Tempos difíceis
Vou falar de uma menina que nasceu no último dia de Escorpião, numa primavera de 1964 que parecia mais inverno, refletindo a frieza que já dominava a relação entre seus pais. Desde pequena, sua semelhança com o pai era inegável, embora ele próprio tenha questionado sua paternidade. A separação dos pais era apenas uma questão de tempo, e quando ocorreu, foi o marco de uma nova fase – não uma vitória para nenhum dos lados, mas para a própria vida, que seguiu seu curso.
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Recém-separada, a mãe precisou encontrar um emprego e, sem outra opção, deixou a menina sob os cuidados de uma irmã que já tinha muitos filhos. Entre os primos, sua infância foi de aventuras simples, repleta de brincadeiras no mato, subidas em árvores e caçadas de passarinhos e preás, que por vezes acabavam como refeição.
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A mãe a visitava a cada quinze dias, mas se chovesse, a visita era incerta. Um rio que transbordava nas tempestades tornava as estradas intransitáveis, isolando completamente a casa da tia.
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Certa vez, num domingo de chuva forte, um dos primos chegou com uma notícia que fez seu coração acelerar: sua mãe tinha chegado. Ela correu pelo terreiro enlameado, espantando as galinhas e os patos, e entrou na cozinha ofegante, onde sua tia estava.
— Cadê minha mãe? — perguntou ansiosa.
— Que mãe? — respondeu a tia, impaciente.
— Minha mãe! Meu primo disse que ela tinha chegado.
— Sua mãe não vem com chuva, menina. Não sabe disso? Agora vai pro mato! — respondeu a tia, num tom severo.
Debaixo da chuva, ela se sentiu ainda mais sozinha. Sem mãe, sem pai, e com um peso no peito. Pensou no pior... Quem sabe se ela pulasse no poço, sua mãe viria, nem que fosse para salvá-la, mesmo sob a tempestade. Ficou ali, encarando seu reflexo nas águas escuras, com seus cabelos lisos e pretos e o rosto pequeno. Tentava reunir coragem, até que o grito da tia a arrancou de seus pensamentos.
— Sai já daí, menina! O que pensa que está fazendo?
Ela obedeceu, como sempre fazia. Encontrou um cantinho só dela e, em meio ao barulho da chuva, sussurrou para si mesma: "Nunca vou gostar de chuva na vida..."
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Aqueles tempos foram duros. A tia, com pouco para oferecer, cuidava não só dos próprios filhos, mas também dos sobrinhos. Criavam galinhas e patos, mas os ovos eram trocados por feijão e farinha. A comida era escassa e dividida com precisão; ninguém ousava pedir mais.
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Os dias passavam devagar, um arrastar de horas.
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Até que um dia, um domingo ensolarado, sua mãe chegou com uma notícia que iluminou seu coração: finalmente tinham conseguido alugar uma casa, e logo se mudariam. Os olhos da menina brilharam de alegria. Teria uma casa só para ela, sua mãe e sua irmã. Uma cama só dela. Poderia estudar...
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Apesar de ainda ser pequena, ela já intuía que a vida não seria fácil. Mas, naquele momento, o que mais desejava era deixar as chuvas para trás e descobrir novos horizontes, mais ensolarados e cheios de esperança.:
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MMXXIV