Um velho estereótipo
Um dia desses, passando por uma banca de revistas, eu vi um gibi que me chamou a atenção. Seu título era Angry e na capa havia um rapaz com cara de bravo e usando calças de quimono, o que me levou a deduzir que era um mangá com temática de esporte de luta. Resolvi comprá-lo, pois seu preço era em conta e, após ler algumas páginas, vi que se tratava de um manhwa* que contava as aventuras de adolescentes praticantes de judô.
Houve um detalhe que me chamou a atenção: uma das personagens femininas era uma moça grandalhona, gorda e nada bonita que tinha pose de valentona e adorava quebrar os braços dos oponentes. Aliás, essa personagem tinha todo o jeito de antagonista, levando-me a concluir que, se não fosse uma antagonista, com certeza seria uma espécie de alívio cômico na história. E esta impressão ficou mais forte porque a personagem feminina central da história, Jo Haseo**, é bonita.
Em um determinado momento da trama, Haseo e sua melhor amiga estão conversando e Haseo, ao perguntar sobre a grandalhona, ouve da amiga que ela, no passado, havia gostado de um rapaz mas ele não lhe dera atenção, acrescentando: ”quem iria gostar de uma grandalhona como aquela de primeira?” Tudo isto é triste porque é verdade e acontece tanto na vida real quanto na ficção. Pessoas que não se encaixam nos padrões de beleza e que, ainda por cima, estão acima do peso têm dificuldades para encontrar parceiros amorosos. Na ficção, quem não é bonito e ainda por cima é gordo é sempre uma figura ridícula e desajeitada.
Vivemos em um mundo de supervalorização da aparência e isto se reflete na ficção. Em quase todas as obras ficcionais que li os protagonistas são bonitos e esbeltos. Poucos foram os romances que vi em que as protagonistas não se destacavam pela beleza, como a Jo March (do romance Mulherzinhas) e Jane Eyre (de Jane Eyre). De resto, personagens femininas que não são bonitas têm pouco destaque numa trama.
Como muitos, cresci assistindo a desenhos animados e pude constatar que, de regra, enquanto os heróis eram bonitos, os vilões quase sempre eram feios, horrendos mesmo. Muitos eram os desenhos que transmitiam lições de moral e ensinavam que não se devia julgar pela aparência, o que hoje me causa estranheza, já que os do bem eram todos bonitos e os do mal, feios.
Para provar o quanto a aparência é valorizada, vejamos o caso dos vilões bonitos. Vilãs como Arlequina e Hera Venenosa (das histórias do Batman) são belíssimas e bastante sexualizadas. Temos que admitir que, se um vilão for bonito, ele terá um lugar no coração dos leitores e/ou espectadores, mesmo que suas ações sejam monstruosas. Um bom exemplo de personagens detestáveis (na minha opinião) são o Asami e o Feilong do mangá yaoi Viewfinder, que são dois estupradores sádicos. Entretanto, eles são amados por causa da beleza e do charme. Vale mencionar que ainda são ricos. Então, tudo bem ser estuprador se for rico, jovem, charmoso e bonitão, não é mesmo? Será que Asami e Feilong seriam tão amados se fossem velhos, feios, repulsivos e pobres?
É realmente uma pena que a beleza seja o que muitas vezes mais chama a atenção em uma pessoa, sendo mais levada em conta do que caráter, personalidade e inteligência.
* manhwa é o nome que se dá aos gibis coreanos
** No Japão, China e Coréia o sobrenome sempre é dito antes do nome e só se chama uma pessoa pelo nome próprio se for da família ou tiver amizade íntima com ela.