Prosa mole!.Os jogos de azar!

É curioso o que se discute e o que se silencia no país das apostas. Outro dia, ouvi na esquina de casa, o papo fervoroso sobre o Bolsa Família que, segundo as vozes que ecoam nos noticiários e nas redes sociais, estaria sendo usado por alguns para jogar online. Claro, a manchete é o estandarte da moralidade, estampado com letras garrafais que praticamente gritam: *"Dinheiro público desperdiçado!"*. É o argumento de quem tem o dedo afiado para apontar, mas pouco fôlego para pensar além da superfície.

O que ninguém fala, porém, são os milhões que fluem semanalmente para as loterias oficiais. A Mega-Sena, com seu apelo irresistível de mudar vidas de uma hora para outra, faz as pessoas sonharem com o impossível. Cada bilhete é uma esperança embrulhada em um pedaço de papel. E o governo? Ah, esse não se importa com essa ilusão estatal. Ninguém questiona se o salário suado, ou até mesmo parte dos auxílios, está sendo convertido em apostas na Mega-Sena, Loto Fácil, Loto Mania – esse nome, aliás, é quase uma ironia para quem tenta a sorte na insanidade dos números.

Loto Mania. Há algo mais sugestivo? Como uma entidade invisível que sussurra para as massas: "Venha, jogue, tente mais uma vez". E eles tentam, afinal, o que seria de um país sem esperança senão uma máquina enferrujada? Mas, diferentemente dos novos jogos online, que têm sido o alvo fácil das críticas, as loterias estatais parecem intocáveis, como se estivessem acima de qualquer reprovação moral. São o "jogo certo", porque, no fim, o governo também fica com uma fatia do bolo.

Mas e o centenário Jogo do Bicho? Ah, esse é uma lenda urbana que nunca morre, resistindo a governos, regimes, crises e até mudanças de moeda. É a aposta de esquina, o segredo mais bem guardado a céu aberto. Todo mundo sabe, mas ninguém se importa. É um alívio para as massas, uma tradição. Até mesmo a ilegalidade dele parece vestida de nostalgia, como se o Jogo do Bicho fosse parte do nosso DNA cultural.

E onde entra o discurso governamental nessa trama? Ora, é o que chamam de "coisa para inglês ver". Um foco forçado nos jogos online, nas denúncias de que o Bolsa Família estaria alimentando o vício das apostas digitais. A verdade é que, no fim das contas, o país das loterias e do Jogo do Bicho sempre esteve com o olhar voltado para o que lhe interessa. Quando as cifras das loterias vão direto para os cofres do governo, as críticas evaporam como mágica.

No palco da moralidade seletiva, é conveniente virar o rosto para o outro lado. Afinal, o que importa é alimentar o sonho de que, com um bilhete nas mãos, a vida pode mudar. O discurso sobre os jogos online é só uma cortina de fumaça – uma preocupação fabricada para desviar a atenção das práticas que realmente sustentam o hábito da aposta. O Brasil é um país que joga, seja online ou nas esquinas. E assim seguimos, apostando na sorte, enquanto o discurso político joga com nossa ilusão.

Estêvão Zizzi
Enviado por Estêvão Zizzi em 03/10/2024
Código do texto: T8165536
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