Minha primeira viagem a trabalho
A roupa veste o corpo, mas a alma permanece nua.
Quando iniciei minha carreira profissional, a empolgação era algo fascinante. Desejava ser o melhor em tudo, chegava cedo e saía tarde. Nunca tive o hábito de reclamar do meu chefe ou do trabalho. Quando não estava satisfeito com o chefe ou o serviço, buscava outro emprego. Assim prossegui até a minha aposentadoria.
Uma bobagem que sempre me incomodou foi o tal do terno. Nunca desejei usar. Quando usei pela primeira vez foi muito engraçado, eu havia acabado de me formar, fui contratado como auditor. Minha primeira viagem foi para Fortaleza, um calor absurdo, meu chefe, disse que eu deveria ir de terno. Eu não tinha terno. Saí na véspera para comprar a dita indumentária. Ocupou quase metade da mala, um sufoco!
Fui seguindo meu chefe com orgulho. Ele raramente se deslocava para tais verificações. Como a situação parecia séria, ele partiu com a tarefa de solucionar o problema. Eu, a tiracolo. Mais inexperiente que auxiliar de barbeiro. Quando chegamos no hotel, ele me instruiu a comparecer ao restaurante para o café da manhã logo cedo. Afirmou que estava exausto e que iria dormir. Antes de ir para o quarto, fui até a praia para me certificar que a água do mar era mesmo salgada. Nunca tinha isto o mar.
Demorei a acordar, abri a janela para admirar a vastidão azul à minha frente. Aquilo parecia o cão sem plumas de João Cabral de Melo Neto. Permaneci ali por alguns segundos até a chegada dos primeiros raios solares. Banho tomado, barba feita, terno posto. Desci para o café da manhã com a expectativa de impressionar o meu superior. Achei que estava impecável. Como cheguei mais cedo do que o combinado, comecei a me fartar com as delícias disponíveis à mesa.
Quando eu havia terminado o café, suando mais que panela de pressão, eis que surge o meu chefe. Levantei da cadeira no impulso. Ele olhou para mim de cima a baixo e disse: de onde você veio, de que planeta? Pelo amor de Deus!
Não era para menos, eu estava usando um terno xadrez amarelo sob um calor insuportável. Subi, mudei de vestimenta e partimos para o trabalho.
Depois de anos encontrei com esse meu ex-chefe na padaria que fica perto da minha casa. Ele olhou para mim e disse: eu te conheço. Respondi: penso que não! Ele foi e me perguntou: você tem um terno xadrez?
Com as enchentes no Rio Grande do Sul, minha mulher perguntou se eu não tinha umas roupas para doar. De sacanagem eu disse: tenho, o terno xadrez. Ela arregalou os olhos: tá louco? Depois dessa, nunca mais me vi dentro de um terno. Pode ser que eu mude de ideia quando estiver à beira da morte.