Entre sem Bater - O Cabo Eleitoral

Dicró disse:

"... vou dar um coro no meu cabo eleitoral... traidor, traidor ..."(1)

Com toda a certeza, o trio Dicró, Bezerra da Silva e Moreira da Silva representaram a sabedoria popular e da malandragem nacional. É provável que este estilo musical exista somente no Brasil. A crítica ácida à sociedade e às pessoas é a forma mais clara de mostrar como muitos pensam e fazem. Em temas polêmicos, os cuidados das letras e dos trocadilhos tinham que atingir a perfeição. Na música "O Político", Dicró denuncia o eleitor traidor, mas aponta o cabo eleitoral como cúmplice.

CABO ELEITORAL vs. MILITANTE

Em primeiro lugar, os tempos modernos mudaram muitas coisas e tudo que carregam em seus significados. Desta forma, esta introdução não vai defender nem "A" e nem "B", sendo que "A" e "B" estão presentes em dois pólos extremos da política. Em suma, a guerra aqui é separar o cabo eleitoral que o Dicró chamou de traidor somente porque fez o trabalho como deveria.

Assim sendo, devemos reconhecer que a figura típica do cabo eleitoral, como no Brasil, não é exclusividade no nosso país. Entretanto, suas características e o termo em si podem variar significativamente em outros sistemas eleitorais e culturas.

Desta forma, em muitos países, a atividade de mobilizar eleitores e conquistar votos para uma causa, são atribuições de:

Militantes de partido: Indivíduos que, por ideologia ou afinidade política, dedicam tempo e esforço a campanhas em prol de uma causa, sem necessariamente receberem remuneração.

Voluntários: Pessoas que, mesmo sem terem filiação a um partido, se oferecem para ajudar em campanhas por acreditarem nas propostas ou causas.

Funcionários de campanha: Em alguns países, organizações contratam pessoas para desempenhar diversas funções em campanhas políticas. Estas campanhas incluem a mobilização das pessoas nas causas e, eventualmente, estas pessoas possuem vínculo trabalhista formal.

A figura do cabo eleitoral raramente encaixa-se em atividades de militantes, voluntários ou funcionários. Por outro lado, podem se adequar às três opções ou um conjunto delas, como ocorre no Brasil. E as eleições 2024 (municipais)(2) mostram a verdadeira face dos eleitores, candidatos e militância.

THAT'S BRAZIL

No Brasil, o termo "cabo eleitoral" se popularizou para designar indivíduos que, muitas vezes, atuam de forma mais direta e intensa nas eleições. A princípio, estariam como ativistas da captação de votos, podendo inclusive receber alguma forma de remuneração(*). Com toda a certeza, essa figura deve ter associação a práticas eleitorais, como a mobilização porta a porta e divulgação da campanha.

ORIGEM E EVOLUÇÃO

A figura do cabo eleitoral, tal como a conhecemos hoje, tem suas raízes nas primeiras décadas do século XX. Logo após o surgimento dos grandes partidos políticos no Brasil, o número de candidatos aumentou e exigiu auxiliares. Desde que criaram esta atividade, então amadora, ocorreram diversas transformações. Desta forma, as mudanças na legislação eleitoral e na organização dos partidos empurraram o cabo eleitoral para dinâmicas mais eficientes.

Embora os termos "cabo eleitoral" e "militante" pareçam sinônimos, existem algumas nuances que, sem dúvida, os diferenciam:

Militante: Geralmente, o militante possui um vínculo mais ideológico com o partido. Este personagem atua com engajamento na vida partidária e política, participando de reuniões e eventos, além das campanhas eleitorais.

Cabo Eleitoral: O foco do cabo eleitoral é mais específico e raramente aparece fora da campanha eleitoral. Sendo assim, sua principal função é a captação de votos ou a intenção de que as pessoas votem. Ele pode ou não ter um vínculo ideológico com o partido, com o candidato ou causas. Pode até, surpreendentemente, votar em candidatos que não sejam aqueles para os quais trabalha.

Em suma, a figura do cabo eleitoral é uma particularidade do sistema eleitoral brasileiro, embora atividades semelhantes existam em outros países. A principal diferença está na forma como essa atividade apresenta-se e nas nuances de sua atuação. Com a evolução das tecnologias de comunicação e das redes sociais, o papel do cabo eleitoral tradicional está em transformação.

EFICIÊNCIA DO CABO ELEITORAL

Dicró chama o eleitor de traidor. Do mesmo modo, ataca seu cabo eleitoral por fazer propaganda no banheiro de uma estação. Ora, ora, seu Dicró, seu cabo eleitoral agiu com muita eficiência, pois no banheiro a pessoa lê tudo com atenção.

Por isso, a figura do cabo eleitoral é um elemento crucial nas campanhas eleitorais, especialmente no Brasil. Sua atuação direta com os eleitores, muitas vezes em nível local, é fundamental para garantir a vitória de um candidato. No entanto, medir a eficiência de um cabo eleitoral pode ser um desafio e até mesmo impossível.

PAPEL DO CABO ELEITORAL

Mobilização: O cabo eleitoral é responsável por identificar e mobilizar eleitores, seja de porta em porta, em eventos, ou através de redes sociais.

Convencimento: Além de mobilizar, o cabo eleitoral precisa convencer os eleitores a votarem no candidato que representa. Deveria, mas nem sempre o faz, apresentar as propostas do candidato ou causa, destacando seus diferenciais.

Logística: O cabo eleitoral, não raramente, também é responsável por tarefas logísticas, como a distribuição de material de campanha e outras ações.

ESTRATÉGIAS DE CAMPANHA

Personalização: A personalização de uma campanha, individual ou coletiva, é fundamental. O cabo eleitoral precisa conhecer as demandas e as preocupações dos eleitores de sua região para adaptar a mensagem.

Redes Sociais: As redes sociais se tornaram ferramentas poderosas nas campanhas eleitorais. O cabo eleitoral pode utilizar essas plataformas para ampliar seu alcance e interagir com os eleitores.

Big Data: O uso de dados para segmentar o público e personalizar as mensagens é cada vez mais comum. Cabos eleitorais podem utilizar essas informações para direcionar seus esforços para os eleitores mais propensos a votar no candidato.

Estas ações tornam, a princípio, as atividades de um cabo eleitoral nobres e necessárias, #SQN. As eleições são como aquela história da fábrica de salsicha, a cor e o produto final não mostram o conteúdo.

MÉTRICAS

Qualquer atividade que nos propomos a realizar, notadamente para os serviços, exigem métricas e verificações. O serviço de um cabo eleitoral não pode e não deve ter sua medição na base do "venceu" ou "perdeu" a eleição. Muitos candidatos e chefes de campanhas cometem erros e fazem barbaridades e se eximem da culpa do fracasso. Contudo, provar a eficiência ou eficácia de um cabo eleitoral é como a solução de uma equação complexa. Como se não bastasse, a variável não é única, pois qualquer campanha deve ter muitos cabos eleitorais.

Mas afinal, é possível e como se comprova a eficiência dos cabos eleitorais?

ORGANIZAÇÃO DE CAMPANHAS

Do mesmo modo que se faz numa organização, uma campanha eleitoral individual ou coletiva deve ter um planejamento. Assim sendo, os quesitos de criação, execução e avaliação devem obedecer rigores como numa empresa que vai lançar um produto. A organização não garante nenhuma eleição ou votação favorável, mas apresenta os papéis e responsabilidades de cada pessoa envolvida.

Assim sendo, devemos considerar algumas ações e atividades essenciais, quais sejam:

Metas e Indicadores:

Número de votos: A métrica mais óbvia é o número de votos finais do candidato no total e numa determinada região.

Taxa de comparecimento: O cabo eleitoral pode ajudar a aumentar a taxa de comparecimento às urnas.

Número de novos filiados: Em alguns casos, o cabo eleitoral também é responsável por aumentar o número de filiados ao partido ou à causa.

Desafios na Medição:

Multifatorial: O resultado de uma eleição varia devido a vários fatores, como a popularidade do candidato, a força do partido, entre outros.

Dificuldade de atribuição: É difícil atribuir um número específico de votos diretamente à ação de um cabo eleitoral.

Falta de dados precisos: Em muitas regiões, não há dados sobre o comportamento do eleitorado, o que dificulta a avaliação do desempenho dos cabos eleitorais. Atualmente, o acesso a bases de dados históricas de eleições anteriores quase elimina este desafio.

OPÇÕES PARA AVANÇAR

Treinamento: Oferecer treinamento aos cabos eleitorais sobre técnicas de comunicação, persuasão e uso de ferramentas digitais.

Monitoramento: Acompanhar o desempenho dos cabos eleitorais através de relatórios e indicadores.

Incentivos: Oferecer incentivos aos cabos eleitorais que alcançarem suas metas, como bonificações ou reconhecimento público.

Tecnologia: Utilizar ferramentas tecnológicas para otimizar a gestão das campanhas e facilitar a comunicação com os eleitores.

A eficiência dos cabos eleitorais é, sem dúvida, fundamental para o sucesso de uma campanha. Contudo, sua medição é complexa e exige a consideração de diversos fatores. A utilização de metas claras, indicadores precisos e muita tecnologia para ajudar a melhorar o desempenho desses profissionais. Desse modo é possível aumentar as chances de vitória do candidato, mas jamais garantir uma eleição, como alguns cabos eleitorais afirmam peremptoriamente.

REDES SOCIAIS E BIG DATA

As redes sociais e o big data, com toda a certeza, revolucionaram a forma como as campanhas eleitorais existem e os eleitores agem. Atualmente, o papel tradicional dos cabos eleitorais se transformou de maneira cruel. Chegamos ao ponto em que alguns candidatos procuram "farms" de disparo de mensagens no Whatsapp para economizar "cabos eleitorais". Processos de distribuir "santinhos" no meio da rua tornaram-se anacrônicos. Surpreendentemente, até as antigas propagandas e a jurássica "boca de urna" perderam seu espaço.

Com toda a certeza, muito das eleições(3) e até da própria democracia se perdeu com as redes sociais e suas tecnologias.

REDES SOCIAIS

As redes sociais permitem, inquestionavelmente, que os cabos eleitorais alcancem um público muito maior do que apenas com contato pessoal. Através de grupos, páginas e perfis, disseminam-se informações, mobiliza-se eleitores e constroem-se comunidades online em torno do candidato. A formação de bolhas de opinião possuem efetividade muito maior do que comícios ou discursos presenciais.

Adicionalmente, as ferramentas de análise de dados das redes sociais permitem identificar os interesses e as opiniões dos eleitores. Desta forma, os cabos eleitorais adaptam suas mensagens de forma mais pessoal em relação aos grupos que formaram. Por isso, a chance de gerar engajamento e convencer os eleitores aumenta-se significativamente.

As redes sociais possibilitam ainda uma interação em tempo real entre os cabos eleitorais e os eleitores. Além de esclarecer dúvidas, um bom cabo eleitoral pode responder a diversas críticas e construir um relacionamento mais próximo. Esta proximidade do candidato ou da causa com aqueles que serão os eleitores pode ajudar ou atrapalhar. Todos os resultados dependem da capacidade e qualidade dos cabos eleitorais e não das plataformas ou redes sociais.

Verificamos, enfim, que as redes sociais criaram e incentivam o maior culpado pelas coisas ficarem como estão: o eleitor inútil.

BIG DATA

Big Data é um termo genérico que a maioria dos profissionais de tecnologia da informação utilizam para promover ares e sofisticação. Se um  candidato qualquer possui informações completas sobre seus eleitores ele tem um grande conjunto de dados (Big Data).

Desse modo, ele pode, através de seus cabos eleitorais, executar uma campanha mais próxima de seus eleitores, e ganhar novas adesões. Por outro lado, os candidatos que mesmo com muitos dados, afastam-se de seus eleitores durante três anos, o fracasso é certo. Como se diz em política, "não existem espaços vazios", se alguém deixar algum vazio, outro ocupa rapidamente.

Embora existam candidatos com mais recursos tecnológicos e financeiros, nem sempre terão garantia da sua eleição. Conhecer e trabalhar seu Big Data, ou o "little" Data é que pode determinar o resultado de uma eleição.

Alguns pontos que, se tiverem a atenção dos cabos eleitorais, assessores, candidatos e das tecnologias, ajudam numa eleição.

Segmentação do eleitorado: Dados dos eleitores permitem a segmentação em grupos com características e interesses semelhantes. Assim sendo, é possível que as campanhas direcionem suas mensagens de forma mais precisa e direta.

Otimização de recursos: Ao identificar os eleitores mais propensos a votar em um determinado candidato, as campanhas podem otimizar seus recursos. Desta forma, é possível concentrar os esforços nos segmentos com retornos mais promissores.

Previsão de resultados: As ferramentas de análise de dados criam modelos preditivos das eleições, permitindo que as campanhas ajustem suas estratégias em tempo real.

Vivemos no limiar entre a racionalidade política e a selvageria digital, são os tempos modernos onde todos têm pressa e são irracionais.

A NOVA FRONTEIRA

Neste contexto, surge a figura do cabo eleitoral autômato e automático. Em outras palavras, estamos sob o domínio dos disparadores de propaganda automática. Ou seja, ferramentas que utilizam algoritmos para identificar os eleitores mais influenciáveis por propagandas de forma pseudopersonalizada.

Os eleitores não percebem, os candidatos não sabem como funciona, utilizam e conseguem bons resultados. Alguns processos incluem:

Eficiência: Automatizam a tarefa de direcionar a propaganda, economizando tempo e recursos financeiros.

Personalização: Permitem criar mensagens com personalizações que sugerem ao eleitor que são exclusivas.

Escalabilidade: as mensagens alcançam um grande número de eleitores de forma rápida e direta.

Por outro lado, alguns desafios que podem ser barreiras intransponíveis, não são obstáculos, como por exemplo:

Privacidade: A coleta e o uso de dados pessoais para fins políticos levantam questões éticas e legais superáveis.

Manipulação: O uso de disparadores de propaganda automática manipula a opinião pública, as pesquisas e dissemina fake news.

Dependência tecnológica: As campanhas tornam-se altamente dependentes de plataformas e algoritmos, o que gera vulnerabilidades graves.

Em suma, as tecnologias e processos digitais transformaram o papel dos cabos eleitorais, tornando as campanhas mais eficientes e complexas. No entanto, o uso dessas tecnologias nem sempre utiliza-se da ética e da transparência. Raramente respeita-se a privacidade dos cidadãos e observa-se a legalidade e integridade do processo eleitoral.

Os eleitores(4) e o cabo eleitoral são, como disse Dicró, traidores de primeira ordem, pensam em si mesmos e não na coletividade.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*)  A remuneração de um cabo eleitoral certamente não deve ter relação com compra de votos, um crime eleitoral. A remuneração e a compra de votos são um capítulo que ganhou muita força após a redemocratização. O mundo mudou, e as eleições brasileiras também !

(1) "Entre Sem Bater - Dicró - O Cabo Eleitoral" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/04/entre-sem-bater-dicro-o-cabo-eleitoral/

(2) "Entre Sem Bater - Janio Quadros - Eleições 2024: De Cacareco a Tiririca" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/09/29/entre-sem-bater-janio-quadros-eleicoes-2024-de-cacareco-a-tiririca/

(3) "Entre Sem Bater - Lawrence Lessig - Eleições e Democracia" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/01/entre-sem-bater-lawrence-lessig-eleicoes-e-democracia/

(4) "Entre Sem Bater - Donald Trump - Os Eleitores" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/10/02/entre-sem-bater-donaldo-trump-os-eleitores/