Considerações sobre o gênero textual crônica

 

Resumo: Os principais aspectos da crônica como gênero que assumiu características próprias no Brasil, distanciando-se de suas origens. A perenidade da crônica ao se destacar do meio original, os jornais e revistas e galgar força literária por meio do suporte livro, com a transposição do trivial e cotidiano promovendo reflexões sobre política, economia, sociedade e, principalmente, da peculiar brasilidade de observação e narração irônica, sagaz e certeira.

 

Palavras-chave: Literatura. Crônica. Jornalismo. História. Imprensa brasileira.

 

 

Em verdade, a partir da origem etimológica da palavra "crônica" que vem do grego "khrónos" que significa tempo. De khrónis veio chronikós que significa ser relacionado ao temor. Já no latim existia a palavra "chronica" para designar o gênero que fazia o registro de acontecimentos históricos, verídicos, expostos numa sequência cronológica, sem maior aprofundamento ou interpretação dos fatos.

 

É um gênero textual que existe desde a Idade Antiga e, vem evoluindo. Aliás, os primeiros cronistas relatavam, principalmente, aqueles acontecimentos históricos relacionados com pessoas importantes, como reis, imperadores, generais e etc.

 

A respeito da crônica contemporânea é gênero que se consolidou por volta do século XIX, com a implantação da imprensa praticamente todas as partes do mundo. E, a partir dessa época, os cronistas além registrar a vida social, política, econômica cultural narram sobre o cotidiano de seu tempo. Isto é, em geral, importantes escritores começaram a usar o cotidiano de sua própria época, publicando-as em veículos de grande circulação.

 

Os cronistas recriam os fatos que relatam e escrevem sob o ponto de vista pessoal, buscando a sensibilidade do leitor. Tanto que as vezes esse tom chegam a se confundir com contos. Apesar de apresentar característica de literatura, o gênero também possui peculiaridades jornalísticas, por relatar de forma concisa e de ser publicado em jornais, as crônicas possuem existência breve, ou seja, interessam aos leitores que podem partilhar esses fatos com os autores por ter vivenciado experiências semelhantes.

 

Em verdade as características contemporâneas do gênero não estão relacionadas apenas ao desenvolvimento da imprensa, e sim, por estarem intimamente ligadas às transformações sociais e à valorização da história social e não apenas os fatos das grandes figuras políticas ou militares.

 

Os cronistas contemporâneos organizam sua narrativa em primeira ou terceira pessoa, quase sempre com quem conta um caso, ora em tom intimista. Ou ao narrar, inserem em seu texto trechos de diálogos, repletos de expressões cotidianas.

A crônica se desenvolve tal como quem conversa com seus leitores e estivessem muito próximos, e envolve reflexões sobre a vida social, política, econômica, por vezes, de forma humorística ou irônica. Outras vezes, de forma mais séria, outras tantas com caráter poético ou lítico e até mágico o que indica seu pertencimento ao gênero literário.

 

Uma forte característica do gênero reside na linguagem que mistura aspectos da escrita com outros da oralidade. utilizando uma linguagem coloquial e da proximidade com os fatos cotidianos, sendo por vezes, vendo uma literatura menor. Ao registrar a obra de grandes autores, como Machado, por exemplo, os críticos veem em seus romances como as verdadeiras obras de arte e as crônicas como produções de segundo plano.

 

Apesar da classificação como gênero literário menor, não diminui ou reduz sua importância. E, por serem leves, breves e de fácil acesso o que permite a fruição a muitos leitores que nem sempre têm acesso aos romances, como autênticas obras de arte e as crônicas como produções de segundo plano. E, por ser de fácil acesso, envolventes, possibilitam grandes comentários sobre a realidade.

 

Em nosso país, a partir da segunda metade do século XIX, muitos escritores famosos passaram a produzir crônicas para os folhetins. Entre os nomes podemos citar Coelho Neto, José de Alencar, Machado de Assis que estavam entre os que sobreviviam do jornalismo enquanto criavam seus romances.

 

De fato, atualmente, os cronistas são numerosos e costumam ter seus leitores fiéis e, hoje os cronistas nem sempre são romancistas, muitos vêm do meio jornalístico ou de outras mídias, como rádio e TV, e outros ainda, as publicam em sites de internet.

 

Devido os cronistas serem originários de diferentes campos de atividade e de publicarem seus textos em várias mídias, e apresentam marcas dessas atividades. E, assim, há diferentes estilo de crônicas, associados ao perfil de quem as escreve.

 

Todos os estilos, porém, acabam por encaixar-se em três grandes grupos de crônicas: as poéticas, as humorísticas e as que se aproximam dos ensaios. Sendo que essas derradeiras possuem tom mais sério e analisam os fatos políticos, sociais ou econômicos de grande relevância cultural.

 

A evolução e aceitação da crônica no Brasil não condiz com a atenção dada ao gênero pela crítica e pelos estudos literários. Há um relativo consenso que a crônica é mesmo um gênero literário.

 

A evolução de crônicas como na obra intitulada "O ato e o fato"(1964) de Carlos Heitor Cony apontam para o reconhecimento dessas obras literárias de grande importância histórica.

 

O primeiro grande cronista foi Heródoto[1], o pai da História, na Bíblia, o livro "Crônicas” trata da genealogia dos hebreus. Também Júlio César, o imperador romano, escreveu notáveis crônicas de guerra.

 

E, há vários exemplos análogos na Idade Antiga sempre se atendo ao caráter de relato circunstanciado sobre feitos, cenários e personagens a partir da observação do próprio narrador ou tendo como referência as informações reunidas junto aos protagonistas ou testemunhas oculares.

 

Já na Baixa Idade Média deu-se novo fôlego ao gênero e, com o mercantilismo, a formação dos Estados Nacionais e a expansão ultramarina, a crônica ganhou relevância. Surgiram autores como Fernão Lopes (1380-1460), o primeiro cronista em Língua Portuguesa, e toda uma escola chamada de "crônica de viagem" da qual integra Pero Vaz Caminha[2].

 

Alguns teóricos como Jorge de Sá (1987) considerem que o nascimento da crônica nacional venha de tempo remoto como o século XV, com a carta de Pero Vaz Caminha, comunicando o descobrimento do Brasil, tal afirmação nos parece um tanto exagerada: a carta do navegador português se insere no medieval e pouco tem a ver com o modelo brasileiro de crônica, atualmente, e estabelecido a partir da década de 1930. O gênero no Brasil só galgou os seus primeiros passos significativos em simbiose com a imprensa nacional.

 

É sabido que a imprensa brasileira se firmou no início do século XIX e, os periódicos datam de 1808, quando da transferência da corte de Dom João VI para o Rio de Janeiro. O estilo dos iniciantes jornais brasileiros era francamente calcado na imprensa europeia.

 

Deve-se recordar que a influência predominante norte-americana, tão presente, que até pode parecer sempre ter existido, do jornalismo objetivo e conciso, construído a partir dos chamados leads (estrutura jornalística em que o início do texto deve informar a matéria de forma clara, objetiva e simples, sobre o fato jornalístico noticiado e as circunstâncias em que ele ocorre), só viria em meados do século XX.

 

De modo que não só no jornalismo, excessivamente prolixo e adjetivado para os padrões atuais, como um todo o sistema cultural e educacional, o modelo a ser seguido era a França. Um claro exemplo dessa influência fora a transformação do feuilleton, que era seção presente nos jornais franceses, em folhetim no Brasil.

 

O folhetim era espaço nos rodapés de jornal para servir de contraponto às notícias graves que predominavam nos periódicos. E, a acolhida à novidade pelos letrados brasileiros foi calorosa, pois os textos em folhetins geravam debates e pautavam discussões calorosas. Logo,  a seção ganhou um maior tamanho e prestígio com amplitude grande. Então, eram cabíveis em folhetins, capítulos de romances, anedotas, comentários políticos e sociais e, as crônicas.

 

O bom cronista de folhetins conseguia comentar e registrar fatos diversos da vida cotidiana e os mais variados temas políticos, sociais, artísticos e literários. E, sua marca era o tom ligeiro e propositalmente frívolo para conquistar a empatia do leitor. E, muito dos melhores escritores oitocentistas também se arriscaram nas crônicas para folhetins, entre esses, José Alencar, Lima Barreto, Francisco Otaviano[3] e Olavo Bilac.

 

Foi Machado de Assis, o primeiro grande direcionador da crônica para galgar autonomia própria, firmando-se como gênero literário autônomo e de sabor brasileiro. O autor de “Dom Casmurro” era um hábil cronista de uma época em que a crônica deixou de ser mero relato histórico, para passar a ser um gênero literário de prosa, onde o que menos importa é o assunto, em geral, efêmero, do que as qualidades de estilo, a variedade, a finura e argúcia na apreciação, na graça na análise de fatos miúdos e sem relevância o na crítica de pessoas e, necessariamente, ligado às páginas de jornal.

 

Em verdade, o Bruxo do Cosme Velho ganhou notoriedade particularmente por seus romances realistas, sendo um escritor completo, que praticou, além das narrativas de maior fôlego, novelas, contos, poema e também as crônicas. E, nesse gênero, aventurou-se desde muito jovem, escrevendo regularmente em folhetins desde 1859, quando tinha apenas vinte anos até o final do século XIX.

 

A crônica com Machado de Assis[4] superou sua inicial característica de tratar de amenidades para atingir temáticas mais complexas sempre com generosas doses de humor. E, assim, Machado iniciou seus primeiros exercícios metalinguísticos: o autor compara o folhetinista a um colibri, seja pela rapidez, leveza e qualidade especial de dominar os assuntos sem esgotar sua seiva bruta. E, demonstrou assim grande capacidade analítica, cravando uma definição para a crônica brasileira que permanece cabível e importante.

 

As crônicas do então jovem Machado trouxe o germe da experimentação de recursos linguísticos que adotaria posteriormente, as mudanças súbitas de assunto para depois retornar ao ponto inicial, sem perder o ritmo, os devaneios, os vocativos direcionados ao leitor, a metalinguagem, a ironia e autodepreciação cortantes e, tudo isso, através de sua célebre frase realista, com virtuosismo, trazendo a marca de suas grandes distinções, como escritor, e servindo de grande laboratório para as liberdades estilísticas do gênero crônica. Pode-se afirmar que o romancista e contista foi forjado pelo cronista Machado de Assis.

 

Outro cronista de escola da época pré-moderna da crônica do Brasil, ainda na virada do século X, foi Paulo Barreto, mais conhecido pelo pseudônimo de João do Rio. E, com ele, o gênero galgou definitiva roupagem literária. E, bem como seus antecessores, comenta o cotidiano com leveza, ironia e humor e, inova ao construir uma linguagem para os folhetins retirada de seu amplo poder observador, e com a mesma familiaridade, desde a alta sociedade até os redutos da malandragem carioca são retratos.

 

João do Rio[5] era o cronista mundano por excelência, não se restringindo a interpretar ou a dar pitadas subjetivas aos fatos, havia a franca criação de personagens e certo tom ficcional aos seus relatos. E, pela primeira vez, foi com João do Rio que a crônica tanto se aproximou do conto. Seu maior mérito enquanto cronista foi o seu pioneirismo ao antecipar os aspectos da crônica moderna, misturando jornalismo informativo, ficção e comentário num texto objetivo e leve.

 

Outros aspectos da prosa folhetinesca foi a proposta de um jornalismo mais participativo pois não se contentava a dar meros informes na redação para construir seus textos, pois João do Rio ia para apuração in loco dos fatos que serviriam de matéria-prima a seu trabalho, resultando daí uma vívida descrição.

 

Outro aspecto foi o dedicado estudo do Rio de Janeiro que muito apropriadamente lhe deu o pseudônimo com o qual tanto se notabilizou. Aliás, João do Rio é indissociável de sua cidade natal além de sua obra ser um minucioso retrato dos múltiplos aspectos da vida carioca das duas primeiras décadas do século XX, quando vivenciávamos um crucial momento de fortes mudanças sociais.

 

João do Rio encarnou um flaneur, ou seja, personagem que perambula a esmo pela cidade captando suas tendências e filtrando a urbe de forma subjetiva, e foi fundamental para o estabelecimento da crônica brasileira, transformando-se num padrão ao longo do século XX. 

 

Coube ao João do Rio antecipar modelos que ainda hoje se pode observar em sua escrita como um gosto por galicismos e por construções pomposas que soa antiquado e incômodo, mas era o que Antonio Candido chamava de "tara do esnobismo" (Candido, 1992).

 

Mas, seria a partir dos anos de 1930 que a crônica se consolidaria no Brasil sob a égide do modernismo. A influência do modernismo foi além de 1922[6], tratando o pós-modernismo como sendo uma entidade metafísica e inexistente.

 

O modernismo pátrio surgiu sob forte influência das vanguardas europeias, principalmente, dos movimentos como o cubismo, futurismo, expressionismo, dadaísmo e surrealismo. E, ao assimilar tais novidades, o modernismo brasileiro deveria transcender a franca tentativa de cópia que se supunha haver em anteriores escolas, como o romantismo eo parnasianismo, como sendo a busca de uma identidade verdadeiramente nacional era um dos temas mais sensíveis ao movimento.

 

Foi um momento de franca agitação nacional, num ano em que, entre tantos fatos marcantes, houve a criação do Partido Comunista Brasileiro e a revolta no Forte de Copacabana que serviu de marco inicial do Tenentismo[7] que aconteceu a famosa Semana da Arte Moderna.

 

Durante três dias, em fevereiro de 1922, foi concebido algo como um anti festival para se contrapor às comemorações do centenário da Independência do Brasil.  Deliberadamente, pretendia-se chocar a velha burguesia do país – e o intuito foi  amplamente conquistado. A caça aos dogmas artísticos, a busca da identidade nacional  e o antitradicionalismo passaram por ataques a figuras então intocáveis de nossa

cultura, como o músico Carlos Gomes e Olavo Bilac.

 

A reação foi imediata, com direito  a vaias, quebradeira e protestos públicos; o choque, contudo, já era previsto e a partir

dali começava um processo renovador para a criação brasileira.  Em todas as áreas artísticas, havia em comum a necessidade de romper com o  academicismo: na música, pretendia-se a fuga definitiva dos padrões tonais; nas artes  plásticas, o repúdio do conceito aristotélico de mimese e a incorporação de temas  nacionais – com o exemplo clássico das mulatas de Di Cavalcanti.

 

Assim, na literatura do mundo repleto de inovações, a poesia não deveria mais ser submetida as formas, passando a se praticar pelo verso livre e branco (sem métrica fixa nem rimário fechado), outras marcas foram a instantaneidade e a oralidade, como franca oposição a linguagem rebuscada dominante dos livros, os temas deveriam ser menores e mais corriqueiros, com a escrita bem próxima ao modo da fala.

 

E. essa radicalização se fazia necessária num momento crucial de ruptura, porém, várias das ousadias cometidas pela primeira geração modernista foram consideradas exageradas e excessivas pelos seus próprios praticantes, menos de uma década depois. A frente do Modernismo que já abominavam qualquer forma de enquadramento, posteriormente, praticariam obras mais convencionais como as de Manuel Bandeira que com o tempo foi capaz de produzir poemas em formas antigas tais como o soneto.

 

Além do valor própria de todas as obras produzidas no período modernista, está a descoberta da possibilidade de se livrar das amarras artísticas. E, na crônica se percebe efeito similar, embora que os nomes da primeira geração modernista já praticassem o gênero com habilidade, só na década seguinte haveria sua consagração definitiva.  Assim, é preciso atribuiu ao movimento modernista de 1922, entre tantos outros atributos, sua busca pelo coloquialismo e pela noção de brasilidade a partir dos anos 1930.

 

De qualquer forma seria ingênuo e errôneo atribuir a um só autor os méritos da modernização da crônica brasileira, pois junto com Rubem Braga afirmaram-se como cronistas na década de trinta do século XX, outros como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. E, a crônica brasileira se definiu e se consolidou no Brasil, sendo um gênero bem nosso, e opinou Antonio Candido que um nome foi catalisador dessas mudanças que se estabeleceu no início da crônica brasileira: Rubem Braga representa um representante importante.

 

Também outros nomes do modernismo despontariam e praticavam a crônica, mas não deixavam de escrever poemas, contos e romances. Porém, Rubem Braga se manteve fiel e dedicado quase exclusivamente ao gênero, com exceção de sua tardia obra "Livro de Versos", publicado já na década de 1980.  Foi com Drummond, Bandeira e Mário de Andrade que se transitou livremente entre a prosa e poesia e, Bragal foi o primeiro autor a dever sua franca notoriedade como cronista: o pioneirismo, contudo, quando desacompanhado de qualidade textual, é insuficiente para garantir sua permanência como escritor.

 

A crônica também ganhou, nesse período, uma área própria nos jornais, independentemente dos folhetins, aliás, um espaço amplo onde se publicavam outros gêneros. Doravante, passaram estar no "corpo do jornal", não como objeto estranho, mas como matéria ligado ao noticioso. E, sendo publicada pela imprensa, é tida como gênero jornalístico, conquanto possa conter outros aspectos, o cronista trabalha com texto fixo ou mínimo, restrito.

 

Aliás, o envelhecimento constante do jornal, sempre renovado a cada dia, também contribuiu para a presumida efemeridade da crônica.

 

Outro fator demarcador de estilo era a pressa de escrever, tornando o ritmo ágil e, a sintaxe, embora não necessariamente errônea, pende para algo desestruturado. E, com habilidade, se capta o breve instante e dele se extrai a graça da poesia. É o chamado lirismo reflexivo, transformando uma situação banal em um momento de possível ponderação para o leitor sobre as condições humanas.

 

E, foi Rubem Braga um mestre dotado de forte poder observador, pois com um mínimo de elementos construía rico painel linguístico e, os resultados foram múltiplos, podendo a crônica varia entre o cômico, trágico, lírico corrosivo e não raro, propiciar inusitada mistura de todos esses tons. Exatamente essa vagueza se torna uma definição, aliás, Manuel Bandeira chegou a mencionar que Braga era o estilista cuja melhor performance ocorre sempre por escassez de assunto.

 

Alguns textos de Rubem Braga caberiam perfeitamente no gênero "conto" de fato, duas de suas crônicas como "O Afogado" e "Um Braço de Mulher" que foram selecionadas para a coletânea "Os Cem melhores Contos Brasileiros do Século", organizada por Ítalo Moriconi, como também foram selecionados textos concebidos como crônica de autoria de Fernando Sabino.

 

Com as possibilidades do gênero menor ampliadas, a crônica brasileira pode vivenciar um apogeu nas décadas de 1960 e 1960. Foi quando as revistas e jornais da época tinham sempre seu cronista, com algumas publicações tendo uma verdadeira equipe de jornalistas dedicados ao gênero, notadamente a Manchete e o Jornal do Brasil. E, isso se deu devido à forte tendência internacional.

 

 Em 1956, Truman Capote[8] publicou entrevista com Marlon Brando, o que foi precursor do chamado new journalism, movimento que estouraria na década seguinte, além de outros nomes como Tom Wolfe, Gay Talse e Norman Mailer[9].

 

O novo jornalismo americano previa maior liberdade literária ao repórter que poderia incluir em seus textos suas próprias impressões, quebrando o dogma de jamais utilizar a primeira pessoa. No auge da crônica brasileira novos valores que incrementaram ainda mais o gênero.

 

Embora Antonio Candido[10] defenda Minas Gerais como o cenário-chave para  esse incremento, por ser lugar onde Rubem Braga “viveu alguns anos decisivos da vida” e onde houve o advento de “fórmula bem manipulada” (Candido 1992) da qual se  beneficiaram cronistas mineiros como Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio  Pellegrino e Paulo Mendes Campos, os amigos autointitulados “os quatro cavaleiros  do apocalipse”[11], a verdade é que o auge da crônica nacional é indissociável do Rio de  Janeiro, sede da maioria absoluta dos veículos que publicavam crônicas – ainda que  seus jornalistas não fossem necessariamente cariocas, como os quatro mineiros já  citados, que, necessário ressalvar, só ganharam notoriedade no Rio de Janeiro.

Ademais, o Rio já era o principal palco da crônica brasileira, o lugar primordial para a  captura das miudezas que compõem o gênero, desde meados do século XIX. 

 

Dos “quatro cavaleiros do apocalipse”, embora todos tenham sólidos méritos  como cronistas, o mais notório e aquele que talvez tenha trazido mais inovações ao  gênero foi Fernando Sabino.

 

O uso constante da narração em terceira pessoa, fugindo  da subjetividade explícita, o advento da crônica apenas com diálogos, sem a presença  de qualquer narrador, e o uso massivo do humor, com textos que funcionam quase  como longas piadas, são alguns dos recursos utilizados por Sabino que alargaram as  possibilidades do gênero e influenciam cronistas até hoje.

 

Nota-se o astucioso poder narrativo das crônicas de Fernando Sabino é o fato de "O Homem Nu"[12] ser um de seus mais famosos textos do gênero, não só ter sido incluído na referida coletânea dos "Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", como também ter ganhado adaptação para filme longa-metragem por duas vezes em 1968 e 1997, ambas versões com roteiro do próprio autor.

 

Aliás, Jorge de Sá mencionou o uso de "uma falsa terceira pessoa" porque "quem fala na crônica é sempre o próprio cronista". E, assim, com esse distanciamento, Sabino fica mais à vontade para explorar o humor das situações (Sá, 1987). Sabino usava seu talento narrativo de romancista para aprimorar suas crônicas, também não deixou de captar os flagrantes do cotidiano típicos do gênero.

 

Vinicius de Moraes dotado de um lirismo constante, Antônio Maria e a sua vida atribulada se refletindo na paixão de seus textos, Clarice Lispector sempre polêmica e com críticos no gênero, entre estes Rubem Braga, que achava seus textos para jornal, mas a autora de crônicas que vêm ganhando interesse crescente por seu caráter introspectivo.

 

A efervescência da crônica no Brasil passou a contar com subgêneros e temáticas distintas como a reflexiva, humorística, lírica, política e esportiva. E, foi nesse contexto que fora publicada a obra "O ato e o fato" de Cony em 1964.

 

Foi a crescente repressão da ditadura militar durante a  década de 1970 como um fator de embrutecimento para os cronistas: a escrita de  amenidades passou a ser malvista num período arbitrário, e o espaço para o jornalismo  opinativo, embora pudesse incorrer no humor e na leveza textual, estava reservado  para uma postura engajada – o exemplo mais notório é “O Pasquim”[13]. A crônica conforme  definida após Rubem Braga teria ficado sem espaço.

 

Alguns nomes, no entanto, surgidos após a época dourada para o gênero,  conseguiram se estabelecer, desafiando a suposta maré baixa. O mais notório é Luis  Fernando Verissimo[14], grande sucesso editorial. Começou a escrever crônicas em 1969 e  teve seu primeiro livro editado em 1973 – desde então foram lançados mais de cinquenta  títulos, marcando uma produtividade impressionante.

 

Verissimo vendeu, ao longo da  carreira, mais de “cinco milhões de exemplares [...], dos quais pelo menos três milhões desde  2000” (Simon 2004), contando também com boa acolhida crítica: como exemplo  sintomático, pode-se lembrar que na coletânea

 

“As cem melhores crônicas brasileiras”,  editada em 2005, com seleção de Joaquim Ferreira dos Santos, há quatro crônicas de  Verissimo: o mesmo número consagrado a Rubem Braga, expoente máximo do gênero.  Podem-se citar também Moacyr Scliar e Mário Prata como outros exemplos de  cronistas já consagrados que tiveram a primeira publicação no gênero após 1970. 

 

A crônica brasileira é indubitavelmente um gênero popular e relevante e, a partir dos anos 2000, uma suposta renovação se deu com o advento dos blogs da internet.

 

Afrânio Coutinho também esboçou uma  divisão em crônica-narrativa, crônica metafísica, crônica poema-em-prosa, crônica comentário e crônica-informação (Coutinho 1986); Luiz Beltrão, atentando para “a  variedade de temas que caracterizou o jornalismo moderno” (Beltrão 1980), divide  as crônicas primeiro quanto à natureza: crônica geral é a que aborda assuntos vários  em seção fixa do jornal; a crônica local versa sobre o cotidiano da cidade; por fim, a  crônica especializada destaca um tipo de assunto – política, esportes, economia – no  qual o autor é especialista. Beltrão ainda divide as crônicas quanto ao tratamento dado  ao tema: há a crônica analítica, sentimental e satírico-humorística.

 

Fernando Sabino já afirmou, em entrevista, parafraseando  afirmação similar de Mário de Andrade sobre o conto, que “a crônica é aquilo que a  gente quer que seja crônica”. Carlos Heitor Cony, em entrevista (Revista E, nº 84, SESC),  vai pelo mesmo caminho, dizendo que “desde que escreva bem, o cronista pode falar  sobre o que quiser, sobre a janela, sobre a namorada dele. O fundamental para a  crônica não é a informação nem sua opinião. Elas não importam. O importante é a  qualidade do texto. Cada cronista tem que ter um diferencial, um charme”.

 

Foi a falta de margens e delimitações da crônica seu principal trunfo e lhe propiciou grande qualidade estilística e, tal liberdade deve ser observada inclusive na antiga discussão sobre a natureza da crônica, se jornalística ou literária. Afrânio Coutinho forneceu a resposta mais famosa e que pela força imagética, parece ser definitiva, sobre a questão, definiu ser um "gênero anfíbio"[15] (Coutinho, 1986) por transitar com fluidez em ambas as áreas, em jornal ou em livro carregando para um meio os elementos do outro.

 

No que tange à literatura sempre se lembra que a crônica sofre as limitações do meio: o espaço fixo e o prazo de entrega funcionam como uma gaiola para uma possível pretensão artística, ademais, o fato de o jornal ser comprado e descartado a cada dia repassa à crõnica essa transitoriedade, dirigindo-se inicialmente aos leitores apressados.

 

A publicação em livro, no entanto, desafia a suposta brevidade do gênero. O  cronista – ou algum editor – geralmente usa a prerrogativa, numa coletânea, de excluir  os textos mais vinculados a uma determinada situação, ficando com as crônicas de  toque atemporal, legando ao gênero patamar artístico.

 

A esse respeito, Antonio Candido corrobora a visão positiva de Coutinho sobre  a possibilidade da crônica em livro e acrescenta que “quando passa do jornal ao livro,  nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela  própria pensava” (Candido 1992); Eduardo Portella ainda afirma que   “A constância com que vêm aparecendo, ultimamente, os chamados  livros de crônicas, livros de crônicas que transcendem a sua condição  puramente jornalística para se constituir em obra de arte literária, veio  contribuir, em forma decisiva, para fazer da crônica um gênero literário  específico, autônomo” (Portella 1958).

 

Porém, não existe unanimidade acadêmica a respeito do sucesso artístico da crônica em outro suporte que não seja o jornal. Porém, há vários exemplos de livros de crônicas publicados com sucesso, como o de Carlos Heitor Cony, originalmente publicado em 1964 pela Editora Civilização Brasileira e reeditado em 2004 pela Editora Objetiva.

 

 

Referências

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VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias da vida privada: 101 crônicas escolhidas.  Porto Alegre: L&PM, 1982

 

 


[1] Heródoto foi um historiador e geógrafo grego sucessor dos primeiros que escreveram em prosa sobre geografia e história, Anaximandro e seu provável discípulo, Hecateu de Mileto. Nasceu no século V antes de Cristo em Halicarnasso (hoje Brodum, na Turquia). Foi autor da história da invasão persa da Grécia, ocorrida ao final do século V a.C., conhecida simplesmente como "As histórias de Heródoto". Esta obra foi reconhecida como nova forma de literatura pouco depois de ser publicada. Antes de Heródoto, tinham existido crônicas e épicos, e também estes haviam preservado o conhecimento do passado, mas a maioria deles tratava apenas do passado em uma cidade ou região. Heródoto foi o primeiro a combinar essas narrativas locais para elaborar uma narrativa mais ampla sobre os fatos do passado e a mostrar como sua pesquisa poderia ser importante para a compreensão do presente. A sua criação fez com que lhe fosse concedido o título de "pai da história", pelo orador romano Cícero, embora criticasse o grego no mesmo texto por contar o que chamava de "histórias fabulosas". A palavra que utilizou para denominar sua obra, historie, que previamente tinha significado simplesmente "pesquisa", tomou a conotação atual de "história". Heródoto foi acusado, desde a Antiguidade, de ter inventado fatos que narra em sua obra e de não ter submetido as informações que recebeu de forma oral a um exame crítico e de plausibilidade. Contudo, o respeito pelo seu rigor tem aumentado desde a última metade do século XX, sendo atualmente reconhecido não apenas como pioneiro na história, mas também na geografia, etnografia e antropologia. Heródoto é conhecido como o “Pai da História” por ter escrito a primeira grande narrativa da história, que documentou os eventos e guerras entre a Grécia e a Pérsia no século V a.C. Ele estabeleceu um precedente em seu estilo de escrita, e seu trabalho ainda é uma fonte valiosa de informações daquele período.

[2] Pero Vaz de Caminha foi um nobre português que ficou marcado na história brasileira como o responsável por escrever o primeiro documento escrito sobre o nosso país. Pero Vaz de Caminha foi o escrivão da expedição de Pedro Álvares Cabral, por meio da qual os portugueses chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500. Ele era o escrivão da jornada e coube a ele a redação da “Carta a El-Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil”, em que é narrada a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500. Não sabemos muito sobre sua vida privada, mas sabe-se que ele teve uma esposa e uma filha. Pero Vaz de Caminha é com frequência lembrado por ter sido o autor do primeiro documento escrito sobre a história do Brasil. Estamos falando da Carta de Pero Vaz de Caminha, também conhecida como “Carta a El-Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil”. Essa carta foi escrita por Caminha para d. Manuel I, o rei de Portugal. Seu intuito era relatar a “descoberta” de uma nova terra, que foi nomeada por ele como Ilha de Vera Cruz.

[3] Francisco Otaviano (Francisco Otaviano de Almeida Rosa), advogado, jornalista, político, diplomata e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 26 de junho de 1826, e faleceu na mesma cidade em 28 de junho de 1889. É o patrono da cadeira n. 13, por escolha do fundador Visconde de Taunay. Era filho do Dr. Otaviano Maria da Rosa, médico, e de Joana Maria da Rosa. Fez os primeiros estudos no colégio do professor Manuel Maria Cabral, e no decorrer da vida escolar dedicou-se principalmente às línguas, à História, à Geografia e à Filosofia. Matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1841, na qual se bacharelou em 1845. Regressou ao Rio, onde principiou a vida profissional na advocacia e no jornalismo, nos jornais Sentinela da Monarquia, Gazeta Oficial do Império do Brasil (1846-48), da qual se tornou diretor em 1847, Jornal do Comércio (1851-54) e Correio Mercantil. Foi eleito secretário do Instituto da Ordem dos Advogados, cargo que exerceu por nove anos; deputado geral (1852) e senador (1867). Como jornalista, empenhou-se com entusiasmo nas campanhas do Partido Liberal e tomou parte preponderante na elaboração da Lei do Ventre Livre, em 1871. Já participara da elaboração do Tratado da Tríplice Aliança, em 1865, quando foi convidado pelo Marquês de Olinda para ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros, mas não a aceitou, ficando em seu lugar Saraiva. Por ocasião da Guerra do Paraguai, foi enviado ao Uruguai e à Argentina, substituindo o Conselheiro Paranhos na Missão do Rio da Prata. A ele coube negociar e assinar, em Buenos Aires, em 1º de maio de 1865, o tratado de aliança ofensiva e defensiva entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai, no combate comum a Solano Lopez, do Paraguai. Recebeu o título do Conselho do Imperador e do Conselho Diretor da Instrução Pública. Nas suas traduções de Horácio, Catulo, Byron, Shakespeare, Shelley, Victor Hugo, Goethe, revela-se também poeta excelente. Ficou para sempre inscrito entre os nossos poetas da fase romântica, como autor de duas ou três peças antológicas, mesmo que não tenha exercido a literatura com paixão, e o patriota que foi dá-lhe lugar entre os grandes vultos brasileiros do século XIX.

[4] Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis), jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. É o fundador da cadeira nº. 23 da Academia Brasileira de Letras. Velho amigo e admirador de José de Alencar, que morrera cerca de vinte anos antes da fundação da ABL, era natural que Machado escolhesse o nome do autor de O Guarani para seu patrono. Ocupou por mais de dez anos a presidência da Academia, que passou a ser chamada também de Casa de Machado de Assis. O primeiro livro publicado por Machado de Assis foi a tradução de Queda que as mulheres têm para os tolos (1861), impresso na tipografia de Paula Brito. Em 1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava ingresso livre nos teatros. Começou também a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, saiu em 1864. Em 1867, foi nomeado ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial. Em agosto de 1869, morreu Faustino Xavier de Novais e, menos de três meses depois (12 de novembro de 1869), Machado de Assis se casou com a irmã do amigo, Carolina Augusta Xavier de Novais. Foi companheira perfeita durante 35 anos. A obra de Machado de Assis abrange, praticamente, todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em Americanas (1875), e o parnasianismo em Ocidentais (1901). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), considerados como pertencentes ao seu período romântico. A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola literária e que o tornaram o escritor maior das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa. A obra de Machado de Assis foi, em vida do Autor, editada pela Livraria Garnier, desde 1869; em 1937, W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, publicou as Obras completas, em 31 volumes. Raimundo Magalhães Júnior organizou e publicou, pela Civilização Brasileira, os seguintes volumes de Machado de Assis: Contos e crônicas (1958); Contos esparsos (1956); Contos esquecidos (1956); Contos recolhidos (1956); Contos avulsos (1956); Contos sem data (1956); Crônicas de Lélio (1958); Diálogos e reflexões de um relojoeiro (1956).

[5] João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 — 23 de junho de 1921), foi um jornalista, cronista, contista, romancista, tradutor e teatrólogo brasileiro. Considerado um pioneiro da crônica-reportagem, ele era membro da Academia Brasileira de Letras, tendo sido o membro mais jovem a ser eleito para compor a instituição. Homem negro de pele clara, gordo, de origem humilde e compreendido como homossexual, Paulo Barreto enfrentou estereótipos e discriminações, conquistando a ascensão social através de seu trabalho como jornalista[7]. Seus escritos retratavam principalmente a sociedade carioca em seus hábitos, costumes e rituais, focando em seus membros mais requintados e nos mais pobres. Publicou, em vida, extensa bibliografia, tendo feito do jornalismo sua principal fonte de renda. Segundo seus biógrafos, ao profissionalizar-se, Paulo Barreto representou o surgimento de um novo tipo de jornalista na imprensa brasileira do início do século XX. Até então, o exercício do jornalismo e da literatura por intelectuais era encarado como "bico", uma atividade menor para pessoas que possuíam muitas horas vagas à disposição (como funcionários públicos, por exemplo). Paulo Barreto move a criação literária para o segundo plano e passa a viver disso, empregando seus pseudônimos (mais de onze) para atrair diversos públicos e leitores. Foi diretor da revista Atlantida (1915-1920), contribuiu para a fundação do jornal "A Noite" e colaborou na revista Serões (1901-1911). Eleito para a Academia Brasileira de Letras em sua terceira tentativa, em 1910, Paulo Barreto foi o acadêmico mais jovem a ser eleito para ingressar na instituição e o primeiro a tomar posse usando o hoje famoso "fardão dos imortais". Anos depois, com a eleição de seu desafeto, o poeta Humberto de Campos, ele se afastou da instituição. Conta-se que, quando informada de sua morte, a mãe avisou expressamente que o velório não poderia ser feito lá, pois o filho não aprovaria a ideia.

[6] O movimento artístico, cultural e literário tem seu marco oficial com a Semana de Arte Moderna de 1922. O objetivo do movimento modernista era romper com o tradicionalismo e se livrar dos paradigmas e das regras sobre como fazer arte que prevaleciam no momento. O Modernismo no Brasil teve início na primeira metade do século XX. O movimento artístico, cultural e literário tem seu marco oficial com a Semana de Arte Moderna de 1922. O objetivo do movimento modernista era romper com o tradicionalismo e se livrar dos paradigmas e das regras sobre como fazer arte que prevaleciam no momento. O Modernismo no Brasil apareceu como um movimento que prezava pela independência e valorização da cultura cotidiana brasileira. Os modernistas, adotaram a simplificação do discurso, se aproximando da linguagem popular.  Seguindo a essência do movimento modernista na Europa, o Modernismo no Brasil preservou características como o rompimento com a estética tradicional, valorização da expressão artística nacional, exploração de temáticas do cotidiano, uso de linguagem simples na literatura, além do desejo de representar a realidade brasileira através da arte. O Brasil da época modernista era uma república recente em busca de sua identidade. Portanto, havia uma geração de artistas e intelectuais que pregavam a ideia de que a arte deveria transmitir a identidade brasileira naquele momento. Em 1926 Mário de Andrade, um dos principais nomes do Modernismo, fundou o Partido Democrático. Os reflexos da Primeira Guerra Mundial também estavam presentes na sociedade brasileira e o cenário político nacional favorecia um posicionamento diferente. O Modernismo no Brasil se divide em três fases das quais cada uma delas tem o seu destaque. A primeira fase tem início nos anos de 1920 com as primeiras manifestações do movimento. Dessa fase, destacam-se Oswald de Andrade e Mário de Andrade. A partir dos anos 30 surgiu uma nova geração de modernistas. Nesse período o destaque foram: Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo; José Lins do Rego; Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Surgida a partir de 1945, a terceira geração do modernismo no Brasil apresenta nomes como: João Cabral de Melo Neto; Vinícius de Moraes; Clarice Lispector e Guimarães Rosa.

 

[7] O tenentismo foi um movimento político surgido entre militares de média e baixa patentes que protestavam contra a chamada República Velha, regime político que se estende da Proclamação da República, em 1889, até a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. O propósito do tenentismo era reconquistar o poder perdido com a República Velha, e realizar outras propostas políticas como o voto secreto, fim da corrupção, Estado mais forte, reforma escolar, independência do Poder Judiciário, entre outras.

[8] Truman Streckfus Persons, mais conhecido como Truman Capote (Nova Orleans, 30 de setembro de 1924 — Los Angeles, 25 de agosto de 1984) foi um escritor, roteirista e dramaturgo norte-americano, escritor de vários contos, romances e peças teatrais, reconhecidas como clássicos literários, incluindo a novela Bonequinha de Luxo (1958). Foi o pioneiro do jornalismo literário com A Sangue Frio (1966), classificado por ele como um romance de não-ficção. Entre 1943 e 1946, Capote escreveu uma variedade de contos, incluindo Miriam, My Side of the Matter e Shut a Final Door (pelo qual ele ganhou o  Henry Award, aos 24 anos). Os seus contos foram publicados tanto em publicações quinzenais quanto em revistas populares, incluindo The Atlantic Monthly, Harper’s Bazaar, Harper’s Magazine, Mademoiselle, The New Yorker, Prairie Schooner e Story. Em junho de 1945, Miriam foi publicado pela Mademoiselle e ganhou o prêmio de Best First-Published Story em 1946. Na primavera de 1946, Capote foi aceito na comunidade de artistas e escritores Yadoo, em Saratoga Springs, New York. Mais tarde ele aprovou Patricia Highsmith como uma candidata ao Yadoo, onde ela escreveu o romance Strangers on a Train. O seu grande sucesso é A Sangue Frio (In Cold Blood) (1966), obra com que inicia um gênero por ele denominado non-fiction novel (ou seja, romance-documento ou romance de não-ficção). Nela reconstrói minuciosamente um fato real (um crime feroz), a personalidade das vítimas e dos jovens assassinos. O livro é um penetrante estudo dos Estados Unidos do momento, com os seus contrastes, a tentação do delito etc. A história deste livro é relatada no filme Capote, indicado a 5 Oscar. Capote nunca foi premiado pela obra, no entanto, a premiação foi do público em geral, pois sua obra lhe rendeu por volta de dois milhões de dólares e o tornou rico. Mas a história desse assassinato brutal foi sua última obra relevante. Capote foi cremado e os seus restos supostamente foram divididos entre Carson e o companheiro de longa data de Capote, o escritor Jack Dunphy (apesar de Dunphy afirmar que foi ele quem recebeu todas as cinzas). Carson disse que manteve as cinzas em uma urna no cômodo em que ele morreu. Essas supostas cinzas foram roubadas durante uma festa de Halloween em 1988 junto com US$ 200 mil em joias, mas foram devolvidas seis dias depois, encontradas sobre uma mangueira enrolada nos quintais da casa de Carson em Bel Air.

O testamente de Capote determinava que após a morte de Dunphy, um fundo literário seria estabelecido, sustentado pelos direitos da sua obra, para financiar vários prêmios literários e bolsas de estudo, incluindo o Truman Capote Award for Literary Criticism, celebrando não somente a memória Capote, mas também a de seu amigo Newton Arvin, o professor do Smith College e crítico que perdeu o seu trabalho depois de ter a sua homossexualidade exposta. Dessa forma, o Truman Capote Literary Trust foi estabelecido em 1994, dois anos após a morte de Dunphy.

[9] Norman Kingsley Mailer (Long Branch, 31 de janeiro de 1923 — Nova Iorque, 10 de novembro de 2007) foi um escritor e jornalista estadunidense, premiado duas vezes com o Prêmio Pulitzer. Mailer é considerado um dos pais da não-ficção criativa, também chamado de Novo Jornalismo, ao lado de escritores como Tom Wolfe e Truman Capote, vértice da literatura norte-americana. Estudou engenharia aeronáutica na Universidade de Harvard, onde despertou interesse pela leitura e escrita através de artigos do jornal universitário. Com fama e reconhecimento internacionais desde 1948, quando seu livro Os Nus e os Mortos (The Naked and the Dead), baseado em experiências vividas na Segunda Guerra Mundial, foi um best seller bastante elogiado pela crítica, Mailer foi duas vezes premiado com o Pulitzer: em 1968 com Os Exércitos da Noite (Armies of the Night) e em 1979 com A Canção do Carrasco (The Executioner's Song) sobre o condenado à morte Gary Gilmore. Importante expoente da contracultura nos Estados Unidos dos anos 60, Mailer foi um dos fundadores do influente jornal alternativo The Village Voice e ativista contra a Guerra do Vietnam, o que lhe custou uma prisão. A biografia sobre Marilyn Monroe publicada em 1973 foi um de seus grandes sucessos de vendas e provocou enorme polêmica, com as afirmativas de que a morte da atriz teria sido causada pelo FBI e pela CIA, que condenavam seu suposto romance com o senador Robert Kennedy. Morreu em 10 de novembro de 2007 no Hospital Monte Sinai, em Nova Iorque, aos 84 anos, vítima de problemas pulmonares.

[10]A crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor. Isto acontece porque não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão da cozinha.” CANDIDO, Antonio. “A vida ao rés-do-chão”. In: Para gostar de ler: crônicas. Volume 5. São Paulo: Ática, 2003.

[11] "Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse" e suas biografias vicárias: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos na escrita de perfis. Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos traçaram retratos de pessoas com as quais conviveram ao longo de suas vidas por meio de perfis concisos, seja na forma de elegias seja mesmo de necrológios. Embora esses textos sejam imprescindíveis para fundamentar o estilo de cada um dos escritores mineiros, eles também carregam a síntese de cada experiência pessoal, que é fundamental para a análise da crônica.

[12] O livro "O Homem Nu" é uma coletânea de contos do  escritor mineiro Fernando Sabino, cujo conto de destaque  é justamente o que dá nome ao livro. A história retrata o cotidiano de um casal que se encontra em débito com um vendedor, e a solução encontrada para evitá-lo é não abrir a porta em nenhuma hipótese. A esposa entra no bainheiro e o homem (que está nu) resolve buscar o pão no lado de fora. Para a sua surpresa (e para a diversão de nós leitores) uma rajada de vento fecha a porta de seu apartamento, e o homem fica ali "à deriva", completamente nu. Para piorar a sua situação, por mais que o homem bata à porta sua esposa não a abre, seguindo as recomendações do próprio marido.

[13] O Pasquim foi um semanário alternativo brasileiro, de característica paradoxal, editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e por seu papel de oposição ao regime militar. De uma tiragem inicial de 20 mil exemplares, que a princípio parecia exagerada, o semanário (que sempre se definia como um hebdomadário) atingiu a marca de mais de 200 mil em seu auge, em meados dos anos 1970, se tornando um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro. A princípio uma publicação comportamental (falava sobre sexo, drogas, feminismo e divórcio, entre outros) O Pasquim foi se tornando mais politizado à medida que aumentava a repressão da ditadura, principalmente após a promulgação do repressivo ato AI-5. O Pasquim passou então a ser porta-voz da indignação social brasileira.

Em 2002, Ziraldo e seu irmão Zélio Alves Pinto lançaram uma nova edição de O Pasquim, renomeado OPasquim21. Esta versão também teve vida curta, apesar de contar com alguns de seus antigos colaboradores, e deixou de ser publicada em meados de 2004. Passaram pela publicação nomes como Fausto Wolff, Miguel Arcanjo Prado, Emir Sader, Marcia Frazão.

[14] Luis Fernando Verissimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e romancista brasileiro. Já foi publicitário e revisor de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de oitenta títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Erico Verissimo. Em 1981, o livro "O Analista de Bagé", lançado na Feira do Livro de Porto Alegre, esgotou sua primeira edição em dois dias, tornando-se fenômeno de vendas em todo o país. O personagem, criado (mas não aproveitado) para um programa humorístico de televisão com Jô Soares, é um psicanalista de formação freudiana ortodoxa, mas com o sotaque, o linguajar e os costumes típicos da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina. A contradição entre a sofisticação da psicanálise e a "grossura" caricatural do gaúcho da fronteira gerou situações engraçadíssimas, que Verissimo soube explorar com talento em dois livros de contos, um de quadrinhos (com desenhos de Edgar Vasques) e uma antologia. Em 2014 foi homenageado pela escola de samba de Porto Alegre Imperadores do Samba com o enredo A Imperadores do Samba faz a justa homenagem aos personagens de Luis Fernando Verissimo.

[15] Como gênero anfíbio, a crônica concede ao escritor a mais atordoante das liberdades, a de recomeçar do zero. Quando escreve uma crônica, o escritor pode ser ligeiro, pode ser informal, pode dispensar a originalidade, desprezar a busca de uma marca pessoal, pode tudo. Na crônica, ainda mais que na ficção, o escritor não tem compromissos com ninguém. Isso parece ser fácil, mas é frequentemente assustador.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 28/09/2024
Código do texto: T8161669
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