É o Grelo!
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O Grelo está na boca do povo! Na verdade, “Só fé”, canção do Grelo da Seresta, é que está na boca do povo. Foi o que percebi num desses últimos finais de semana, quando fui a um bar especializado em samba e pagode. No intervalo da apresentação de um pagodeiro, o dj tocou a já famosa canção. A plateia ergueu um coro empolgado, uníssono, que repetia “Só fé, só fé, só fé” com uma intensidade retumbante.
A linguagem é simples, utiliza uma variante popular da língua, o que torna a letra ainda mais a nossa cara. “O resto é só fé” é o que repetimos constantemente na vida real. Deve ser por isso que a canção rapidamente ganhou as ruas e o gosto dos brasileiros. A forma de encarar a vida proposta nos versos mostra uma visão pura, que encanta, mas é ao mesmo tempo dramática. “Só preciso de um dinheiro pra comprar um mé / O leitin das criança e o Modess da muié”. Não se deseja mais nada, apenas o “mé” para encarar a vida, o sustento das crianças e uma necessidade física da mulher. Para todo o resto fica a fé. E assim vai se levando a vida...
Quantas vezes não somos obrigados a encarar o dia a dia apenas com a fé, que perpassa e motiva aquelas ações mais ingratas, exigentes e enfadonhas? A vida do brasileiro nunca foi fácil e nos últimos anos vimos a coisa ficar ainda mais difícil. O salário foi ficando cada vez mais curto, mal dando conta do básico para sobreviver. O preço dos itens mais simples está cada vez maior, levando-nos a buscar milagres que somente a fé é capaz de dar conta. E haja conta! Temos de pagá-las o tempo todo, não acabam nunca.
Mas, para nossa alegria, há coisas que são de graça, segundo nosso seresteiro. E é aí que a gente percebe o gosto da vida. O encantamento não passa pelo valor monetário das coisas. Antes, pode estar inclusive na luta de cada dia, ao matar os leões que nos aparecem, ou no abraço estreito de um filho que nos espera. Ter essa consciência não é fácil e essa música, acredito, ajuda nisso. Quando pensei em escrever sobre ela, a ideia era trazer a ironia para a análise do texto. Pensava que, na canção, era possível enxergar o brasileiro que não tem disposição para o trabalho e que se preocupa apenas com garantia da comida e da cachaça. Porém, ao me atentar à letra completa, enxerguei outras coisas e me identifiquei. Mesmo sem fé, tem hora que a gente só sobrevive pela fé. A fé de que tudo vai melhorar. A fé de que as coisas não são tão ruins assim. A fé de que a vida vale a pena. Apesar de tudo, ainda estamos aqui e temos muito encantamento para desvendar. Portanto, que se viva! Que se garanta a sobrevivência, que o resto é só fé, só fé, só fé...
Thiago Sobral.