Na trave

I

É madrugada, estou na varanda de um sobrado que é uma república de alguns conhecidos. Converso com uma garota sobre trivialidades.

"Então, você gostou do último single do cantor tal?"

"Achei massa..."

Papinho besta, mas até que o flerte ia bem. Pelo menos era o que parecia. Dividíamos um baseadinho e ela ria das minhas piadas, mas aí o jogo virou quando ela pergunta:

"Qual é o seu signo?"

"Câncer".

Respondo sinceramente.

Ato contínuo ela vira as costas e volta pra festa indo bater papo na sua roda de amigas.

II

Um bar escuro, não lembro o horário. Estou sentado em um puff ouvindo a música que tá rolando enquanto aprecio meu drinque. Minha ex-mulher aparece e senta do meu lado.

"Oi Hank."

Ela puxa um cigarro do maço, acende e me oferece outro.

"Valeu, tô parando de fumar."

Ela sorri e guarda o maço na boca. Fazia tempo que eu não via aquele olhar.

"Posso te beijar?" Ela diz.

Dali meia hora hora estávamos no meu carro e num descuido sou parado por uma viatura no meio do caminho pro motel. Ela, boca dura que era, vai discutir com os policiais enquanto eu tento apaziguar a situação. nisso o Iphone novinho dela cai numa boca de lobo.

Pandemônio. Gritaria e o resto. Acho que os meganhas perceberam que eu já tava fodido o suficiente e deixaram a gente seguir viagem.

Dizem que não existe ex-ex... Tenho minhas dúvidas. Ontem tentei ficar acordado até mais tarde pois a sessão da madrugada na TV aberta estava transmitindo Warriors - Os Selvagens da Noite e eu queria assistir pela décima quinta vez; cochilo na cena de correria. Ouço "Nowhere to Run" enquanto minhas pálpebras se fecham. Ela aparece logo em seguida, a beijo longamente, sinto o tato das papilas gustativas da sua língua na minha, o cigarro queima sozinho deixando as cinzas no chão.

Abro os olhos e os Warrios já estão em Coney Island.

III

Já é manhã. Jorge, o Messi Japonês (é o vulgo dele) e eu caminhamos por uma avenida após uma noite de andando de bar em bar procurando o que fazer. O japonês, meio baqueado, vai ficando uns dez passos pra trás na caminhada. eu estou acostumado a andar num pace acima da média e Jorge é atleta, instrutor de Jiu-Jitsu.

Um figura atravessa a avenida e fala alguma coisa que agora ignoro o que era, olho pra trás e o cara tenta puxar a mochila do japonês, que logo em seguida dá-lhe um tapão na nuca que o sujeito quase cai. Voltamos e buscamos o japonês, tentando desviar o caminho. O sujeito reaparece.

"E aí, qual é a de vocês? Seu amigo me bateu."

"Essa briga não é minha, vocês se resolvam". Diz Jorge enquanto seguimos andando. O japa fica pra trás de novo... Batata. Olho pra trás e os dois se atracando. Messi cai, meu ângulo de visão é ruim, mas logo vejo ele se levantar e derrubar seu oponente. Anda rápido até nós e partimos. Seu rosto está coberto de sangue e ele resfolega dizendo:

"Vamo, bora..."

Paramos em um posto de gasolina, o japonês lava o rosto na bica de água na pista de abastecimento após recusar que os acompanhássemos a um posto de saúde. Pegamos meia dúzia de cerveja pra aliviar as gargantas secas e pensar um pouco.

" Vocês tinham acabo de virar a esquina, o filho da puta viu a oportunidade, pegou uma barra de ferro na rua e me atacou... Eu caí, sorte que levantei rápido e derrubei ele com um chute no peito."

O supercílio esquerdo estava aberto com o corte abrindo e diminuindo no ritmo da sua respiração. O nariz sangrava, mas não parecia estar quebrado e havia outro corte no meu do lábio superior. A barrada foi certeira, pegou em diagonal, provavelmente não era maciça, pois senão nosso amigo não estava contando a história.

O cheiro acre de sangue me lembra que isso é real, o concreto sobre qual eu piso é áspero e o sol queima a pele na atmosfera seca.

Rodrigo Margini
Enviado por Rodrigo Margini em 04/10/2024
Reeditado em 04/10/2024
Código do texto: T8166421
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