TANANA, O ENGRAXATE
Francisco de Paula Melo Aguiar
Naquele tempo Santa Rita ainda mantinha na Praça Getúlio Vargas, o coreto triangular de frente para a Praça João Pessoa, fazendo esquina com a Rua 26 de Julho, bifurcação da Rua São João com ambas as praças citadas, que servia de ponto de ônibus intermunicipais, de amparo para chuva, sol, sereno e de dormitório para os poucos moradores de rua que a cidade já tinha.
Era um coreto polivalente, interdisciplinar, porque ele servia a população como ponto ou parada de ônibus para capital e outras localidades do interior da Paraíba e outros estados, lá se abrigavam a banca de revistas e jornais de Zé de Tôto, a bomboniere de Tide, o carro do pipoqueiro, os engraxates ou lustrados e consertadores de sapatos: seu Pedro Corcunda e seu Tanana (que conseguiu na época formar seu filho Benedito Matias, bacharel em contabilidade, in memoriam, na UFPB), de onde tiravam rendimentos durante décadas, fruto do trabalho diário para manterem suas famílias.
A profissão de engraxate ou engraxador de sapatos aqui era e ainda é exercida originalmente por homem responsável tanto pelo polimento, limpeza e conserto, salvo raríssimas exceções, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo.
E pelas cadeiras e caixas dos sapateiros santaritenses aqui mencionados, dentre outros de igual importância social, que não nos falham à memória, passavam o jornal falado da cidade, do estado, do Brasil e do mundo, às noticias de boca em boca da vida social, política, religiosa, familiar, festeira e desordeira da cidade e de seu honrado povo, durante o atendimento dos frequentadores que usavam tais serviços, como por exemplo: os deputados Heraldo Gadelha e Egidio Madruga, do prefeito Teixeira, do professor Luiz Soares, etc, dentre outras figuras de destaque político, social e empresarial da época.
A vida da cidade por aqui passava todos os dias do ano, pois, "o passado não é passado se te incomoda no presente", segundo informa Freud, o pai da Psicanálise.
E a modernidade se encarregou de destruir a praça Getúlio Vargas e com ela também o local de trabalho dos engraxates e os outros serviços até então existentes, aos poucos foram sucumbindo. Ressaltamos, porém, que na gestão do prefeito Morais foram construídas pequenos box entre a escadaria da igreja de Nossa da Conceição e a rampa de acesso a Igreja Matriz de Santa Rita, na frente do então Cine Avenida, na referida praça que abrigou parte dos serviços antes citados, inclusive os engraxates.
Não se sabe a origem e data exata que surgiu a profissão de engraxate no mundo, pois, "a tradição remete ao ano de 1806 o nascimento do ofício de engraxate, quando um operário poliu em sinal de respeito às botas de um general francês e foi recompensado com uma moeda de ouro por isto", conforme consta na Wikipédia.
Tanto é assim que "após a imigração italiana aparece, por volta de 1877, na cidade de São Paulo, os primeiros engraxates. No início eram poucos, de 10 (dez) a 14 (quatorze) anos, todos italianos e percorriam as ruas, das 6 horas da manhã até a noite, com uma pequena caixa de madeira com suas latas, escovas e outros objetos", informações da Wikipédia.
E que "durante a Segunda Guerra Mundial apareceram os “sciusciàs”, garotos que para ganhar qualquer coisa lustravam as botas dos militares, além de terem cópias de jornais, goma de mascar e doces", ex-vi relato constante na Wikipédia.
Assim sendo, "ao término da guerra desapareceram o sciusciàs e também os engraxates de Nápoles, no início dos anos cinquenta eles eram apenas mil. Hoje em dia, caminhando pelas ruas napolitanas, ocasionalmente, pode-se encontrar algum", segundo pesquisa ba Wikipédia.
Uma curiosidade sobre a profissão são "as cadeiras de engraxate foram inventadas por Morris N. Kohn em 1890. O engraxate hoje em dia é uma profissão em via de extinção" (Wikipédia).
Enfim, em assistindo o filme "Sciuscià" (Vitimas da Tormenta, no Brasil) de 1946, dirigido por Vittorio De Sica, se tem uma visão mais ampla sobre a profissão de engraxate e seu valor social até então, onde os dois jovens Pasquale e Giuseppe (do filme), uma vez abandonados pelos pais, em uma Itália arrasada pela Segunda Guerra Mundial, tem assim na profissão de engraxate a única forma de sobrevivência e enquanto engraxavam as botas dos soldados americanos, ambos sonham possuir um cavalo branco em um futuro róseo, porém, se envolveram no mercado negro e acabam enviados para o reformatório. No caso dos nossos dois engraxates santaritenses e bem assim outros não citados aqui. foi o contrário, eles foram para casa por falta de local para trabalhar na praça Getúlio Vargas, o espelho de nossa Terra e até a presente data ainda não voltaram por analogia, in memoriam, pois, eram homens dedicados ao trabalho e dignos do que sabiam e faziam muito bem.