Fuga dos fantasmas
Fuga dos fantasmas (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
A Fazenda das Limeiras fica situada no fim do mundo, dentro das Minas Gerais. A construção é antiga. Datada em média uns trezentos e tantos anos. Segundo alguns livros de história e pesquisando entre gerações, lá foi fazenda de produção de açúcar na época do Brasil colonial, possuindo muitos escravos.
Com o passar do tempo, gerações ali moraram e muitos trabalhadores plantaram os frutos do progresso.
Dona Mariinha foi a última moradora daquela fazenda. Com quase cem anos de idade, ela ali morou e chegou a hora de partir para a eternidade. Antes de sua viagem eterna, reuniu os filhos, quatro ao todo. Então, na presença do tabelião da cidade, fez a partilha dos bens. Pediu a todos que ficassem satisfeitos com as heranças recebidas. Ao primeiro filho foram dados duzentos hectares de terras. Ao segundo, a mesma fração, assim também com o terceiro e o quarto filho. A sede da fazenda ela doou, com os consentimentos dos quatro filhos, à empregada de muitos anos. Também anciã, com seus oitenta e tantos anos. Solteirona, sem filhos, e a vida toda dedicada ao trabalho na criação dos filhos de Dona Mariinha. Então, todos felizes, exceto uma das netas, que não concordava que a antiga empregada ficasse com a sede daquela linda e velha fazenda.
Dois meses daquela data, partiram para a eternidade, por coincidência as duas: a patroa e a empregada, no mesmo dia, no mesmo momento. Parece que combinaram a viagem eterna. Foi tristeza geral para todos, menos para a neta, que tinha pedido para a avó, quando a empregada morresse, ela tomaria posse da fazenda. Jurou que não venderia e permaneceria ali por toda sua vida na terra. Tudo foi acordado e em breve a neta tomaria posse da fazenda.
Nos sonhos e projetos da neta, estavam a transformação da sede em um grande hotel, uma hospedagem rural, com comidas típicas, cantoria nos finais de semana, área de churrasco, passeio a cavalo e caminhada na grande mata, próxima à fazenda, que já era de propriedade de seu pai. Tudo certo.
O tempo foi passando. Mariana e seu esposo, o José, recém casados, foram morar na sede da fazenda e seriam os mestres da hospedagem. Foram contratados e estavam executando os projetos da Márcia, a dona da sede da fazenda.
Todas as noites, após o cansaço serviço da sede, incluindo as reformas do imóvel, quando já de banho tomado e o jantar na barriga, o casal sentava-se à varanda e conversavam muito. Nas conversas, eles comentavam o que viram e ouviram dentro daquela casa. Volta e meia, algum talher caia da mesa ao chão. Não ventava, nem mesmo algum ventilador por perto. Ouviam eles passos sobre o velho assoalho. Arrastavam-se correntes em alguns cômodos. Portas e janelas abriam e fechavam sem ter ninguém por perto. Gargalhadas eram ouvidas e algumas rajadas de ventos passavam entre as pernas do casal. Ouviam gritos e choros partidos do porão e davam medos à esposa, mas ela sempre rezava e saia correndo para perto do marido. Estava tão difícil para o casal concluir os trabalhos. Certa noite, quando estavam deitados para dormir, algo começou a levantar a cama deles e pareciam que flutuavam pelo quarto. Saíram dali e foram terminar a noite na varanda. Estava muito difícil.
No mais tardar do dia, o casal perdeu a paciência e comunicou à proprietária do imóvel, que não mais iria morar ali. As coisas sobrenaturais estavam perturbando a vida dos dois. Entre conversas, Márcia propôs para o casal executar os serviços durante o dia e repousar na cidade, em casa que ela mesma alugaria para os dois. Foi aceito e a vida seguiu normalmente por mais dois ou três meses.
Neste período, o casal observava os mesmos acontecimentos. Estava difícil aguentar tudo aquilo, até mesmo conviver com fantasmas do passado, ali, naquele imóvel, ainda vivos. Pensavam eles em chamar o padre ou o pastor para rezarem, mas quando foi chamar o padre, este, gostando muito de andar de bicicleta, prontificou-se a ir, mas quando se aproximava da fazenda, desequilibrou-se e caiu. Na queda, quebrou a perna e o braço direito. Na semana seguinte, foi a vez do pastor, justamente próximo ao local onde o padre havia se acidentado, estava ele de motocicleta. Caiu e também quebrou a perna e o braço.
O casal já estava ficando preocupado. Os acontecimentos sobrenaturais pareciam não ter fim.
Quando a reforma acabou, Márcia chegou ao imóvel para recebê-lo e acertar parte final dos serviços do casal. Tiveram eles contratempo, porque Márcia não quis pagar o valor combinado. Márcia, então, conforme conhecida da cidade, era uma pessoa muito ruim. Não gostava de pagar ninguém. Era miserável, egoísta, não dava valor ao trabalho de outras pessoas, ambiciosa, etc... Descobriram que o marido dela terminou o casamento, porque não aguentava mais os modos e costumes. Saiu de casa e não mais voltou. Sorte que eles não tinham filhos.
As conversas deles estavam chegando ao limite. Ela dizia que não pagaria o valor combinado e o casal retrucava que teve prejuízos com os serviços e queria receber o preço justo. Tudo foi em vão.
O casal ficou chateado e resolveu ir embora para sua cidade. Ele sendo engenheiro e mestre de obras, juntamente com a esposa, recebeu outra proposta de serviço. Desta vez, iria coordenar a construção de um prédio de quinze andares na capital.
Márcia, olhando para a obra toda completa disse em voz bem alta que mudaria para aquele local no outro dia. De repente, escutou ela vozes e arrastões sobre o assoalho, correntes sendo arrastadas, portas abrindo e fechando e um grito bem forte que dizia: “Você, Márcia, pessoa má, sem coração, sem alma, gananciosa, não gosta de pagar o que deve, sem religião, de péssimos hábitos, vir morar aqui? Então decidimos, nós os fantasmas desta casa, vamos todos embora, porque você é pior do que nós.”