REFLEXÕES ENTRE O PÓ E SOPRO DA VIDA

Fui ao bairro Presidente Kennedy, à casa do meu sobrinho Miguel, para apanhar a Costela-de-Adão (Monstera deliciosa) que havia deixado em sua residência enquanto estava fora de Fortaleza. Ao despedir-me, Miguel perguntou: “Tio, o senhor leu Byung-Chul Han?” “Não, não li”. Ele entregou-me um livro: “É presente. Garanto que o senhor vai gostar”. Agradeci e prometi que Byung seria minha prioridade no final de semana.

A segunda-feira chegou, e junto veio a promessa feita ao meu sobrinho. Apanhei o livro de Byung-Chul Han na estante, cujo título é bem atual: “No Enxame – Perspectivas do Digital”. Ao abrir o livro, deparei-me com uma epígrafe que chamou minha atenção: “As lágrimas jorram, a terra tem-me novamente", retirada da obra "Fausto" de Johann Wolfgang von Goethe. Essa frase aparece em "Fausto: Primeira Parte", no momento em que o personagem principal, Fausto, passa por uma profunda crise existencial e espiritual, expressando o desejo de se reconectar com a vida e com a natureza após um período de desilusão.

Enquanto estava no trânsito, a frase do personagem Fausto martelava meus pensamentos, despertando reflexões sobre minhas próprias inquietudes: Quem de nós, seres mortais, nunca passou por uma crise existencial ou espiritual? Quantos já se perguntaram: "Por que nasci? Qual é o meu papel nesta ópera da vida? Será que estou cumprindo o roteiro que Deus me reservou?" A busca por respostas durante uma crise existencial ou espiritual é uma jornada pessoal e profunda que pode nos levar à descoberta de novos significados e valores. Essa busca nos leva a querer viver com mais propósito e encontrar um norte, um caminho que nos faça sentir completos.

Essas reflexões conduziram-me às memórias das aulas de catecismo do Padre Marleno, no Seminário da Prainha. Lembro-me claramente ele ter apresentado dois versículos que ressoaram em minhas preocupações. Primeiro, ele mencionou Gênesis 3:19: "Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará." Esse versículo faz parte da maldição que Deus pronuncia sobre a humanidade como consequência da desobediência de Adão ao comer do fruto da árvore do conhecimento. Ele nos lembra que a vida é marcada pelo esforço, e que, em última análise, nosso destino é retornar à terra de onde viemos.

Em seguida, o Padre Marleno nos apresentou Gênesis 2:7: "Somos o pó amado por Deus. Amorosamente, o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida." Este versículo traz uma perspectiva completamente diferente, uma visão amorosa da criação. Mostra que, apesar de sermos feitos do pó da terra, carregamos em nós o sopro divino, um toque especial que nos distingue e nos confere vida. A matéria é transformada pelo espírito, e é esse espírito que nos conecta diretamente ao Criador.

Intrigado, fui até a estante e afastei Chaninho, o gato siamês da vizinha, que dormia confortavelmente no meu caminho. Peguei a Bíblia e, ao reler os versículos de Gênesis, encontrei em Gênesis 1:27 uma afirmação profunda sobre nossa identidade: "Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Esse versículo me tocou profundamente, pois enfatiza que tanto o homem quanto a mulher foram criados à imagem de Deus. Isso significa que, independentemente de gênero, todos possuem características divinas, o mesmo valor e dignidade. Ambos são chamados a cuidar da criação e a viver em comunhão com ela.

Durante as leituras, percebi a complementaridade dos textos bíblicos e da frase de Goethe. Se por um lado Gênesis 3:19 nos lembra da nossa fragilidade e do nosso retorno inevitável ao pó, por outro, Gênesis 2:7 e Gênesis 1:27 nos mostram que somos mais do que matéria. Fomos criados para ser imagem e semelhança do Criador, com uma missão que vai além da nossa finitude: somos chamados a viver em harmonia com a criação e a cultivar a essência divina que existe em nós.

Após as leituras e interpretações da frase de Goethe e dos versículos bíblicos, a apreensão que inicialmente senti se transformou em alegria e gratidão. Compreendi que, embora tenhamos vindo do pó e retornemos ao pó, há um propósito maior que nos envolve. Fomos criados à imagem de Deus para amar e ser amados, para cuidar da criação e viver de forma plena.

A frase de Goethe, embora menos explícita, evoca um sentimento semelhante de reconexão com a terra, possivelmente após uma experiência intensa e emocional. Ambos os textos — tanto a citação de "Fausto" quanto os versículos de Gênesis — nos lembram que a existência humana está intimamente ligada à terra, tanto no sentido de origem quanto no de retorno. A vida é um ciclo em que, mesmo diante da finitude, há propósito e dignidade. Somos seres transitórios, sim, mas também somos pó amado, tocado pelo sopro de Deus, chamados a viver com significado e a deixar nossa marca no mundo. Assim, o pó e o sopro se encontram, dando sentido à nossa jornada.

*Mário Rogério Araújo Sousa. É Cearense, Cronista, Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará – UFC, onde se graduo Engenheiro Agrônomo. Especialista em Agronegócio pela Universidade de São Paulo – USP. Reside em Fortaleza – CE.