A terra do já teve

Nasci numa cidade primorosa que troquei pela capital por necessidade de trabalho. Quando volto à minha terra natal não comento, mas sinto saudades de tudo que ela já teve.

Tenho saudades do campinho de futebol defronte à igreja do meu bairro. Havia partidas de futebol entre equipes de todo o município. Existiam uns dez times que disputavam jogos acirrados, mas não violentos.

O Internacional era um time só de negros. O TEP era formado por jovens que moravam próximo a casa do Seu Paulista (casado com uma tia minha). TEP significava Turma da Esquina do Paulista. O Caxias era o time forte da Lagoa Preta (hoje Bairro Navegantes). O Portuguesa era o time dos gêmeos Izidro Luiz e Luiz Izidro, e o Tupi foi fundado por um rapaz que estudou na Escola Técnica Tupi, de Joinville.

Lembro-me também do Estádio na cidade, no centro, onde se destacava o Barriga Verde. No campinho do Bairro Magalhães eu assistia às partidas na beira ou, às vezes, até dentro do gramado. No Barriga Verde eu subia numa plataforma de concreto na casa da tia Alzira e via de lá o jogo, porque para entrar pelo portão era cobrado ingresso e eu não tinha dinheiro algum. Do Barriga Verde saiu o primeiro jogador catarinense campeão mundial – Mengálvio - colega de Pelé no Santos.

Hoje, na minha terra, se eu quiser assistir a um filme, tenho que alugar de uma locadora. Já tivemos o Cine Roma do seu Epitáfio, Cine Central ao lado da Igreja Matriz e, o mais famoso, o Cine Mussi. No Cine Mussi a gente assistia à sessão das seis da tarde de domingo para namorar. Eu e outros rapazes costumávamos deixar a namorada entrar primeiro e depois sentávamos com elas, só para não pagarmos o ingresso delas.

Tivemos uma heroína que não é do meu tempo. Li nos livros que Anita Garibaldi lutou no Brasil e na Itália. Hoje os únicos heróis que eu considero são meus pais, que depois de criarem oito filhos com muita dificuldade, ainda ostentam e transmitem alegria e bondade.

O carnaval de hoje pode ser considerado melhor, pois a mídia e o turismo ajudam muito. Mesmo assim sinto saudades dos Blocos que viraram Escolas de Samba. A rivalidade entre os Blocos era enorme. O Xavantes e o Brinca Quem Pode não podiam se encontrar; se isso acontecesse o pau fechava. Sinto saudades do Cacareco, da Bandinha Maluca Os Palhaços de Momo e do Rei Momo, o impagável Maneca Fortes.

Hoje não se escuta mais o piuí-piuí da Maria Fumaça. Quando eu era guri e ia até a cidade vizinha, Imbituba, passar as férias na casa dos primos, embarcava no trem e quando o cobrador aparecia, eu corria para o banheiro. Só saía de lá quando não escutava mais o barulho da maquininha que ele usava para picotar o tíquete da passagem.

Ai que saudades do porto onde meu pai trabalhava. Certa vez ele me levou para conhecer um navio por dentro. Ficaram gravadas na minha memória a cozinha e seus aromas, os estreitos e longos corredores e o barulho da casa de máquinas. Se um navio me dava a impressão de ser grande por fora, por dentro ele me pareceu gigantesco.

O progresso acabou com nossos cômoros ou combros. Deixando essa frase jogada a esmo, poucos vão entender. Explico: com a abertura de estradas, construção de casas e prédios, foram sumindo as dunas, dunas de areia branca que se formavam nas praias trazidas pelo vento e chegavam próximas à nossa casa.

Não se faz mais serenata. Eu mesmo nunca fiz, mas minha irmã mais velha ganhou algumas que ficaram na minha lembrança.

Festa Americana é coisa do passado: escolhia-se uma casa que tivesse uma sala grande, instalava-se a radiola e se esperava os convidados. Os rapazes levavam as bebidas e as moças, os salgadinhos. A dança de rosto colado corria solta ao som de Roberto Carlos, Wanderléa e outros da dita Jovem Guarda. Além dos convidados apareciam os bicões, os narizes-de-folha que já eram conhecidos na cidade.

Há coisas que se mantiveram, mas com roupagem nova.

Jornais ainda existem, e a minha cidade foi a primeira a ter jornal no Estado, lá nos idos de 1831, graças a Jerônimo Coelho. Hoje temos duas bandas de axé music. No passado, tivemos o Conjunto Melódico Ravena que se apresentou na TV no Rio de Janeiro, e o conjunto da família Paulino. No passado tínhamos um aeroporto onde hoje é a área mais populosa do município, o Balneário Mar Grosso.

Atualmente, na terra do já teve, ou não tem, ou diminuiu de tamanho. Antes o nome do município era Santo Antônio dos Anjos da Laguna. Hoje, simplesmente Laguna.

Aroldo Arão de Medeiros

01/04/2006

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 07/10/2024
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