A presença de Deus

A felicidade é um sentimento que tem duração, não tem a efemeridade da alegria. Ela bate e nos toma por inteiro, corpo e espírito, dura o dia inteiro, da hora que desce até a hora de dormir. Sinceramente, só tive essa sensação uma única vez e foi a coisa mais marcante que até hoje me ocorreu. Um estado de êxtase, acho que é como eu a descreveria: uma vontade de rir misturada com uma excitação quase sexual ou até mais que sexual, como se faltasse pouco para flutuar. Outro dia, sonhei que voava e a sensação era bem parecida.

O que me é estranho, muito estranho, é que não me lembro da circunstância; não sei o que me levou a ela, e isso me atormenta. Lembro que era um típico dia ensolarado, que trabalhava, e lembro que iniciou por volta do meio-dia. Costumava sair para almoçar às 11h30, mas já tinha almoçado. Sai da Alameda Ribeirão Preto e subi a penúltima quadra da Brigadeiro, em direção à Paulista. Lembro disso com clareza porque andava pela calçada, falando comigo mesmo e rindo sozinho, quando me deparei com uma menina que trabalhava comigo, Camila. Lembro de virar o rosto, talvez puxado pela aquela sensação de quem está sendo observado. Ainda tive tempo de pegar o rosto dela formatado num misto de perplexidade e graça. Cumprimentei-a; poucos passos depois, virei e ela estava ali parada, como se cristalizada pelo espanto e levemente contaminada pelo meu estado.

Ao final do dia, desci andando para o Brás, ponto onde encontrava meu amigo Willians, que fazia BlaBlaCar. Era muita energia para ficar preso no metrô. Cheguei quase na hora da partida, e uma viagem que demorava, por volta de uma hora e meia, duas horas, dependendo do trânsito na Imigrantes, durou minutos. Todos rimos, conversamos muito e rimos. Não lembro do que era discutido, mas lembro da alegria e leveza da viagem. Chegando no Bopiranga, depois de deixarmos todos os passageiros, eu e Willians fomos ao Beto. Lembro dele dizendo que era só uma, morria de medo da esposa. Tomamos duas ou três cervejas e com certeza devemos ter tomado uma ou duas Kariris com mel. Depois, fui pra casa andando; o Bar do Beto ficava a poucos metros.

Em casa, conversei muito com minha esposa, rimos, busquei cervejas no Beto, jantamos, bebemos e nos amamos até o início da madrugada. Às 4 da manhã, eu já estava de pé e enfurecido por ter que viajar tanto para trabalhar num lugar que odiava, e a magia havia chegado ao fim. Neste e nos dias subsequentes, buscava simular aquele estado, mudando a postura, o olhar, o equilíbrio... mas nada adiantou; nunca mais estive na presença de Deus.