A GRAMA DO VIZINHO – Por Carlos Lopes

Era uma manhã de sol, e na esquina mais movimentada do bairro, dois meninos observavam o mundo, cada um do seu lado, cada um com seus pensamentos. João, o menino rico, vivia cercado por muros altos e portões de ferro. A mansão que habitava tinha uma piscina azul cristalina, um gramado que parecia desenhado, e uma infinidade de brinquedos que ele raramente tocava. Do outro lado, Pedro, o menino pobre, morava em uma casinha simples, com janelas pequenas e um quintal de chão batido, mas vivia com a liberdade de quem não conhecia cercas ou grades. Para ele, o mundo era um imenso playground de ruas, becos e praças.

Eles se viam todos os dias. João, da janela do carro blindado que o levava para a escola particular, e Pedro, sentado no meio-fio, comendo um pão seco que sua mãe conseguira pela manhã. Um não falava com o outro, mas bastava o olhar trocado para que a inveja brotasse. Não a inveja maldosa, mas aquela que escorrega entre os dedos do desejo, quase infantil.

João olhava para Pedro e pensava como seria bom viver sem horários, sem obrigações. Não entendia o porquê de tantas aulas de piano, inglês e equitação. Trocaria todos os seus brinquedos por uma tarde correndo descalço, sem destino, pelas ruas. Invejava a liberdade que Pedro possuía e que ele jamais conheceria. Seus passos eram controlados, sempre com alguém vigiando, sempre sob a sombra do medo de que algo pudesse acontecer. “De que adianta ter tanto se eu não posso ser livre?”, pensava, suspirando, enquanto seu motorista fechava o vidro do carro, protegendo-o do mundo lá fora.

Pedro, por sua vez, via João com outros olhos. O garoto dos cabelos penteados, da roupa limpa e das mochilas caras parecia viver em um conto de fadas. Pedro sonhava com a comida farta, com o luxo de ter cadernos novos e poder estudar em uma escola onde não faltava professor. Sentia inveja da cama confortável que, imaginava, João deveria ter. Pedro, muitas vezes, se deitava no chão duro de seu quarto e sonhava com um mundo em que a vida não fosse tão dura. “Se eu tivesse metade do que ele tem, nunca mais reclamaria de nada”, pensava, com o estômago vazio.

E assim, a vida seguia para os dois, cada um preso em seu próprio universo de expectativas e insatisfações. João, trancado em sua mansão, cercado de abundância e vazio de afeto; Pedro, solto nas ruas, cheio de liberdade, mas com a barriga roncando e os sonhos cortados pela realidade.

Certa tarde, o acaso os uniu. João, cansado das imposições de sua vida, resolveu fugir. Saiu escondido pela porta dos fundos, sem dizer nada a ninguém. E Pedro, curioso com a vida de dentro dos portões, aproximou-se para espiar. Foi então que se encontraram, lado a lado, no limite entre dois mundos. João sentou-se no chão ao lado de Pedro e, pela primeira vez, começaram a conversar.

— Você é tão sortudo — disse João, olhando para o céu aberto. — Pode ir aonde quiser, brincar o quanto quiser. Eu daria tudo para ser como você.

Pedro riu, descrente.

— Sorte? Você tem tudo, João. Se eu fosse como você, poderia estudar, ter roupas novas, comer bem. Eu só queria uma parte da sua vida.

Ficaram em silêncio, cada um contemplando a realidade do outro. Pela primeira vez, perceberam que o que invejavam era apenas uma parte de uma história muito maior, e que a vida, de fato, nunca é tão simples quanto parece de longe.

A tarde foi passando, e os dois meninos, antes separados pelo muro invisível da inveja, começaram a descobrir que, no fundo, tinham mais em comum do que imaginavam. Ambos buscavam o que não tinham, sem perceber que, talvez, já possuíssem o que mais importava: a capacidade de sonhar com algo melhor.

E, naquela tarde, sentados lado a lado, o menino rico e o menino pobre entenderam que a grama do vizinho nem sempre é mais verde. Às vezes, o que parece uma vida perfeita pode ser, na verdade, uma prisão de desejos insatisfeitos. E o que parece liberdade, pode ser a ausência de oportunidades.

No fim, cada um voltou para seu lado da vida, mas com uma nova perspectiva. A inveja, silenciosa, deu lugar a algo mais valioso: a compreensão de que o que realmente importa não é o que se tem, mas o que se faz com o que se tem.

Carlos Lopes. 30/09/2024

ESCRITORES E CIA
Enviado por ESCRITORES E CIA em 03/10/2024
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