Briga de casal
Há sempre um quê de pecado nos meus abismos.
Nos meus escritos as palavras perderam o sentido. No amor, são seus olhos que me revelam enquanto ando pelos becos da casa. As tramelas perderam as portas, os trincos perderam as janelas, as mulheres perderam a vergonha. No entanto, canto e rio nas margens abruptas da minha insanidade.
Parece que a minha loucura não conhece limites, frequentemente perambulo pelas ruas sem um destino definido ou até mesmo um trajeto já estabelecido. Costumo pedalar à noite por ser um período mais sereno e mais fresco. O trajeto não é extenso, mas atende às minhas expectativas. As pedaladas são constantes, conheço até as falhas da ciclovia. O percurso não apresenta uma boa iluminação, deixando muito a desejar. Alguns postes estão sem lâmpadas, enquanto outros fingem estar em perfeitas condições.
Não sei se isso ocorre com você. Como sou idoso pedalo de forma relativamente lenta, alguns ciclistas mais afoitos, ao cruzarem comigo no meio do percurso, gritam: "vá para casa velho careca", enquanto outros dizem "saia do cominho velho veado". Isso quando os motoristas não jogam, em mim, latinhas de cerveja.
Em uma dessas "viagens", talvez a que mais me impactou e permanece na minha memória, encontrei um homem agredindo uma mulher numa noite escura. Inicialmente, agi como Pilatos. Simulei que não presenciei nem ouvi nada. Porém, os gritos da mulher me deixaram amedrontado. Precisei voltar. Deixei a magrela cair e fui em direção ao rapaz, que era consideravelmente mais forte que eu. Refleti: vamos levar uma surra juntos. Ele usava, para o castigo, uma prancha pequena. Não proferi uma única palavra, pois fiquei mudo. Entrei na briga para separar a vítima do agressor. Quando menos esperava, ela agarrou minha camisa e ordenou: bata nele! Procurei me libertar o quanto antes. Fui agraciado por duas lambadas nas costas. O vergão demorou pelo menos dois dias para desaparecer, mas a dor continua a reverberar nas minhas costelas até hoje.
É por essa razão que se diz que em conflito entre marido e mulher deveria seguir o ditado. Apenas descobri isso alguns dias mais tarde. No entanto, se tivesse que sofrer novamente, faria o mesmo e a vida segue. No entanto, admito: alterei o horário e o percurso das minhas pedaladas.