Lá se foram os heróis da literatura...

 

 

Resumo: Nas derradeiras décadas, aventa-se o fim da literatura e, em verdade, trata-se do fim de um tipo de literatura. Ao mesmo tempo que se multiplicaram-se romances cuja principal personagem é um escritor. Existiram grandes escritores como Rimbaud, Flaubert, Dostoiévski, Virginia Woolf e Fernando Pessoa. Os romances, as obras, as narrativas e a prosa seguiram novas vertentes que tornearam toda sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Heróis. Literatura. Modernidade. Fim da literatura. História da literatura.

 

 

 

Foi no seu derradeiro curso no Collège de France (1980) que Roland Barthes[1] observou que a grande literatura estava francamente definhando na prática e no ensino. O grande romance era mesmo um gênero impossível para o escritor do final do século XX, porque o mundo, o conhecimento e o próprio humano estavam fragmentados e, a escrita de ficção já não poderia recolhê-los no velho molde do romance. Sobre os grandes escritores do passado que ele olhava ora com admiração, ora com inveja.

 

Denunciou o desparecimento dos líderes literários, que ainda é uma noção social, o líder é uma figura na organização da cultura. Na comunidade dos escritores outra palavra se impõe, menos social e mais mítica: a de herói. Baudelaire[2] e Poe seriam um dos maiores heróis literários. E, tal figura ou essa força do herói literário que perde atualmente sua vitalidade.

 

Aliás, o final do século XX assistiu o anúncio de muitos fins, o fim da história, o fim dos grandes relatos, fim das utopias, fim da cultura ocidental, fim dos intelectuais e até o fim da arte. Todas essas mortes ou fins anunciados revelavam o crescente nível de mutações. A literatura não escapou das mutações da virada, e muitos anunciaram seu fim, cujos principais sintomas seriam o desaparecimento da espécie chamada de grande escritor e encolhimento do público leitor.

 

Ao longo do século XX, vários críticos especularam sobre a morte da literatura, foi o caso de Sartre, Blanchot e Octavio Paz[3]. Já no século XXI a mesma possibilidade continuou aventada por escritores como Vargas Llosa e Milan Kundera. E, em 2005, na França foi publicado um ensaio intitulado "O adeus à literatura. História de uma desvalorização”, mas, felizmente, nenhum desses fins se concretizou e, apesar do pessimismo de George Steiner[4] que sentenciou que os bons livros estão ameaçados de desaparecimento.

 

Quando se cogita em literatura estamos nos referindo a uma prática e instituição relativamente recentes. Pois sua prática de linguagem diferenciada e superior às outras artes se materializou como meio de conhecimento.

 

Aliás, foi a concepção de literatura peculiar ao romantismo que predominou até sua radicalização, quando da passagem do século XIX para o XX, com Mallarmé: "Sim, que a literatura existe e, por assim dizer, sozinha, à exceção de tudo" (La musique et les lettres).

 

Enfim, a defesa da literatura se tornou um ato de heroísmo. E, mesmo Thomas Carlyle já havia anunciado que o poeta é um herói. Em suas famosas conferências intituladas "O herói como homem de letras" e "O Poeta como herói" ambas de 1849 onde observou que os heróis de tipo divino e profético pertenciam ao tempo remoto e já não eram cultuados no mundo moderno.

 

Carlyle propôs que os escritores eram os heróis das novas eras.  E, assim apontou para Shakespeare, Goethe e Dante como heróis nacionais de seus respectivos países.

 

As principais ideias expostas por Thomas Carlyle foram: a difusão da imprensa trouxe nova forma de heroísmo que manterá nas eras futuras; o escritor deve ser encarado como mais importante das pessoas modernas; a vida de um escritor permite conhecer melhor o tempo que o produziu e no qual viveu; a função do escritor é a mesma que as eras passadas atribuíam ao Profeta, ao Sacerdote e à Divindade; A literatura é um forma de revelação; a sociedade contemporânea oferece condições difíceis para o escritor, do ponto de vista moral e material; no entanto, ela deveria reconhecer sua importância e dar-lhe o governo das nações; o herói homem-de-letras merece ser adorado e seguido por adoradores; mas permanece tranquilo e indiferente à celebridade; o herói-homem-de-letras não é um vitorioso, mas um herói que tombou (a fallen hero).

 

Antes de Fichte[5], Carlyle apontava a difusão da imprensa, na forma do mercado livreiro e do jornalismo, como uma das razões da vulgaridade do tempo em que viveram os seus heróis-homens-de letras, tais como Johnson, Rousseau e Burns: "Aquele não era um tempo de Fé - um tempo de Heróis! A própria possibilidade de heroísmo tinha sido, como foi formalmente abandonada em todas as mentes.

 

Carlyle já tinha noção deque fazia o elogio de uma classe condenada de escritores. Afirmou: "São antes as tumbas de três Heróis Literários quee tenho de mostrar a vocês. Aqui estão os escombros monumentais sob os quais estão enterrados três heróis espirituais. Muito fúnebre, mas também grande e cheio de interesse para nós.

 

A conferência de Carlyle[6] intitulada "O herói como homem de letras" se encerra com esta metáfora: "Segundo Richter, na ilha de Sumatra há uma espécie de lanterna: grandes pirilampos que as pessoas prendem em espetos, para iluminar com eles o caminho, à noite". Eles podem, assim, deslocar-se com uma agradável radiância, que pode admirar. Honra  seja  feita  aos  Pirilampos!” .  O texto  termina  com  uma  adversativa  irônica:  “Mas  -!”  [“But  !”].

 

Podemos ainda ler esse: "Mas ! da seguinte maneira: apesar de sua preciosa luminosidade, os homens de letras são desprezados, usados e mesmo sacrificados pela burguesa".

 

Já na segunda metade do século XIX, Baudelaire classificava como heroica a vida de Edgar Allan Poe e, Walter Benjamin (1994) usou a palavra herói com uma conotação paródia, in litteris:

 

    "Baudelaire conformou sua imagem de artista a uma imagem de herói. [...] O herói é o verdadeiro objeto da modernidade. Isso significa que, para viver a modernidade, é preciso uma constituição heroica. [...] Os poetas encontram o lixo da sociedade nas ruas e no próprio lixo seu assunto heroico".

 

Porém, esse heroísmo dos poetas modernos é postiço. Flâneur, apache, dândi e trapeiro, não passavam de papéis entre outros. Pois, o herói moderno não é herói apenas representa o papel de herói. A modernidade heroica se revela como tragédia onde o papel herói está disponível.

 

E, a partir da segunda metade do século XIX, já não havia lugar para o heroísmo guerreiro, e o leitor já não considerava os artistas como semideuses.

 

Apesar disso, o ideal heroico persistiria na mente e na alma dos escritores, com leves modificações, até o início do século XX e, para os derradeiros românticos da modernidade, a literatura era sagrada, merecia todo o sacrifício, incluindo a própria vida pessoal.

 

Eis que tal entrega à literatura, segundo Jorge Luis Borges (1957) teria sido de Gustave Flaubert, que foi o primeiro Adão da nova espécie: a do homem de letras como sacerdote, como asceta e quase mártir. E, muito similar à Flaubert, outros escritores surgiram tais como Mallarmé, Virginia Woolf, Proust, Kafka, Fernando Pessoa e, tantos outros inseridos nas infinitas reticências...

 

Ainda em 1903, Rilke[7] (2005) aconselhava ao jovem poeta: " “Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?”.

 

Tanto Rilke como outros escritores citados falam da vocação literária como  missão  irrecusável,  difícil  de  ser  assumida,  implicando  solidão,  trabalho insano, desamparo e abdicação dolorosa à normalidade social, mas, ao mesmo tempo, como intensamente compensadora num plano superior ao da vida individual.

 

De fato, a vida desses escritores devotados à literatura foram moldadas pela total entrega de suas pessoas à prática artística e à reflexão filosófica, de tal forma que adquiriram caráter heroico. Destaque-se que Stefan Zweig dedicou uma obra intitulada "O combate com o demônio", a três desses heróis: Kleist, Holderlin e Nietzsche. Era um romântico tardio, afirmou Zweig.

 

In litteris: “Sem  ligação  com  seu  tempo,  incompreendidos  por  sua  geração,  eles  passam como  meteoros,  brilhando  com  uma  breve  luz  nas  trevas  de  sua  missão.  Eles mesmos ignoram o que são e o caminho que trilham, porque vêm do infinito, para  ir  ao  infinito:  na  ascensão  e  queda  rápidas  que  constituem  sua  vida,  mal tocam o mundo real. Algo de extra-humano age neles, uma força maior do que eles e à qual se sentem submetidos; eles não obedecem à sua vontade, são possuídos, escravos de uma potência superior, de um demônio”.

 

Tzvetan Todorov (2006) depois de meio século lançou-se a uma empreitada semelhante à de Zweig, publicando uma obra intitulada "Os aventureiros do absoluto". Onde mencionou literalmente: "Três  grandes  artistas  do  passado  recente,  Oscar  Wilde,  Rainer  Maria  Rilke, Marina Tsvetaeva colocaram essa aventura no coração de suas existências. Não contentes  de  criar  obras  de  arte  inesquecíveis,  quiseram  colocar  suas  próprias vidas a serviço do belo e da perfeição. Entretanto, essa busca levou o primeiro à decadência física e psíquica, o segundo à depressão dolorosa, e a terceira ao suicídio".

 

Todorov não manifesta admiração por essa escolha de vida, porque seu objetivo não é estético, é moral. E, assim podemos refletir em que consiste uma vida bela e rica de sentido. Trata-se, portanto, de um reflexão sobre a arte de viver quee, segundo Todorov[8] (2006), esses artistas não souberam praticar, já que todos, a seu ver, acabaram mal. As conclusões de seu livro são moralistas, a favor de outra via: a busca da qualidade de vida, do aperfeiçoamento pessoal, do amor.

 

Não interessa, ao escritor e ensaísta que esses "infelizes" tenham deixado, em suas obras, valores maiores do que os da felicidade individual. Ao contrário de Zweig[9] que escrevia: "é somente graças aos espíritos desmensurados que a humanidade reconhece sua medida extrema".

 

Atualmente, relidos tais testemunhos dos escritores da modernidade sobre o custo elevado pago por sua vocação nos parecem muito antigos, na medida em que atualmente a escolha e a assunção da profissão de escritor não tem, para a maioria deles, nada de radical e muito menos de trágico.

 

Escrever não intimida mais ninguém. Publicar não é alvo de dúvidas metafísicas e existenciais, é apenas uma questão de achar o editor, de editar por conta própria ou ainda de colocar o texto na internet.

 

Ter êxito também não tem mais a ver com a realização de um grande projeto como obra, livro etc. Ao revés do solipsismo do gênio de que cogitava Adorno, do recolhimento na torre de marfim assumido pelos heróis da alta modernidade, a maioria dos escritores da modernidade tardia busca o imediato reconhecimento sob a forma da fama.

 

O aplauso da crítica é bem-vindo, embora seja dispensável. Não é concebido como confirmação de que os tormentos da escrita valeram a pena, é mero afago ao ego. Ter êxito é sobretudo uma questão de tiragem e, consequentemente, uma questão de publicidade.

 

E, não é apenas das editoras, mas passa pela contratação de agentes literários, pela mídia, pelos prêmios, e exige do escritor constantes aparições públicas, em entrevistas, salões de livros, feiras, festas literárias, numa ubiquidade global. E, o tempo dedicado à escrito e à solitude dessa prática, fica, dessa forma, bastante reduzido. Quanto ao sofrimento de escrevem já não se ouvem mais queixas.

 

Na conclusão de seu curso, Roland Barthes (2005) expunha as razões pelas quais ele mesmo não poderia escrever o anunciado romance. Literalmente: Então, essa obra, por que não a faço – imediatamente, ainda não? [...]

 

Talvez certo embaraço “moral”: o curso o diz suficientemente, estando todo encerrado na consideração desejante das obras do Romantismo largo (Flaubert, Mallarmé[10], Kafka, Proust). Colocação entre parênteses das obras da Modernidade contemporânea.

 

Ora, entre os “mil trabalhos atuais”, destaca-se um subgênero romanesco  que  tem  crescido  visivelmente  desde  os  anos 80  do  século  XX:  o  romance que  tem  por  personagem  principal  um  “grande  escritor”,  isto  é,  um  daqueles “heróis” da literatura em sua época áurea. Não se trata de biografia, no sentido estrito, mas de invenção ficcional que joga tanto com os dados biográficos como com dados colhidos na obra desses escritores.

 

Por terem uma grande parte de invenção, mas invenção fundamentada em pesquisa biográfica e conhecimento das obras, esses romances têm uma função crítica implícita (escolha, interpretação, ênfase em determinados temas, alusões e intertextos).

 

Somente  a  título  de  exemplo  e  em  ordem  cronológica  de  publicação: Leonid Tsípkin, Verão em Baden-Baden(1981); Julian Barnes, “O  papagaio de Flaubert”(1984); José Saramago, “O ano da morte de Ricardo Reis”(1984); J. M. Coetzee, Foe(1986); Bernard-Henry Lévy, “Les derniers jours” de Charles Baudelaire (1988);  Bernard  Pingaud, “Adieu  Kafka” (1989);  Pierre  Michon, Rimbaud  o  filho (1991);  Jeremy  Reed, Isidore (1991);  Antonio  Tabucchi, “Requiem” (1992)  e “Os três últimos dias de Fernando Pessoa” (1994); J. M. Coetzee, “O mestre de Petersburgo” (1994); John Crowley, Lord Byron’s Novel (1995); J. M. Le Clézio, “La quarantaine”(1995);

 

Guy Goffette, Verlaine d’ardoise et de pluie; Alícia Jimenez Bartlett, “A casa de Virginia W.” (1997); Michael Cunningham, “As horas” (1998); Colm Tóibín, “O mestre”(2004); David Lodge, “Author, author”(2004).

 

Escritores brasileiros também têm dedicado romances a “heróis da literatura”.  Alguns exemplos: Silviano Santiago, “Em liberdade” (1981); Luis Antonio de Assis Brasil, “Os cães da província”(1986); Ana  Miranda, “Boca  do  Inferno” (1989), “A  última  quimera” (1995)  e “Dias  e  dias” (2002); Ruy Câmara, “Cantos de outono”, “O  romance da vida de Lautréamont” (2003); Antonio Fernando Borges, Memorial de Buenos Aires (2006); Lúcia Bettencourt, “A secretária de Borges” (2006); Wilson Bueno, “O copista de Kafka” (2007); Julián Fuks, “Histórias de literatura e cegueira” (Borges, João Cabral e Joyce) (2007).

 

Questiona-se por que essa tendência crescente dos escritores atuais a transformar os escritores em personagens? Pastiches, reescrituras ou continuação de obras célebres são antigas práticas.

 

O relevante é o fato de os escritores se tornarem personagens centrais de ficção. E, note-se que a palavra "herói" na Antiguidade grega, significa semideus, autor de grandiosos feitos. Na era moderna passou a significar o protagonista de uma obra de ficção. E, os dois sentidos se aplica ao ora abordado.

 

A biografia, por exemplo, como gênero literário é também um gênero híbrido, misturando dados históricos e ficção e, por isso, durante algum tempo, fora vista com franca desconfiança pelos historiadores e com certo desdém pelos críticos literários. E, nas derradeiras décadas, no entanto, as biografias têm conquistado o apreço de grande público de leitores, e ainda conquistou o respeito dos historiadores.

 

Em seu livro "O desafio biográfico"[11], o historiador François Dosse[12] (2009) afirmou que, desde o começo dos anos 1980, assistimos verdadeira explosão biográfica, que se apodera dos autores assim como do público, como em febre coletiva não desmentida.

 

 E, Dosse (2009) explicou essa explosão, in litteris: "A humanização das ciências humanas, a era do testemunho, a busca de uma unidade entre o pensar e o existir, o questionamento dos sistemas holísticos, assim como  a  perda  da  capacidade  estruturante  dos  grandes  paradigmas,  todos  esses elementos contribuem para o entusiasmo atual pelo biográfico".

 

Então, o  leitor  espera  informações  autênticas  e o  biógrafo  se  compromete  a  fornecê-las.  No  caso  das  obras  que  nos  ocupam, elas se apresentam claramente como ficção (muitas delas têm, abaixo do título, a menção “romance”).

 

Vários dos escritores agora transformados em personagens  foram  objeto  de  alentadas  biografias  que,  às  vezes,  serviram  de  base  aos romances. Mas esses não pretendem se ater à biografia conhecida de seus heróis; pelo  contrário,  inventam  outros  episódios  ou  tratam  livremente  episódios  conhecidos.

 

Muitos deles relatam os últimos dias e a morte do escritor em pauta, provavelmente  porque  esses  últimos  momentos  permitem  um  balanço  de  sua existência e de suas obras. Em geral, os romancistas desse subgênero não narram a vida toda de um escritor.

 

Escolhem um período de sua biografia, às vezes apenas determinados acontecimentos e desenvolvem, a partir desses, considerações psicológicas, filosóficas, políticas etc. São ficções metaliterárias, que pressupõem pesquisa histórica e conhecimento literário da parte do autor, e um público já familiarizado, por outras vias, com a obra do escritor escolhido.

 

O grau de liberdade com relação à  verdade  histórica  é  variável,  as  maneiras  como  os  diferentes  escritores  atuais trabalham  esse  material  biobibliográfico  são  diversas  e  a  qualidade  literária  do resultado, evidentemente desigual.

 

A diferença entre o subgênero aqui focalizado e a biografia é, no entanto, clara. Embora fatalmente contaminada de ficção, a biografia tem um compromisso  com  a  verdade  dos  fatos  documentados.  “O  gênero  implica  um  pacto de verdade, como aquele que Philippe Lejeune define como ‘o pacto autobiográfico’”, diz François Dosse. Mesmo aquelas que se autodeclaram “biografias romanceadas”  respeitam  esse  pacto.

 

Então, o  leitor  espera  informações  autênticas  e o  biógrafo  se  compromete  a  fornecê-las.  No  caso  das  obras  que  nos  ocupam, elas se apresentam claramente como ficção (muitas delas têm, abaixo do título, a menção “romance”).

 

Vários dos escritores agora transformados em personagens  foram  objeto  de  alentadas  biografias  que,  às  vezes,  serviram  de  base  aos romances. Mas esses não pretendem se ater à biografia conhecida de seus heróis; pelo  contrário,  inventam  outros  episódios  ou  tratam  livremente  episódios  conhecidos.

 

Muitos deles relatam os últimos dias e a morte do escritor em pauta, provavelmente  porque  esses  últimos  momentos  permitem  um  balanço  de  sua existência e de suas obras. Em geral, os romancistas desse subgênero não narram a vida toda de um escritor.

 

Escolhem um período de sua biografia, às vezes apenas determinados acontecimentos e desenvolvem, a partir desses, considerações psicológicas, filosóficas, políticas etc. São ficções metaliterárias, que pressupõem pesquisa histórica e conhecimento literário da parte do autor, e um público já familiarizado, por outras vias, com a obra do escritor escolhido.

 

O grau de liberdade com relação à  verdade  histórica  é  variável,  as  maneiras  como  os  diferentes  escritores  atuais trabalham  esse  material  biobibliográfico  são  diversas  e  a  qualidade  literária  do resultado, evidentemente desigual.

Podemos detectar no vasto corpus de romances sobre escritores, algumas modalidades relevantes. E, quanto ao tipo do subgênero, eles assumem as diversas faces do romance moderno[13], tais como: romance, psicológico, filosófico, político, policial, diário, confissão, depoimento, pastiche etc. Quanto à postura do narrador com relação ao seu herói, encontramos várias atitudes, que vão da veneração, do epigonismo e da reabilitação, até a desvalorização e a contestação.

 

Quanto à matéria narrada, as escolhas também variam, a prioridade da biografia do escritor, da obra do escritor, do auto-narrador. Entretanto, tais modalidades aparecem mescladas em cada um dos romances referidos. O simples fatos de eleger um escritor do passado como protagonista de romance já é uma homenagem e uma celebração, mesmo que o romance contenha críticas e objeções aos heróis.

 

A breve e surpreendente vida de Rimbaud tem inspirado mais de um romancista e, não é por acaso, que o poeta das Iluminações, ao abandonar a literatura, tornou-se um marco-limite da modernidade.

 

Fernando Pessoa provavelmente seja o campeão em termos de ficcionalização, foi personagem de muitos romances, filmes, adaptações teatrais e até mesmo ballet. Sem esquecer o grande interesses de numerosos artistas plásticos por sua figura.

 

O primeiro grande romance inspirado em Fernando Pessoa foi escrito por José Saramago, intitulado "O ano da morte de Ricardo Reis"[14]. E, o personagem principal é o heterônimo de Pessoa, ele mesmo que aparece na trama como um fantasma que dialoga com seu alter ego. Ao escolher esse tema, Saramago pretendeu completar a breve biografia de Reis escrita por Pessoa.

 

 Já que esse não forneceu a data da morte do heterônimo, o romancista se permitiu imaginar o que teria acontecido com Reis depois de seu “exílio no Brasil”, mais precisamente, no ano de 1936.

 

Esse ano corresponde a funestos acontecimentos: a ascensão de Salazar em Portugal, a revolução espanhola, o crescimento do nazismo e do fascismo na Alemanha e na Itália. Saramago inventa situações que colocam em xeque o poeta que pregava uma filosofia cética e contemplativa, e a abstenção de qualquer participação ativa na realidade, dizendo: “Sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo”.

 

Ora, ao voltar do Brasil em 1936, e ao inteirar-se dos acontecimentos europeus, Reis percebe que não é fácil manter-se neutro e indiferente. As experiências pessoais que o romancista atribui ao poeta também o obrigam a rever sua filosofia.4Como outros romances de Saramago, esse implica uma reflexão filosófica e política. Mas não apenas isso.

 

O cenário e a vida cotidiana lisboetas em 1936 são reconstituídos com uma consistência assombrosa, que raramente se encontra nas  obras  de  história  ou  de  sociologia.

 

Transportando o leitor para aquela cidade sombria e atrasada, a suposta vida de Reis cumpre aquela função destacada por Walter Benjamin[15] (1991) a do historiador-materialista, em “Sobre o conceito de história: romper  a  continuidade  histórica  para  extrair  dela  determinada  época:  "romper igualmente a continuidade de uma época para extrair dela uma vida individual [...] mostrar como a vida inteira de um indivíduo cabe em uma de suas obras, em um de seus fatos; como, nessa vida, cabe uma época inteira; e como, numa época cabe o conjunto da história humana".

 

De fato, como um fantasma de Fernando pessoa que aparece no romance Requiem, de Antonio Tabucchi, não para assombrar, mas o próprio narrador que numa peregrinação segue os passos do poeta e, questiona sua própria vida e identidade.

 

Tendo descoberto a obra de Pessoa vários anos antes, o romancista italiano apaixonou-se  por  Portugal  e  pela  língua  portuguesa,  e  foi  nessa  língua  que  redigiu Requiem,  posteriormente  traduzido  para  o  italiano.  Anteriormente,  ele  já  havia feito referência à Pessoa em Noturno indiano, que narra uma estranha viagem à Índia onde, entre muitos encontros, o narrador depara com um mestre em teosofia que cita o poeta português.

 

Sempre fascinado pelo poeta, Tabucchi voltou a ele em 1994, no romance os últimos três dias de Fernando Pessoa. Um delírio. Nesse breve romance, Tabucchi narra o que teriam sido os últimos dias do poeta, no Hospital de São Luís dos Franceses, em novembro de 1935.

 

Em seu leito de morte, Pessoa recebe a visita de seus heterônimos, e acerta suas contas com eles. Os romances pessoanos de Tabucchi são obras de homenagem, em que a figura do poeta suscita um devaneio (vejam-se os subtítulos: Uma alucinação, Um delírio) e a criação de um mundo onírico e poético.

 

Também Dostoiévski foi transformado em personagem e tem a sorte de seduzir os romancistas do século XX. “Verão em Baden-Baden”[16], de Leonid Tsípkin (2003) misturou basicamente dois gêneros: o de um diário onde é narrada a peregrinação do autor do romance nos passos do escritor russo, narração em primeira pessoa, e um relato ficcional da temporada que Dostoiévski passou em Baden-Baden, com a jovem esposa, em 1867 (narração na terceira pessoa). E, alternou duas temporalidades: a da URSS na segunda metade do século XX e os vários períodos da vida do escritor russo até sua morte, longamente escrita ao final.

 

Dostoiévski aparece no romance como quase demente, epilético, jogador compulsivo, mal-humorado, ressentido,  mau  marido.  Entretanto,  o  livro  é  o  resultado  de  uma  paixão  do autor, ao qual a irmã pergunta: “Você continua apaixonado por Dostoiévski?”.

 

Essa paixão é, ao mesmo tempo, uma rejeição, pelo fato de o autor ser judeu e Dostoiévski ter sido antissemita: “por que é que me sentia tão estranhamente seduzido e atraído pela vida desse homem que desprezava a mim e a meus semelhantes?”.

 

As angústias de Dostoiévski têm outra origem, mas as do autor do romance as associam às suas próprias, decorrentes de sua situação numa União Soviética totalitária e policialesca. Diferentemente de outros romances sobre escritores, esse não mimetiza o estilo de seu herói.

 

Embora centrado no jogo, com o qual Dostoiévski pretendia salvar suas finanças, o romance de Tsípkin tem um clima sombrio, totalmente diverso daquele da novela Um jogador, um dos raros textos bem-humorados do grande escritor russo.

 

Notável é o romance de J.M. Coetzee, intitulado "O mestre de Petersburgo"[17]. A obra não trouxe a menção de romance, mas é claramente ficcional, na medida em que narra um episódio não confirmado da biografia de Dostoiévski, o encontro dele com o anarquista Serguei Nietcháiev em 1869. O autor russo foi a cidade de Petersburgo à procura de seu enteado Pável, que morreu de forma misteriosa e teria sido seguidor do anarquista.

 

Trata-se de romance crítico que mistura literatura, filosofia e política. É o confronto do autor russo, espiritualista obcecado com o mal que devora as almas eslavas e a própria, com o anarquista que era um jovem niilista e amoral, terrorista  cego para quem todos os crimes se justificam em nome da Revolução. As conversas entre ambos são elevadas em metafísica, sobre a natureza do Bem e do Mal e, são misturadas em remorso com relação ao seu enteado.

 

No final, deparamos com o desencanto de Dostoiévski: A história está terminando; os velhos livros de relatos logo serão atirados ao fogo; nesse tempo morto entre o velho e o novo, todas as coisas são permitidas. Ele não acredita especialmente em sua resposta, tampouco desacredita. [...] Escreve para si mesmo. Escreve para a eternidade.

 

Escreve para os mortos. Mas ao mesmo tempo que se senta ali tão calmo, é um homem apanhado num redemoinho. (Coetzee, 2003) Conclui que o sobrinho Pável foi um mártir. “O que é um mártir? – Alguém que se entrega ao futuro [...] Uma guerra: velhos contra jovens, jovens contra velhos”.

 

O escritor acredita que teria perdido sua alma ao escrever e vender livros. A última palavra do romance é “desespero”. Entretanto, deixa ao leitor a reflexão de que Dostoiévski, como escritor, também foi “alguém que se entregou ao futuro”.

 

Outro escritor que se tornou herói de dois romances é Henry James[18]: o mestre, de  Colm Tóibín (2005), e Author, author, de David Lodge (2004). O romance de Lodge foi publicado seis meses após o de Tóibín e, em certa medida, dialoga com esse. Ambos focalizam o mesmo período da obra de James (a meia-idade e o meio da obra), e várias cenas da vida do escritor são exploradas nos dois livros. Ambos colocam James, dramaturgo malogrado, em contraponto com  o  exitoso  Oscar  Wilde,  que  o  fascinava.  Enquanto  Tóibín  explora  a  vida interior de James, seus problemas sexuais e psicológicos, Lodge mostra um James mais superficial, sociável e loquaz.

 

 O romance de Tóibín se sustenta como obra autônoma, inventiva, intertextual, enquanto o de Lodge pouco se afasta da biografia e prefere o humor ao drama. Note-se que, diferentemente de Tóibín e como outros romancistas enquadrados nesse que chamamos um “subgênero”, Lodge descreve a cena de morte de James, e suas últimas palavras, exatamente como elas constam das biografias do escritor.

 

Dois romances têm Virginia Woolf como protagonista: “As horas, de Michael Cunningham” (1999), e “A casa de Virginia W.[19]”, de Alícia Jimenez Bartlett (2005). O romance de Cunningham tem uma estrutura ardilosa.

 

Começa com a narrativa do suicídio de Virginia Woolf[20] em 1941, numa espécie de prólogo que assombrará todo o romance. Cunningham entrelaça, a partir daí, três histórias: a  da  escritora  inglesa  nos  anos 1920,  a  de  Clarissa,  uma  bem-sucedida  nova-iorquina nos anos 1990, e Laura, uma suburbana de Los Angeles nos anos 1950. E há uma quarta história subentendida: a de Clarissa, personagem do romance Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf.

 

Há um paralelismo entre a história das duas Clarissa que permite a Cunningham atualizar os dramas narrados em Mrs. Dalloway, substituindo os traumas da Primeira Guerra pela epidemia de Aids, transformando a homossexualidade feminina latente em relação estável assumida, mas mantendo a sensação de vazio existencial,  o  medo  da  loucura  e  a  tentação  do  suicídio.

 

 A  história  de  Laura, grávida e entediada em seu casamento com um veterano da Segunda Guerra, ao mesmo tempo que mostra a situação da mulher americana em meados do século XX, coloca, com delicadeza, a questão do amor materno, que implica a decisão entre a vida e a morte. É admirável a habilidade de Cunningham em amarrar essas histórias, sem nunca perder de vista a obra de Virginia Woolf.

 

Laura, no hotel em que se refugia,  lê Mrs.  Dalloway, e  a  Clarissa  de 1990  é  apelidada  exatamente  de Mrs. Dalloway. Trançando não apenas a biografia da escritora inglesa, mas também seu romance com a história dessas mulheres, que vivem em lugares diversos e tempos  posteriores,  Cunningham  escreveu  uma  das  mais  complexas  obras  do subgênero  que  estamos  examinando,  uma  obra  que  trata  não  apenas  de  uma escritora do passado, mas evidencia a força persistente da literatura no trato com as questões mais importantes da vida humana.

 

O livro de Bartlett é mais modesto. É uma ficção baseada no confronto dos diários de Virginia Woolf e o de sua empregada Nelly. O narrador é ora o autor, que explica como nasceu o livro, ora Nelly.

 

O livro visa mostrar o contraste entre as ideias feministas-libertárias de Virginia Woolf e do grupo de Bloomsbury com a vida dura das empregadas da casa, Nelly e Lottie, que vivem em “casa alheia” e não têm casa própria.

 

Virginia Woolf não é visada como escritora. O que interessa à autora é o ambiente social inglês de seu tempo e a condição feminina.

 

É notável a frequência com que os escritores-personagens aparecem sob a forma de fantasmas ou assombrações. O exame dessas ocorrências à luz das reflexões de Jacques Derrida[21] sobre o tema do “espectro” seria, certamente, muito proveitoso.  Para  Derrida (1993),  o  espectro  é  o  que  nos  vem  do  passado,  da tradição, e que deve ser acolhido para que se faça o trabalho do luto e se dê lugar ao porvir.

 

Nesse sentido, o filósofo colocava a “espectrologia” (hantologie) na própria base da desconstrução. Herdar, segundo ele, é “explicar-se com vários espectros”. Não é isso o que fazem os escritores atuais com os antecessores que os “assombram”?

 

Em busca de novos rumos, esses ficcionistas atuais olham,  com  uma  nostalgia  que  não  os  paralisa,  para  seus  antepassados,  cujas vidas e obras eles revitalizam em obras que trazem a marca de nosso tempo.

 

A escrita de cada um deles não é uma imitação anacrônica e estéril. Esses romances  sobre  escritores  são,  como  dizia  Carlyle  há  quase  dois  séculos  e  Mallarmé há pouco mais de um, belas tumbas (tombeaux): enterros e celebrações, ambos necessários para que a literatura, assumindo novas formas.

 

Cumpre enfatizar que as características do perfil do herói estão relacionadas pelo contexto sócio-histórico da narrativa onde está inserido. A cada século pode-se caracterizar o herói por diferentes formas narrativas.

 

No século XIX no romance literário, no século XX, no cinema e no século XXI, por sua vez, em seriados televisivos. Todas as histórias são formadas a partir dos mesmos elementos estruturais, os quais são encontrados também em mitos, contos de fadas, sonhos, filmes e seriados que mostram a jornada do herói.

 

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[1] Roland Barthes (1915-1980) foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Formado em Letras Clássicas em 1939 e Gramática e Filosofia em 1943 na Universidade de Paris, fez parte da escola estruturalista, influenciado pelo linguista Ferdinand de Saussure. Crítico dos conceitos teóricos complexos que circularam dentro dos centros educativos franceses nos anos 1950. Entre 1952 e 1959 trabalhou no Centre national de la recherche scientifique – CNRS. Barthes usou a análise semiótica em revistas e propagandas, destacando seu conteúdo político. Dividia o processo de significação em dois momentos: denotativo e conotativo. Resumida e essencialmente, o primeiro tratava da percepção simples, superficial; e o segundo continha as mitologias, como chamava os sistemas de códigos que nos são transmitidos e são adotados como padrões. Segundo ele, esses conjuntos ideológicos eram às vezes absorvidos despercebidamente, o que possibilitava e tornava viável o uso de veículos de comunicação para a persuasão. Foi diretor de estudos da "Escola de Altos Estudos e Ciências Sociais" e professor do Collège de France é um dos principais animadores do pós-estruturalismo e da semiologia linguística e fotográfica na França.

[2] Charles Pierre Baudelaire (1821-1867) foi um poeta, ensaísta, tradutor e crítico de arte francês. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra influenciou muito as artes plásticas do século XIX.

[3] Octavio Paz Lozano (1914-1998) foi poeta, ensaísta, produtor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1990. Em 1945, ingressou no serviço diplomático mexicano. Quando morava em Paris, testemunhou e viveu o movimento surrealista, sofrendo grande influência de André Breton, de quem foi amigo. Em sua criação, experimentou a escrita automática, tendo praticado posteriormente uma poesia ainda vanguardista, porém mais concisa e objetiva, voltada a um uso mais preciso da função poética da linguagem. Fã da atriz e diretora Beatriz Sheridan, exigia sua presença para a leitura de seus poemas.

[4] Francis George Steiner (1929-2020) foi um crítico literário, professor na Universidade de Cambridge e Genebra. Entre seus admiradores, Steiner é classificado "entre as grandes mentes do mundo literário da atualidade". O romancista inglês A.S. Byatt o descreveu como um "homem renascentista tardio, tardio, tardio ... um metafísico europeu com um instinto para as ideias motrizes de nosso tempo".  Harriet Harvey-Wood, ex-diretora de literatura do British Council, descreveu-o como um "magnífico conferencista - profético e carregado de desgraças [que] apareceria com meia página de notas rabiscadas e nunca se referiria a elas".

[5] Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) foi um filósofo alemão pós-kantiano e o primeiro dos grandes idealistas alemães. Sua obra é considerada como uma ponte entre as ideias de Kant e Hegel, mas ele também tem sido reconhecido como importante filósofo no seu próprio mérito graças às suas inovações como a ideia do "Eu absoluto" e os conceitos de tese-antítese-síntese, que são a base do que hoje se conhece por pensamento dialético. Assim como Descartes e Kant antes dele, Fichte se interessou pelo problema da subjetividade e da consciência humana. Fichte também escreveu trabalhos de filosofia política e é considerado, por alguns, como um dos idealizadores do nacionalismo na Alemanha.

[6] Thomas Carlyle (1795-1881) foi escritor, historiador, ensaísta, tradutor e professor escocês durante a era vitoriana. Ele chamou a economia de "ciência sombria", escreveu artigos para a Edinburgh Encyclopaedia e, tornou-se um polêmico comentarista social. Sua ideia de que a história pode ser interpretada através da vida dos heróis e dos chefes serviu-lhe de base para uma série de obras importantes: Oliver Cromwell's Letters and Speeches (Cartas e discursos de Oliver Cromwell), de 1845; Life of John Sterling (Vida de John Sterling), de 1851; History of Frederic II of Prussia (Vida de Frederico II da Prússia), que escreveu entre 1858-65. Tal modalidade de historiografia foi suplantada pela Escola dos Annales e pela Nova História. Em 1865, Carlyle foi nomeado reitor da Universidade de Edimburgo e ali recebeu a notícia da morte de sua esposa. Escreveu então Reminiscences (Reminiscências) e Letters and Memorials of Jane Welsh Carlyle (Memórias de Jane Welsh Carlyle), publicados postumamente.

[7] René Karl Wilhelm Johann Josef Maria Rilke (1875-1926) mais conhecido como Rainer Maria Rilke, ou por vezes também Rainer Maria von Rilke, foi um poeta e romancista austríaco. Ele é "amplamente reconhecido como um dos poetas de língua alemã mais liricamente intensos". Ele escreveu versos e prosa altamente lírica. Vários críticos descreveram o trabalho de Rilke como "místico". Seus escritos incluem um romance, várias coleções de poesia e vários volumes de correspondência em que invoca imagens que focalizam a dificuldade de comunhão com o inefável em uma época de descrença, solidão e ansiedade. Esses temas o posicionam como uma figura de transição entre escritores tradicionais e modernistas.

Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rilke morava em Munique e lá permaneceu durante todo o conflito. Antes de se mudar para Munique, ele viveu na região do Trieste e publicou, em 1913, a “A vida de Maria” (Das Merien Leben) e iniciou a redação de Elegias de Duíno (Duineser Elegien), texto que só viria a ser publicado em 1923. Duíno era um castelo na região de Trieste, Itália, onde Rilke morou por dois anos antes da Guerra, a convite da princesa Maria von Thurn und Taxis. Após o conflito na Europa, Rilke mudou-se para a Suíça, a última de suas pátrias de eleição, em que viveu seus últimos anos. Rilke possui uma obra original, marcada pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de "espaço cósmico interior". Sua poesia provocava a reflexão existencialista e instigava os leitores a se defrontarem com questões próprias do desencantamento da primeira metade do século XX. Sua obra foi influenciada pelo Expressionismo e influenciou muitos autores e intelectuais de diversas partes do mundo.

[8] Tzvetan Todorov (1939-2017) foi um filósofo, linguista búlgaro radicado em Paris, França desde 1963. O pensamento de Todorov direciona-se, após seus primeiros trabalhos de crítica literária sobre poesia eslava, para a filosofia da linguagem, numa visão estruturalista que a concebe como parte da semiótica (saussuriana), fato que se deve aos seus estudos dirigidos por Roland Barthes. Com a publicação de A Conquista da América, Todorov expõe suas pesquisas a respeito do conceito de alteridade, existente na relação de indivíduos pertencentes a grupos sociais distintos, cujo tema central encontra justificativa na situação do próprio autor, que é imigrante na França, um país onde supostamente a relação entre nacionais e estrangeiros é historicamente marcada por um xenofobismo não declarado.

[9] Stefan Zweig (1881-1942) foi um escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica. Seu sucesso como autor dramático foi confirmado em 1912, quando suas peças "A Metamorfose da Comédia" e "A Mansão à Beira-mar" foram apresentadas em Viena. Durante a Primeira Guerra Mundial, em 1915, casou-se com a escritora Friderike von Winsternit e comprou uma casa em Salzburgo, onde viveu por quinze anos. Foi uma das fases mais ricas de sua produção literária. Escreveu as biografias de Dostoievski, Dickens, Balzac, Nietzsche, Tolstoi e Stendhal. Anos mais tarde, lançou as biografias de Maria Antonieta, Fouché, Rilke e Romain Rolland. Em 22 de fevereiro de 1942, deprimido com o crescimento da intolerância e do autoritarismo na Europa e sem esperanças no futuro da humanidade, Zweig escreveu uma carta de despedida e suicidou-se com a esposa, Lotte, com uma dose fatal de barbitúricos, na cidade de Petrópolis, no Brasil. A notícia chocou tanto os brasileiros quanto seus admiradores de todo mundo. O casal foi sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis, de acordo com as tradições fúnebres judaicas.

[10] Stéphane Mallarmé (nome verdadeiro era Étienne Mallarmé) 1841-1898. Foi poeta e crítico literário francês. Mallarmé começou a publicar seus poemas na revista. O Parnaso Contemporâneo (Le Parnasse contemporain), editada na capital francesa na década de 1860, quando ele se mudou para o interior da França com o objetivo de ensinar inglês nas escolas da região. Dos 21 aos 28 anos o poeta viveu com a família em três cidades: Tournon, Besançon (terra de Victor Hugo) e Avinhão. Anos depois, Mallarmé conheceria os poetas Rimbaud e Paul Verlaine. Entre setembro e dezembro de 1874, Mallarmé dirigiu e escreveu La Dernière Mode. Gazette du Monde et de la Famille, uma revista feminina. Sob os pseudônimos de Marguerite de Ponty, Miss Satin, Zizy ou Olympe la négresse, entre outros, escrevia sobre moda, culinária e educação de crianças. Mallarmé desempenhou um papel fundamental na evolução da literatura no século XX, especialmente nas tendências futuristas e dadaístas. Está entre os precursores da poesia concreta, ao lado de Guillaume Apollinaire (1880-1918) e do escritor americano Ezra Pound (1885-1972).

[11] A palavra “biografia” só aparece nas línguas europeias no final do século XVII, porém a prática biográfica já existia há muito tempo. O caráter híbrido do gênero, a dificuldade de classificá-lo numa disciplina organizada, a pulverização entre tendências contraditórias, como a vocação romanesca e a ânsia de erudição, fizeram dele um subgênero pouco considerado pelo mundo acadêmico, mas de grande interesse entre o público leitor. François Dosse empreende uma história do gênero biográfico observando uma espécie de “libertação”, desde o início dos anos de 1980; esse fenômeno fez que as ciências humanas em geral, e os historiadores em particular, redescobrissem as virtudes do gênero. Seu caráter inclassificável, outrora considerado como uma característica desabonadora, tornou-se um trunfo: a escrita biográfica revelou-se um bom campo de experimentação para o historiador, que pôde constatar o caráter ambivalente da epistemologia de sua disciplina.

[12] François Dosse (Paris, 22 de setembro de 1950) é um historiador e sociólogo francês especialista em História dos Intelectuais. Professor de História Contemporânea na Universitaire de Formation des Maîtres at Créteil, é formado em História e Sociologia pela Université de Vincennes – Paris VIII, tendo desenvolvido seu doutorado na área de Teoria da História e Historiografia, com foco na Escola dos Annales. Ainda na carreira docente, François Dosse foi também professor de nível escolar nos liceus de Pontoise e Boulogne-Billancourt, além de Maître de conférences no Instituts universitaires de formation des maîtres (Versailles e Nanterre).

[13] Modernismo ou Movimento Moderno foi um movimento artístico e cultural que surgiu no começo do século XX. Seu objetivo era romper com o "tradicionalismo", experimentando novas técnicas de criação artística. O modernismo ficou marcado por transformações profundas, responsáveis por uma sensação de fragmentação da realidade. Os artistas modernistas sentiam a necessidade de mudar o meio em que viviam, experimentando novos conceitos.

Acreditava-se que as formas “tradicionais” das artes plásticas, literatura e música estavam totalmente ultrapassadas. Devia-se “criar” uma nova cultura, visando transformar as estruturas culturais e sociais já estabelecidas, substituindo-as por novas formas e visões.

[14] O romance de José Saramago que recebeu o Prêmio Nobel da Literatura em 1998 publicado em 1984, cuja personagem principal é Ricardo Reis, um heterônimo de Fernando Pessoa. Através dos dados biográficos de Ricardo Reis (criados por Fernando Pessoa), Saramago constrói a narrativa sobre um médico exilado no Brasil, desde 1919, por motivos políticos e que regressa a Portugal, em dezembro de 1935. O romance relata nove meses passados por Ricardo Reis em Lisboa até a data da sua morte em 1936. Quando chega à capital portuguesa, o Poeta instala-se num quarto de hotel e, posteriormente num apartamento. Durante sua permanência em Lisboa, vive situações curiosas: é seguido pela polícia, relaciona-se amorosamente com duas mulheres, Lídia e Marcenda, figuras das suas odes, e recebe várias visitas do fantasma de Fernando Pessoa. Este romance ganhou vários prémios: Prémio PEN Club Português (1984); Prémio D. Dinis da Fundação da Casa de Mateus (1986); Prémio Grinzane-Cavour (1987, Itália).

[15] Walter Benedix Schönflies Benjamin(1892-1940)foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gershom Scholem. Entre as suas obras mais célebres contam-se "A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica"(1936), "Teses sobre o Conceito de História" (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto "A Tarefa do Tradutor" constitui referência incontornável dos estudos literários

[16] Verão em Baden-Baden faz uma dupla jornada no tempo e no espaço. O narrador embarca num trem rumo a Leningrado (hoje São Petersburgo, assim como na época de Dostoiévski), em busca dos cenários da vida e da obra do autor de Crime e castigo. Ao lado dessa narrativa, que se equilibra entre ficção e autobiografia, outra viagem vai sendo recriada: aquela feita pelo romancista russo com sua jovem esposa Annya Grigorievna pela Alemanha, em 1867. A atribulada viagem do casal começou por Dresden e seguiu por Baden-Baden, Basiléia e Frankfurt. O escritor vivia numa miséria extrema, fugindo dos credores, e a compulsão pelo jogo o levava a gastar ainda mais. Além das adversidades, porém, o livro também revela o amor profundo que unia Fiódor e Annya. Última obra do soviético Leonid Tsípkin (1926-1982), Verão em Baden-Baden foi escrita sem a perspectiva de ser publicada. Graças a um amigo do autor, que driblou a censura do regime soviético e levou o texto para fora do país, parte do romance foi divulgado num periódico de Nova York pouco antes da morte de Tsípkin. O autor combina a arte do biógrafo com a liberdade do romancista. O resultado, como diz Susan Sontag no prefácio, é uma "das realizações mais belas, arrebatadoras e originais de um século de ficção e de paraficção".

[17] "O Nobel da Literatura J. M. Coetze recria ficcionalmente a vida de um dos maiores vultos da literatura mundial, o russo Fiódor Dostoievski, ""mestre de Petersburgo"", cidade onde decorre a acção, no ano de 1869, quando o autor de ""Crime e Castigo"" terá começado a escrever ""Os Demónios"", em que a personagem principal foi inspirada no anarquista Sergei Nechaev, autor do célebre folheto ""O Catecismo Revolucionário"". Nesta altura da sua vida, já Dostoievski havia abandonado os ideais da revolução, tendo-se tornado cristão ortodoxo, e suspeita que teria sido Nechaiev o responsável pela morte de Pavel, enteado do romancista."

[18] Henri James Jr (1843-1916) foi escritor nascido nos EUA e naturalizado britânico. Uma das principais figuras do realismo na literatura do século XIX. Autor de alguns dos romances, contos e críticas literárias mais relevantes da literatura de língua inglesa. A carreira literária de Henry James teve três etapas. A primeira foi na década de 1870, com "Roderick Hudson" (1876), "The American" (1877) e "Daisy Miller" (1879) e culminou com a publicação de "Retrato de uma Senhora", em 1881, cujo tema é o confronto entre o novo mundo com os valores do velho continente.

[19] Quando o nome Virginia Woolf é mencionado, a primeira coisa que nos vem à cabeça é que se tratava de uma mulher cujas ideias revolucionaram a forma de pensar as relações de gênero e classe. Muitos, porém, lembrarão dela com pesar, como uma figura frágil e atormentada que, a despeito de sua genialidade, decidiu tirar a própria vida. Mas em Nelly Boxall, que serviu à casa dos Woolf por 18 anos, ela inspirou outros sentimentos, além de admiração ou compaixão. Em seu diário, até então desconhecido da maioria dos fãs, Nelly revela uma inesperada faceta da autora. É difícil entender como a mulher que defendia os movimentos trabalhistas e que pregava que as mulheres deveriam lutar por um espaço só para si era a mesma que fazia suas empregadas dividirem um quarto minúsculo, sem conforto. Por outro lado, Nelly reconhece inúmeras vezes o privilégio de estar em meio a artistas e intelectuais, sem negar que essa convivência influenciou sua maneira de enxergar o mundo. Por quase duas décadas, ressentimento e admiração habitaram o mesmo recinto, mostrando quão difícil é ser coerente quando confrontamos ideais e realidade social.

[20] Adeline Virginia Woolf nascida Adeline Virginia Stephen (1882-1941) foi uma escritora, ensaísta, e editora britânica. Estreou na literatura em 1915, com o romance The Voyage Out, que abriu o caminho para a sua carreira como escritora e uma série de obras notáveis. Foi membro do Grupo de Bloomsbury e desempenhou papel importante dentro da sociedade literária londrina durante o período entre guerras. Foi uma das precursoras do uso do fluxo de consciência, técnica literária modernista que marcou seu estilo, o de James Joyce e William Faulkner.  Com seu trabalho de vanguarda, é uma das autoras mais importantes do modernismo clássico, ao lado de Gertrude Stein.

[21] Jacques Derrida (1930-2004).Foi um filósofo franco-magrebino que iniciou durante a década de 1960 a Desconstrução em filosofia. Esta desconstrução, termo que cunhou, deverá aqui ser compreendido, tecnicamente, por um lado, à luz do quee é conhecido como intuicionismo e construcionismo no campo da metamatemática, na esteira da obra de Brouwer e depois Heyting, ao qual Derrida irá adicionar as devidas consequências dos teoremas da indecidibilidade de Kurt Gödel e, por outro, a um aprofundamento crítica da obra de Husserl, Heidegger e Levinas na ultrapassagem da metafísica tradicional que ele vai apresentar como sendo uma metafísica da presença. A sua figura é diversas vezes alvo de críticas controversas, sobretudo por autores que se reclamam da tradição "analítica", pelas suas opções de escrita filosófica, em geral retomando opiniões expressas por John Searle na mídia, quando da sua polémica durante os anos 80. Refere-se várias vezes também nestas polémicas os nomes de Alan Sokal e Jean Bricmont, embora estes autores nunca o tenham tratado especificamente, tendo-o apenas referindo em entrevistas nas mídias, como parte do que identificam de forma difusa como "pensamento francês", o que não evitou que diversos jornalistas o tenham associado à polêmica.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/09/2024
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