Meu primeiro emprego
O que poderia ser útil,
se não for registrado,
dissipa na cabeça do morto.
A escrita é uma arte singular, nos possibilita registrar o que vivemos como se estivéssemos de volta ao passado. Vale ressaltar que, se não documentarmos nossas experiências, é pouco provável que outros o farão.
O meu primeiro emprego com Carteira de Trabalho assinada, ocorreu no setor da construção civil, trabalhava no almoxarifado onde ficava o relógio de ponto. Fiquei radiante, não conseguia conter tamanha felicidade. No entanto, isso durou pouco. Um dia, um dos ajudantes me pediu para registrar o seu ponto. Eu disse que não tinha autorização para fazer tal procedimento. Foi nesse momento que ele me perguntou: você sabe o motivo pelo qual estou aqui? Eu disse que não tinha conhecimento do fato. Ele me trucou: pois fique sabendo, já matei um e tenho capacidade para matar outros tantos.
Costumava voltar para casa usando o ônibus. Naquele dia, resolvi que seguiria a pé. Queria refletir sobre o meu medo. Ao me aproximar de casa, questionei: o que estou fazendo lá? Naquele instante, decidi que desejava retornar à escola, retomar os estudos que havia deixado para trás há tanto tempo.
No dia seguinte, cheguei determinado a solicitar minha demissão. Esperei a manhã inteira pelo engenheiro responsável pela obra. Ele apareceu no refeitório, quando todos estavam almoçando. Questionei-me, e agora? Na semana seguinte já não trabalhava na construtora. Seis meses depois estava matriculado no curso de Ciências Econômicas em uma Universidade aqui de Brasília.
Ao me despedir dos peões, o tal ajudante de pedreiro segurou um dos meus braços e balbuciou no meu ouvido: parabéns doutor, você tomou a decisão correta. Somente mais tarde consegui compreender o que aquele cidadão pretendeu transmitir a mim naquela ocasião.
Devo mencionar que sempre que ele me fustigou para registrar o seu ponto, foi no horário do almoço. Isso sempre foi realizado na presença de todos os trabalhadores, que nunca levantaram dúvidas. Ele estava sempre presente e jamais me pediu para registrar qualquer tarefa em período que não tivesse efetivamente trabalhado.
Lamentavelmente, quando compreendi o significado daquelas palavras, a obra já estava concluída. Não tive mais notícias dele.
É impossível, para mim, não lembrar daquele cidadão ao passar pelo paço do prédio onde trabalhávamos.