Café da manhã com meus pais
Era assim: às oito horas da manhã todos teriam que estar sentados à mesa. Já deveríamos ter escovados os dentes e feito o necessário para já estar à mesa. Ele passava, circulava, olhava e via se estava tudo em ordem para o café, quando voltava, com minha mãe já sentada no seu devido lugar, depois de ter servido tudo o que precisava para o café, ele então se sentava. O lugar de minha mãe era à cabeceira da mesa, o dele era do lado, no início da mesa e nunca à cabeceira.
O cenário desse espetáculo de banquete é Serrolândia, minha cidade natal querida, no semiárido, região noroeste e Piemonte da Diamantina, no belo e festivo estado da Bahia.
Antes do início das refeições tínhamos que orar agradecendo a Deus pelo café, que era cheio de comidas gostosas. Antes disso, em geral, era lido um pequeno trecho da Bíblia, um pequeno comentário do livro chamado Manancial, um livro distribuído pela Igreja Batista (da qual fazíamos parte), como reflexão para o dia e como lição moral. Cada dia um dos membros da família orava, agradecendo o alimento. A oração deveria ser curta, para não esfriar o café, respeitando a fome das pessoas e para que não desse tempo de insetos aproveitarem algum item da mesa antes de nós, pois fechávamos os olhos, embora sempre algum dos mais novos ficasse com os olhos abertos para espantar os insetos.
Aberto os olhos, eis a mesa: café quentinho, borbulhando ou no bule ou quente-frio (garrafa térmica para os incautos), leite fervido, importado da roça (da fazenda Lagoa do Zé Pedro, onde as vacas mugiam e davam leite), pães os mais diversos (da sua padaria, a padaria Serrolândia), bolachas – bolachas de côco (não havia côco nelas, era de água mesmo), bolacha esteira, bolachão (que só podiam ser ingeridos frios, por causa do amoníaco) -, biscoitos palitos, sempre um bolo que minha mãe fazia (podia ser de laranja, de côco, de fubá de milho, os bolos cremosos de aipim e de pão e os bolos santistas). Sempre contávamos com um ou mais convidados à mesa, um parente ou vários, um amigo de meu pai, amigas de minha mãe, de minha avó, de minha irmã, uns amigos nossos ou quem chegava no momento e eram sempre convidados a sentar-se à mesa.
Havia quase sempre as brevidades de D. Baia, as canjicas, as pamonhas, os milhos verdes cozidos, os doces de milho na palha da banana seca, os beijus torrados ou cremosos que minha avó fazia. As batatas-doces, as canjicas e os abacates quase sempre se comiam misturados e dissolvidos no leite, com uma colher. Havia suco de laranja, maracujá, abacaxi e as umbuzadas deliciosas da minha avó. Os refrigerantes eram as coca-colas, guaranás, tubaínas e fantas e eram sempre eram misturados nos copos de meus irmãos quando eram crianças, para provocar o ralhar de meu pai. Meus irmãos também brigavam pelo último pedaço de pão diferente na mesa – havia pão de sal, pão sovado, pão doce, pão de milho e muitos mais. A padaria era do lado e eu ia sempre buscar mais quantidade do pão que faltou.
Aos domingos estavam sempre presentes na mesa as bananas da terra fritas e as brevidades de D. Baia, compradas no sábado, dia da feira e nesse dia tomávamos café ao som do alto falante da Igreja Batista chamando os crentes para a Escola Bíblica Dominical e para o culto de devoção da manhã. O café já era o início do próprio culto.
Durante o café da manhã, meu pai tinha sempre muitas histórias engraçadas para contar, fazia reflexões, ensinava as regras do bom viver, nessa ocasião de forma mais amorosa e amena e minha mãe tecia comentários com sua extrema doçura e ríamos muito das coisas engraçadas.
Nosso café da manhã diário sempre começava com um banquete, uma festa. Eu nem percebia que o dia passava mais colorido e mais bonito porque meu pai já nos legava essa alegria diária.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 15 de agosto de 2022