O GAROTO E O JUAZEIRO: MEMÓRIAS QUE FLORESCEM – Crônica de Mário Rogério

No início do quintal de nossa casa, havia um juazeiro, o único da vizinhança, que se destacava das demais plantas. De porte médio, cerca de dez metros de altura, o tronco, não era de grande diâmetro, ramos tortuosos, com numerosos espinhos. Era uma árvore de elegante porte, copa globulosa e densa, quase encostando seus ramos cobertos de espinhos e folhas de tom verde claro no chão.

Eram desconhecidos a origem e a idade do juazeiro, ao ser indagado o Sr. João, meu pai, respondia sempre, “Já encontrei o juazeiro no quintal quando viemos para cá, soube que ele tem uns cinquenta anos, … daí pra lá“. O Juazeiro dividia o espaçoso quintal com outras fruteiras plantadas por meu velho: ateira, cirigueleira, goiabeira e gravioleira. Próximo a cacimba rasa com quinze metros de profundidade, havia um frondoso pé de azeitona-roxa e dois coqueiros carregados de frutos, completavam o pequeno pomar.

Nos dias quentes de agosto, quando o sol de Fortaleza parecia que ia queimar tudo ao redor. A copa densa e os galhos robustos do juazeiro ofereciam uma sombra acolhedora, tornando o local perfeito para os momentos de lazer e reflexão.

Foi ali, sob a sombra fresca da copa do juazeiro, que eu um garoto de nove anos buscava refúgio, proteção da insolação, dos medos e das dúvidas que vez ou outra, surgiam em minha mente. Mas, a curiosidade me levou a descobrir e aprender sobre a árvore que me acolhedora.

Logo, fiquei fascinado pelo juazeiro. Meu pai homem do interior, acostumado a lida diária do campo, sempre fazia referências sobre aquela árvore tão especial, “Meu filho, o juazeiro é muito resistente às intempéries da seca”, afirmava em um tom convincente. “Ele resiste ao calor, ao tempo seco, não deixa de acolher, de oferecer sua sombra e sua vida. Graciliano Ramos em seu livro ‘Vidas Secas’, fez registros sobre o juazeiro abrigando retirantes famintos, cansados, fugidos da seca sob a sombra fresca de sua frondosa copa”. Essas palavras ficaram gravadas, bem como, as tardes que passávamos juntos no quintal da 207 na Avenida Monsenhor Tabosa, a poucos metros do Seminário da Prainha e de alguns quarteirões da Praia de Iracema.

Naqueles dias de abril, enquanto Fortaleza precisava desacelerar sob o calor intenso, o juazeiro mostrou-se diferente, parecia querer anunciar o início de um novo ciclo, a floração do juazeiro. As flores surgiram discretas, quase tímidas, espalhando-se entre as folhas verdes da copa como pequenas estrelas de cor amarelas-esverdeadas. Era a forma do juazeiro comunicar que o verão apesar do calor, era tempo de renascimento.

Testemunhei pequenos milagres que o juazeiro proporcionou. O quintal se encheu de vida. As abelhas, primeiras visitantes, chegaram em enxames organizados, zumbiam suavemente enquanto se alimentavam do néctar das flores. Aprendi que as abelhas, borboletas e os pássaros: Beija-flor, Bem-te-vi, Sanhaçu, eram parceiros invisíveis, que garantiam ao juazeiro a continuidade do seu ciclo de vida. Todos ao seu modo, contribuem com um só objetivo, transformar as flores do juazeiro em frutos. Acompanhei essas mudanças com expectativa cada vez mais crescente. Fiquei extasiado com a colorida aquarela pintada pela natureza, com a vida que pulsava ali, O crescimento dos frutos do juazeiro era um evento mágico muito esperado.

O tempo passava, e as flores do juazeiro começaram a dar lugar aos frutos. Atentamente acompanhei essas mudanças com uma crescente expectativa. Vi os frutos surgirem, pequenos, amarelados, com possibilidades de algo muito maior. E com o passar dos dias, eles iam amadurecendo, ganhando cor e tamanho, até estarem prontos para serem colhidos. Me senti invadido por uma grande felicidade por ter tido a oportunidade de participar daquele processo, pelo simples fato de observar e esperar. Era como estivesse crescendo também, junto com a árvore.

Aprendi que cada verão traz sempre uma nova lição, um novo ciclo de vida e que o universo está em constantes mudanças. Portanto, com meu pai e o juazeiro, aprendi identificar as mudanças que a natureza, mesmo em meio à cidade, tinha sua própria forma de ensinar, demonstrar as mutações no nosso habitat.

Com o passar dos anos, essa paixão me levou a escolher um caminho. Decidi estudar Engenharia Agronômica, para aprender e aplicar princípios científicos e tecnológicos para a produção agrícola. objetivando ampliar e difundir os conhecimentos, um pouco mais do que fizera no quintal de minha infância. A imagem do juazeiro e suas lições e as de meu pai, sempre estarão presentes em minha mente, ora dando-me forças, ora para lembrar-me do início da minha jornada.

Grato Juazeiro, pela paciência, por dares ouvidos aos meus lamentos, pelos ensinamentos, por me abrigares sob tua frondosa e fresca copa.

Obrigado meu pai, pelo legado. Por indicares o Norte que eu deveria seguir, por me ensinares que amar é mais simples do que parece.

*Mário Rogério Araújo Sousa. É Cearense, Cronista, Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará – UFC, onde se graduo Engenheiro Agrônomo. Especialista em Agronegócio pela Universidade de São Paulo – USP. Reside em Fortaleza – CE.

Mário Rogério
Enviado por Mário Rogério em 04/10/2024
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