Quem é o seu o próximo?
“Quem é o meu próximo?”, eis a pergunta retórica do Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículo 29. Eram 19h48 quando, rumando para casa, saí do supermercado a que chegara minutos antes. Tinha ido comprar creme dental, desodorante e xampu. Aliás, aproveitara e também comprara pimenta-de-cheiro, que gosto de usar na preparação dos alimentos – para ser exato, gosto de usar na preparação do arroz e da carne bovina. Ir a pé ao supermercado me faz espairecer olhando a rua e os transeuntes no cair da tarde.
Caminhei alguns metros pela Avenida Boa Esperança, talvez uns cinco minutos, até chegar à calçada da Escola Municipal de Ensino Fundamental Elinda Simplício Costa, onde, em frente à faixa de pedestre, mais caída do que sentada no meio-fio, uma mulher conversava com um rapaz, observados pelo companheiro dele, em pé ao lado. Parei e também fiquei a observar e ouvir a conversa. Lembrei-me da parábola do bom samaritano.
A mulher, cujo nome e endereço que deu omito propositadamente para não a expor, mal respondia às perguntas que o interlocutor, um jovem de boa aparência, educada e interessadamente, lhe fazia. De meia-idade e também de boa aparência, vestia calça jeans customizada e camiseta azul de malha. Falava de forma desconexa, mas, devidamente instigada, disse o nome e o endereço corretamente, além de informar que morava sozinha e não tinha parente. Um homem veio da outra pista e nos disse que vira quando ela chegou. Um motoqueiro, aproveitando o desequilíbrio dela ao passarem pelo quebra-molas, a deixara e, despreocupadamente, desaparecera.
Os dois rapazes iam a uma reunião da igreja e, ao ver a mulher caída sobre o meio-fio com as pernas para a rua, em cima da faixa de pedestres, pararam para lhe prestar socorro. Solidários, ofereciam-se para a levar à casa dela, na Marabá Pioneira, por sinal, distante. Ela, porém, não queria ir. Sem bem saber muitas vezes o que fazia, dizia às vezes coisas desconexas. Dizia-se também formada pela Universidade Federal do Pará em Matemática, em Pedagogia e em Jornalismo. E, várias vezes, sem qualquer cerimônia, mexeu conosco, dizendo, na gíria, que éramos gostosos. Estava bêbada. Deitou-se e dormiu.
Caídas ao chão, a bolsa de marca, com seus pertences, e uma sacola de plástico, com latas de cerveja, três ou quatro, ainda lacradas. Preocupados com a reunião e como eu lhes dissesse que aguardaria a viatura da Polícia Militar chamada por eles, já que temíamos deixá-la ali, indefesa e desamparada, os rapazes se foram, e eu fiquei. Chegaram depois dois motoqueiros, que também foram solidários. Um deles teve a ideia de chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), já que a viatura da Polícia Militar não chegava. Chegaram também várias outras pessoas. Saí de lá, às 20h54, depois que a ambulância levou. Amei a atitude dos rapazes! Nem perguntei o nome de ninguém, mas cada um que ali se deteve é meu próximo.