Miss Vilma positive for Covid and Ricardo’s “too much modern” vaccine reactions

- Tossezinha braba, hein Dona Vilma!

- Pois é, meu filho! Acho que gripei! Começou no fim de semana! Deu uma queimação na garganta! E calafrios pelo corpo todo! Precisei até colocar uma blusa de lã! Aí parece que virou tudo ao contrário: não demorou quase nada e veio a suadeira! E desde ontem tô sentindo uma dorzinha aqui nas costas...

- Gripou nada, Dona Vilma!

- Como assim, meu filho? Não gripei? E isso tudo que eu tô sentindo? Que já tem quatro dias e não melhora de jeito nenhum? É o quê, então?

- Não é gripe não, Dona Vilma! Tudo isso aí que a senhora tá sentindo tá com a maior cara é de ser Covid!

- Nossa, meu filho! Covid! Será? Em pleno 2024! Mas já não acabou a pandemia?

- Então, Dona Vilma! A pandemia acabou, sim! Mas o vírus continua aí, como qualquer outro! Tâmo no inverno, as pessoas costumam se aglomerar em lugares fechados, quase ninguém mais usa máscara, quase ninguém mais tem aquele cuidado com a higiene das mãos: tá do jeito que tudo que é vírus gosta!

- Ah, não acredito! Você sabe, né meu filho, que eu segui direitinho todas as orientações do Doutor durante a pandemia! Tanto que esse bichinho não me pegou de jeito nenhum! Não dei chance mesmo! E justo agora esse danado me apronta essa?

- Muito, mas muito menos mal que a senhora tenha pegado Covid só agora, Dona Vilma! A senhora tomou todas as doses da vacina! Tá completamente imunizada!

- Ah, tomei todas mesmo, meu filho! As quatro! Não perdi nenhuma! Em todas, fui logo no primeiro dia em que eles anunciaram que a vacina tava liberada pra minha faixa de idade! E bem cedinho, pra garantir a minha dose!

- Sabe de uma coisa, Dona Vilma? Vou até concordar com a senhora agora, viu? Apesar da suspeita de Covid, da pra cravar que a senhora gripou sim! A senhora e noventa e nove por cento das pessoas que fecharam o ciclo vacinal: pra vocês, agora a Covid virou só uma gripezinha mesmo!

- Ah, meu filho! Que bom, né? Então nem preciso ir pro hospital, né?

- Precisa sim, Dona Vilma! Precisa fazer o teste pra ter certeza!

Algumas horas depois veio a confirmação.

- Deu positivo, Ricardo! A Vó Vilma tá com Covid! Mandou foto do laudo!

Nem deu tempo do Ricardo ver! Ligação pelo Zap! Adivinha só quem era...

- Alô, Ricardo? Ricardo, meu filho! A Nenê já...exame...você...confirma...tô...Covid...por favor!

- Ah, Dona Vilma! A gente fala, explica, pede, repete, perde a linha, da bronca, mas ela só liga pra gente pelo Zap! E toda vez a gente fica sem conseguir entender nada do que ela tá falando...

- Tá cortando, Dona Vilma! Desliga, por favor! Vou ligar pra senhora...

- É, Dona Vilma! A senhora tá com Covid, sim! Mas pode ficar tranquila que não há de ser nada grave, não!

- Ah, meu filho! Sabe que o Doutor me falou a mesma coisa? Que eu não preciso me preocupar porque minhas condições tão ótimas, meu sistema imunológico tá respondendo muito bem! Meu pulmão tá limpinho! Disse que tudo indica que em uns três ou quatro dias já não vou mais apresentar nenhum sintoma! E ainda me chamou de menininha, Ricardo! Porque tô muito bem pra minha idade, acredita?

- Maravilha, Dona Vilma! Que beleza de notícia! E a senhora sabe muito bem que a senhora realmente aparenta ter muito, mas muito menos idade, né?

- E não é mesmo, meu filho? O Doutor mesmo falou que, olhando pra mim, assim, ninguém me da nem setenta, já pensou? Aí eu fiquei toda, toda...

É que a Dona Vilma já passou dos noventa! Aí ganha, assim, do médico, mais de duas décadas de diferença! Ficou como? 9.5 turbinada!

- Pena que a gente vai ficar esses dias sem se ver, né Dona Vilma?

- Ah, essa é a pior parte! E a igreja? Não vou poder ir, né meu filho? Ah, o Apostolado de Oração na sexta! E a missa do domingo?

- Sinto muito, Dona Vilma! Mas essa semana a senhora vai ter que ficar em casa, mesmo estando bem. Pra evitar o risco de contágio, né? E pode relaxar que nem vai perder a missa: é só assistir pelo celular...

Só que o pessoal do Apostolado da Oração estranhou a ausência da Dona Vilma na reunião da sexta e a Comunidade toda sentiu a falta dela na missa do domingo!

O Zap da Dona Vilma bateu recorde de mensagens! Todo mundo preocupado, perguntando se tinha acontecido alguma coisa, se ela tinha caído, se tinha ficado doente...

Bastou responder pra um só que tava com Covid e pronto: triplicou o número de mensagens e, na mesma proporção, a preocupação de todo mundo!

- Ricardo, meu filho! Esse pessoal tá que é uma insanidade só! Não adianta falar pra eles que eu tô bem! Parece que eles não tão lendo, não tão ouvindo, não tão entendendo! Parece que voltou todo mundo lá pra pandemia! Tão falando pra eu tomar cloroquina, antibiótico, comer fruta ácida...

- Ah, minha Nossa Senhora da Imunização! Muita calma nessa hora, Dona Vilma! A senhora sabe que não precisa de nada disso, né? É só focar no que o Doutor falou: tá tão bem que não aparenta nem setenta! Uma menininha, lembra? Fica firme, aí! E dá um tempo nesse Zap...

- Ah, meu filho! Tem coisa bem pior: tão falando que foi a vacina! A vacina, não! As vacinas que eu tomei!

- Como assim, Dona Vilma? O que é que tem as vacinas que a senhora tomou?

- Tão falando que a culpa é delas! Que eu tô com Covid porque eu tomei as vacinas!

- Pelo amor de Deus, Dona Vilma! É pra acabar! Tão distorcendo tudo! Distorcendo, não! Tão invertendo tudo! Vacina não causa a doença! É feita com o causador da doença, mas não causa a doença! Porque é pensada, é planejada, é calculada, pra ser aplicada na gente, na proporção pra ensinar o nosso corpo a se defender! Dona Vilma, a senhora sabe, todo mundo sabe que a diferença entre o remédio e o veneno...

- É a dosagem, meu filho! Eu sei, meu filho, mas é que todo mundo fala de um jeito que...

- Joga a ciência no lixo, Dona Vilma! No lixo! Joga tudo o que a gente evoluiu no lixo, Dona Vilma! No lixo! Tão engatando a ré! Tão pensando como se pensava há 120 anos, Dona Vilma!

- Tudo isso, meu filho? Em vez de pensar pra frente, tão pensando pra trás?

- Tão pensando como se pensava quando o Osvaldo Cruz, lá no começo do século passado, mandou a ideia do esquema da vacina! Tão se revoltando contra a vacina do mesmo jeito que o povo se rebelou há 120 anos atrás! Vá lá que é até compreensível a resistência do pessoal naquela época, né? Mas hoje? Depois de mais de cem anos? Com todo esse caminho andado? Com tudo e mais tudo que é comprovação? Com tudo e mais tudo que é recurso tecnológico? Com tudo e mais tudo que é informação? Não tem outra definição pra essa gente que não seja...

- Negacionista, meu filho! Tudo Negacionista! Inclusive o seu primo, que é engenheiro elétrico, vive da ciência e, mesmo assim, ligou pra mim pra falar que não sabia como é que eu ainda tava viva depois de ter tomado tanta vacina, que eu tô me suicidando a cada dose...

- Pois é, Dona Vilma! O pior é que ele vai ensinar pro filho dele que a vacina faz mal! E, de repente, a gente vai ter de volta doenças que já tavam erradicadas justamente por conta da vacinação em massa! Vâmo ter, não! Já tâmo tendo: pólio, sarampo, coqueluche...

E, quando a gente pensa que não tem mais como uma certa situação ficar pior...

Dois dias depois, o Ricardo recebeu e-mail informando que na semana seguinte seria disponibilizada a quinta dose da vacina anti-Covid pros servidores da Saúde e pra galera que não é servidor, mas tá trabalhando nos órgãos públicos de saúde, tipo os operários da obra da reforma do Centro de Laboratório Regional de Presidente Prudente, do Instituto Adolfo Lutz.

- Opa, beleza! Agora é a Moderna!

E aí o Ricardo lembrou da primeira dose! E da alegria, do alívio e da gratidão por ser um privilegiado! No dia em que foi vacinado, o Ricardo viu no jornal que tava entre os primeiros 0,5% da população brasileira que havia recebido a imunização!

- Caramba! E, de novo, tâmo na ponteira dos que vão pra quinta dose! Bora lá, graças a Deus!

É, só que dessa vez, o Ricardo teve umas reações bem fora da curva! Mas deixou baixo, ficou na dele! Só esperando pra ver se aparecia alguém relatando os mesmos sintomas.

Teve gente que reclamou de dor muscular no local da aplicação. Ah, vá!

Teve gente que reclamou que não conseguiu dormir, que teve tontura, mal-estar, falta de ar, aceleração dos batimentos cardíacos, síndrome do pânico, síndrome de Guillain-Barré, suspeita de dengue, de TDAH, de TEA, de câncer, de AIDS! Mas nenhum deles teve as reações que o Ricardo teve...

Acordou talking in english, bateu duas pratadas de scrambled eggs com bacon, waffles e pancakes com honey no breakfast;

No lunch, foi x-burguer com onion rings, hot dog só com mostarda, bolo de carne, mac n'cheese, um pedaço de marguerita - devidamente devorado com a mão - e, de sobremesa, apple pie;

Pro dinner, pediu steak com purê de batata, Barbecue Ribs, Buffalo Wings e, é claro, aquela porção super-hiper-mega-extra grande de french fries e, pra rebater, uns três cheesecakes;

Antes de dormir, detonou um pacote de cookies e zerou um galão de leite, tomando direto no gargalo, é óbvio...

No dia seguinte, comprou ingresso pra ver os Packers contra os Eagles em Itaquera - primeiro jogo da NFL no Brasil, vai ser agora em setembro - só assim mesmo pro Ricardo pisar na tal da Arena do tal do time do povo. E aí comprou camiseta, comprou boné, comprou caneca pra torcer com estilo...

E os sintomas foram se agravando!

Deixou de assistir o São Paulo amassando o Corinthians no Morumbis - pra variar - pra sofrer com os Bulls levando uma lavada de trinta pontos dos Celtics - pra variar também - em pleno United Center! E cantou o hino com emoção antes do começo do jogo:

- O'er the land of the free and the home of the brave!

Passou o dia ouvindo bons souls, velhos blues e o bom e velho rock'n'roll! E da-lhe Bruce Springsteen:

- Born in the USA!

Assistiu Independence Day três vezes seguidas e, pasmem, parou no posto pra abastecer, saiu do carro, programou a bomba e encheu o tanque! E o coitado do frentista ali, parado, olhando, coçando a cabeça...

Aí o Ricardo sentiu que a coisa tava séria!

- Doutor, já vai fazer uma semana que tô assim! Será que sofri uma mutação genética? Sei lá, né? Já sou uma mistura de tudo com todo mundo mesmo! Alemão com árabe, espanhol com italiano, nascido no Brasil! De repente, a vacina catalisou..

- Fala sério, Ricardo! Que papo é esse? Logo você, que trabalha na Saúde, que defende a ciência com todo fervor, que argumenta com estatísticas, que sempre bateu firme que a curva de internação e mortes por Covid só inverteu com a vacinação! Tô te estranhando, rapaz!

- Ah, sabe como é, né Doutor! É que quando é com a gente, a gente...

- Desespera e perde a linha, Ricardo! É normal! Você tá se auto-sugestionando! Você não sofreu mutação genética nenhuma porque tomou vacina! Você sabe que não!

- Será, Doutor? Tô achando que não sei é de mais nada!

Aí quem perdeu a linha foi o Doutor! E resolveu partir pra invertida.

- Então tá, Ricardo! Se você acha mesmo que tá virando estadunidense por causa da vacina americana que você tomou, bora mapear o seu genoma, então! De repente, o exame confirma e você pode até reivindicar cidadania! E, se der tempo, ainda vai poder votar nas eleições de novembro! Só por curiosidade, em quem você votaria?

- Ah, Doutor! Aí não tem dúvida! Se tudo isso que tá acontecendo comigo é por causa da vacina, vou ter que votar nos Democratas, mesmo porque Republicano não toma vacina de jeito nenhum...

E não é que até o título do texto sofreu mutação por conta das reações do Ricardo? Era pra ser só "Sextou, Textou! Vacinou!"

Mas, depois que vacinou...

That's all, folks!