "Cave onde você está" tem me guiado desde a sua descoberta. E o impulso que me levou para a palavra escrita demonstra uma força arrebatadora da qual sou incapaz de resistir. Por isso, dispondo dos meios possíveis a mim, procuro aprofundar e compreender o ofício de uma perspectiva ampla.
Os desafios do escritor autodidata (e dos estudantes, de modo geral) têm mais a ver com uma adequação de expectativas à realidade do que qualquer outro critério técnico. Não sou um dos entusiastas dos seres da inspiração, enquanto entidade mitológica que surja e nos tome como veículo para comunicar sua mensagem. Longe disso. Creio na labuta constante, no suor. O meio para encontrar a melhor expressão é mesmo a reescrita – sem segredos.
Quando falo de adequação de expectativas trato exatamente disso: escrever é um trabalho árduo, e todo trabalho exige de nós uma disposição de aparar as arestas. Não há glamour no enfrentamento com a página em branco, existe apenas eu com as minhas próprias vivências, anseios, medos e angústias. A vaidade fica para depois.
Nos meus vinte e poucos anos, sonhei em ser o grande escritor da geração, aquele cuja originalidade precoce encantaria a todos. No entanto, meus textos eram, na verdade, confessionalismos sentimentais e pretensiosos, sem significado além do meu próprio umbigo. Se não fosse pela complacência e bondade de certos leitores, capazes de enxergar alguma qualidade em meio ao mar de palavras vazias, talvez eu tivesse desistido. Contudo, foram os puxões de orelha e as orientações diretas que realmente me proporcionaram progresso.
Foi preciso ser carregado pelos ombros dos gigantes para enxergar com perspectiva. Estava lá, pequeno e pretensioso, clamando aos quatro ventos: "Ninguém me lê!", sem ao menos, dedicar-me a conhecer o mínimo sobre quem pavimentou o caminho para aquele clamor.
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