A lojinha
Saio da massagem! Tenho a linda e alegre companhia de minha filha. Ambas relaxadas, a pele untada com fragrâncias florais calmantes, músculos livres de tensões, mente vazia e sonolenta após um breve mas revigorante cochilo enquanto desfrutávamos dos toques suaves das massagistas. Caminhamos em direção a nossa casa, absortas numa conversa leve e descontraída, fazendo jus aos nossos corpos. Planos para passar na padaria que está no caminho de volta e levar um croissant para agradar o pai. Avistamos as mesinhas dispostas na calçada em frente à padaria, sinal de que em breve sentiríamos o aroma delicioso dos pães e afins.
Eis que a alguns passos de chegarmos, reparo numa pequena porta de vidro, sem placa, aberta e convidativa, lindamente decorada com flores e plantas que eram o objeto de venda do local. -"Uma lojinha de plantas?! Nunca tinha reparado...! Que linda!" Flores e plantas naturais e arranjos de flores secas, dispostos numa bela decoração, com seus devidos preços nas etiquetas. Era um local pequeno, 2x2 metros mais ou menos, com plantas penduradas, algumas nas prateleiras, outras em vasos no chão, algumas em pedestais ornamentados, e muitas variedades que não eram familiares pra mim...plantas exóticas, cores diferentes, formatos bizarros, mas esteticamente lindas! Pareciam de outro mundo! Olhamos tudo com entusiasmo e admiração! Teríamos que levar algo, afinal ainda estávamos decorando o apartamento recém adquirido e daria um toque todo especial ao nosso novo lar! Olhamos tudo, analisamos os preços, escolhemos um, desistimos, escolhemos outro, desistimos, pensamos e pensamos enquanto aguardávamos alguém nos atender. Finalmente encontramos o vaso certo para nossa casa, mas ninguém havia aparecido ainda...então no balcão próximo à porta de entrada, uma placa: "Escolha e pague aqui. Aceitamos pix, cartão de crédito e débito. Caso precise, há sacolas disponíveis ao lado."
- Nossa, -pensei alto para minha filha- uma loja de rua nos padrões "pegue e pague sozinho", no meio de um bairro cheio de moradores de rua?! Realmente o ser humano está evoluindo! Antigamente isso seria impossível, já teriam saqueado tudo...- Digitei na maquininha o valor da etiqueta, paguei com meu cartão, peguei o comprovante para poder provar o pagamento caso alguém viesse atrás duvidando, e saímos da loja felizes e satisfeitas pela experiência de self-service, rumo a padaria.
Já no balcão, a atendente simpática ouvia o meu pedido e enquanto aguardava pacientemente minha filha escolher algo da vitrine de guloseimas, reparou nas flores que acabáramos de comprar.
- Que lindas e exóticas!
- Também achei maravilhosas! É da lojinha do lado!
- Que lojinha? – indagou a atendente.
- Numa porta ao lado de vocês, lá tem várias plantas diferentes! E é no esquema pegue e pague sozinho! Achei incrível esse tipo de comércio em loja de rua e neste bairro cheio de moradores de rua...
- Mas do nosso lado é uma butique de roupas...
- Então, é entre a padaria e a butique...! Uma porta de vidro!
Ela me encarou com um olhar de não estar entendendo nada do que falei, e desviou a atenção para o pedido que minha filha finalmente tinha conseguido fazer. Pegou a tortinha solicitada, embalou na caixinha, acrescentou ao croissant e me entregou tudo com a comanda de pagamento. No caixa, enquanto aguardava a moça verificar e digitar a opção para pagamento, puxei conversa e perguntei se havia muito tempo que a lojinha de flores ao lado estava aberta...?
- Que lojinha de flores? Desculpe, só um momento...- e virou-se para o lado gritando a alguém de dentro - Márcia, chegou o caminhão de gelo! ....sim, venha verificar o pedido! - e novamente para mim, tendo ignorado totalmente a minha pergunta a partir da chegada do gelo, entregou meu comprovante e agradeceu de maneira automática. Simplesmente peguei minhas compras e saímos em direção à nossa casa. Então o celular avisa sonoramente que há notificações do banco, como sempre faz quando há compras realizadas no cartão. Verifico o valor da padaria, está ok, aproveito para ver a compra anterior na lojinha de flores: não há registro... - Filha, vamos voltar lá e ver se está certo? Podemos reimprimir a última compra na máquina deles e verificar se o pagamento foi feito porque para mim não está registrado... então alguns passos para trás, e chegamos ao lado da padaria ...
- A butique de roupas?!!! Ué, cadê a lojinha?!!" – Olho para minha filha que também está sem entender e pergunto para confirmar minha constatação...
- Não era aqui?! - E ela responde afirmativamente, também perplexa..."vamos andar um pouco mais pra lá..." E nada...não havia nada...mas as flores que compramos estavam em nossas mãos. Como isso seria possível? Perguntei para mais algumas pessoas sobre a lojinha, mas a resposta era a mesma: "Que lojinha de flores?"
Eis que se aproxima um morador de rua, carregando suas tralhas, sujo, despenteado, e apesar da fala um pouco arrastada, não parecia alcoolizado... Tinha um olhar sereno, penetrante e sábio. Disse calmamente em um tom de voz suave:
- Outras dimensões só aparecem quando estamos preparados! Livres, leves e soltos! - Abriu um sorriso desdentado e continuou caminhando em direção ao espaço entre a butique e a padaria. E desapareceu...