Entre Sem Bater - Os Eleitores

Donald Trump disse:

"... eu podia parar no meio da 5a Avenida, disparar contra uma pessoa e não perderia eleitores ..."(1)

O ex-presidente estadunidense, certamente, é um mentiroso, e trata até seus eleitores como verdadeiros perdedores(2). Embora ela tenha este e muitos outros defeitos, muitas pessoas gostam dele; porque ele verbaliza aquilo que estas pessoas pensam. Em suma, se uma pessoa, político ou não, fala mentiras e outras apoiam, é porque estão no mesmo nível de desqualificação. Este texto usa um pensamento que é uma espécie de sincericídio, e é provável que seja um sentimento real. O que impressiona é o fato de que muitos destes pensamentos abomináveis(*) repetem-se em outros políticos igualmente execráveis.

OS ELEITORES

Dizem que um povo torna-se refém daqueles que a maioria dos eleitores escolhe. No caso do Brasil, é muito pior e a frase de Trump é o reflexo da viralatice que se tornou o comportamento dos eleitores brasileiros. Mirando-se num sistema eleitoral completamente diferente, boa parte dos brasileiros usa os Estados Unidos(3) de paradigma para eleições. Como se não bastasse, os eleitores brasileiros apoiam seus representantes lambendo as bolas de políticos estadunidenses. É, sem dúvida, deprimente e constrangedor.

DOIS PENSAMENTOS, UM MUNDO

Duas frases de personalidades da história, em momentos completamente diferentes, continuam atuais e aplicáveis ao Brasil.

“Um voto é como um rifle: sua utilidade depende do caráter de quem usa”. Theodore Roosevelt,  ex-presidente americano.

“Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão servos daqueles que amam”. Platão,  filósofo grego.

Por isso, é possível concluir que os eleitores brasileiros ainda não entenderam de democracia, eleições e temas correlatos. Contudo, cada um destes eleitores tem opinião, mesmo que de segunda mão, sobre tudo e todos. Seja sobre eleições, política externa, epidemias ou qualquer assunto, as redes sociais e o Google formaram verdadeiros analfabetos políticos.

As eleições(4) são a forma mais vil de convencer eleitores que existe democracia somente pelo direito de votar. Spike Lee, um estadunidense, acertou em cheio ao definir sobre democracia e aquele país. Com toda a certeza, se os eleitores em cada nação possuem seus atributos e defeitos, o eleitor brasileiro não se enxerga num espelho.

ESPETÁCULO

Atualmente, a política se tornou um espetáculo midiático, com performances e aparências tomando o lugar das discussões substanciais. As redes sociais são, inquestionavelmente, o principal palco onde líderes e candidatos disputam a atenção do público. O Twitter (me recuso a nominá-lo X) está fora do ar e não faz. certamente, nenhuma falta para as eleições brasileiras.

Em suma, a superficialidade e a estultice prevalecem sobre qualquer conteúdo racional. A frase de Trump (“Eu podia ... disparar .. e não perderia eleitores.”) é práxis de muitos no Brasil. Ela simboliza a fidelidade canina que muitos eleitores desenvolvem, não importando as ações ou palavras dos líderes que seguem.

Essa citação sugere, Inquestionavelmente, um problema mais profundo: a relação entre eleitores e seus candidatos. Em outras palavras,  vivemos um espetáculo de lealdade, onde as ações morais são relativizadas em nome de uma conexão quase tribal. Nesse cenário, a popularidade nas redes sociais se sobrepõe a questões políticas reais. Ou seja, a capacidade de um líder em “performar” se torna mais importante do que sua competência em governar.

O voto, que deveria ser a mais poderosa expressão democrática, desvaloriza-se e vira apenas mais uma superficialidade.

UM RIFLE

Nesse ínterim, a frase de Theodore Roosevelt nos alerta para a responsabilidade inerente ao voto, que negligenciamos. O ato de votar é uma arma poderosa nas mãos do cidadão, uma ferramenta capaz de mudar, teoricamente, os rumos de uma nação. No entanto, assim como um rifle, o voto pode ser perigoso se tiver utilização irresponsável ou inábil. Quando eleitores escolhem seus candidatos com base em aparências, promessas vazias ou performances, surge a ameaça ao bem-estar coletivo. Desta forma, abre-se espaço para líderes que preocupam-se somente com eles e com suas performances ante as oligarquias.

O contexto das redes sociais amplifica, multiplica e expande o grave problema da alienação. A estética e a imagem, que os marqueteiros produzem, substituem os debates e a análise crítica de propostas. Sendo assim, cadeiras voando passam a ser a pauta da mídia e dos tolos.

As narrativas para os simplórios, moldam-se para viralizar, e a complexidade das políticas públicas dá lugar a frases de efeito que inebriam as massas. Com isso, perde-se a essência da política: o compromisso com o debate democrático e a busca por soluções para problemas coletivos.

SERVOS E OPORTUNISTAS

Se Platão advertiu que “... Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política ...” nunca saberemos, de fato. Contudo, o pensamento destaca um ponto crucial sobre a participação política.

Nas redes sociais, notadamente, muitos eleitores se deixam influenciar por algoritmos que entregam informações de acordo com suas convicções. Aqueles que debatem as questões políticas tornam-se, inevitavelmente, serviçais do sistema. Sujeitam-se, outrossim, às escolhas de quem controla essas narrativas: os oportunistas.

O distanciamento da política resulta em uma submissão ao poder daqueles que sabem manipulá-la com maestria.

Desse modo, quando a política reduz-se a performances nas redes sociais, os valores democráticos se perdem. A ideia de que se escolhe líderes e políticos com base na estética ou em posturas midiáticas é estúpida. Como se não bastasse, enfraquece o sistema, pois desvia o foco daquilo que realmente importa: as ideias, a competência e a responsabilidade. Ao invés de avaliar os candidatos por suas realizações ou propostas, muitos eleitores se baseiam em métricas de redes sociais. Com toda a certeza, a habilidade de uma pessoas em criar uma narrativa atraente para as massas, rende votos e cargos.

Em suma, vivemos uma política de espetáculo, onde o mais carismático ou polêmico vence, em detrimento de qualquer conteúdo.

SOCIEDADE EM VERTIGEM

A adjetivação vertigem nem sempre tem sua assimilação e compreensão de forma imediata. Aplicou-se, inicialmente, para designar que estamos numa descendente vertiginosa em vários aspectos da vida. Podemos dizer, sobretudo, que a política, como deveria ser, está em declínio. Desse modo, nossa sociedade acompanha este declínio.

O impacto disso (política e sociedade em vertigem) nos ambientes coletivos é desastroso. O voto, que deveria ser um ato consciente e racional, transforma-se em uma extensão das preferências superficiais e momentâneas.  As decisões políticas se baseiam em performances tendenciosas que comprometem a capacidade de governar com seriedade e eficiência. Temas religiosos misturam-se com políticas públicas e a babel se forma entre incautos, neófitos e analfabetos.

Aqueles que alcançarem o poder por suas habilidades midiáticas continuarão a priorizar sua popularidade, ao invés de exercer mandatos para o bem comum.

Enfim, os tempos modernos mostram, inquestionavelmente, uma transformação perigosa na maneira que os eleitores se decidem politicamente. O foco no mundo digital, de aparências e performances, desvia a atenção da substância, e leva a escolhas prejudiciais à coletividade.

O que está em jogo, sem dúvida, é a própria essência da democracia, que depende de eleitores conscientes. Em outras palavras, eleitores que sejam capazes de ver além do espetáculo e focar no que realmente importa: a sociedade como um todo.

Tanto lá (EUA) como cá, certos candidatos podem atirar nas pessoas que, surpreendentemente, ganharão mais eleitores.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Trump promoveu e ainda promove teorias da conspiração e fez muitas declarações falsas e enganosas durante as suas campanhas. Suas mentiras para chegar à presidência foram e se apresentam num grau sem precedentes na política estadunidense. Está reproduzindo tudo exatamente como fez alguns anos atrás. Seus eleitores merecem tê-lo como um senhor a quem devem obediência.

(1) "Entre Sem Bater - Donald Trump - Os Eleitores" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/03/entre-sem-bater-donaldo-trump-os-eleitores/

(2) "Entre Sem Bater - Donald Trump - Os Perdedores" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/06/28/entre-sem-bater-donald-trump-os-perdedores/

(3) "Entre Sem Bater - Spike Lee - Estados Unidos" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/14/entre-sem-bater-spike-lee-estados-unidos/

(4) "Entre Sem Bater - Lawrence Lessig - Eleições e Democracia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/01/entre-sem-bater-lawrence-lessig-eleicoes-e-democracia/