Eu era infeliz e não sabia.

"Agora eu vejo que tu és humana"! Foi o que surpreendentemente disse minha amiga enquanto eu chorava copiosamente com lágrimas abundantes rolando pelo meu rosto. Tentei inutilmente secar os olhos com as mãos e perguntei: por quê?

Então ela disse com aqueles grandes olhos azuis que me fitavam entre divertidos e preocupados, "porque te conheço há mais de vinte anos e nunca te vi chorar".

Eu nunca chorava. Minha vida era tão pacata. Tão sem altos e baixos. Quando ficava triste por alguma coisa, pensava " amanhã eu resolvo" e vida que segue. Era assim. Eu pensava que era feliz. Tinha um marido bom que cumpria seus deveres, dois filhos educados e obedientes, um trabalho que eu amava. Nada me perturbava. Os dias se passavam sempre iguais e eu achava normal. Amava meus filhos e era orgulhosa deles.

O que mais poderia querer? Nada me abalava. Quando na oração da escola alguém perguntava: "alguém tem alguma intenção"?

Eu nunca tinha. Só agradecia.

Era feliz e realizada como mãe. Mas não como mulher. Eu não era amada. Amava sozinha. E achava que isto bastava. Quando Laura chegou e junto chegou o autismo nas nossas vidas, não ser amada passou a ser um fardo. Eu me vi sozinha em meio a um furacão. Todo o companheirismo, a cumplicidade que nunca tive passou a ser fundamental e nosso casamento desmoronou. Tudo que eu deixara para resolver no dia seguinte e esquecia ao acordar, passou a ser urgente e a fazer falta. Só que era tarde demais pra resolver. Então, sem derramar uma lágrima sequer, fui embora com meus filhos deixando tudo para trás.

Recomecei do zero, mas com três filhos, um deles autista. Estava perdida numa tempestade, nua, sem proteção. Sem amor!

Mudei minha vida inteira. Outra casa, outros amigos, outros vizinhos. Agora era dona do meu nariz, dona da minha vida e isso não me assustava. Vida que segue.

Os anos se passaram e tudo tomou seu lugar. Senhora que sou da minha vida decido tudo com ajuda de Deus. Ele nunca me desampara.

Hoje eu sei o que é ser feliz, fazer escolhas, decidir o que é melhor e o que não é.

Não preciso de ninguém pra ser feliz. Eu me faço feliz. Sou a dona do meu destino.

Colocar nossa felicidade nas mãos de outro alguém é o maior de todos os males.

Não chorar não significa estar bem. Não significa estar feliz.

Chorar significa que houve um abalo na nossa tranquilidade, no nosso bem estar. Se posso resolver, tudo bem. Se não posso, resolvido está.

E se tiver que chorar, choro.

Hoje choro a maioria das vezes de emoção, pois a Laura me tornou mais sensível, mais emotiva.

Meus filhos casaram e eu vivo com a Laura no lugar que escolhi pra viver: um sitio.

Mas esta já é outra história...