GLUTÃO NÃO!

Se Deus fez algo melhor que comida, ele guardou para ele. Moço!, se tem uma coisa que gosto, nessa vida, é apreciar a boa comida. É o prazer mais rápido das coisas sentidas. Na primeira mordida, pelo gosto tu saliva, e ouriça as papilas, as chamadas gustativas.

Culinária é a única arte que realmente consumimos, engolimos. Ela a única arte que alimenta o corpo, o resto é coisa espiritual. Mesmo a dança, a arte dos movimentos não se compara ao bem que a comida nos traz. As artes visuais alegram a alma, encantam os olhos. Mas só a culinária é sentida e tangível de verdade. Mas não me ponha a discutir, com quem entende de arte. Me chamará de ignorante e glutão. Mas defenderei até a morte da última cebola, que prefiro a comida. Um quadro bonito até pode ser adquirido. Para ornar na minha sala. Mas só será adquirido depois de garantido que a dispensa está cheia. E tenho dito!

Ah comer!!!, é o contato com o paraíso. Paraíso nas versões doce, salgado, azedo, amargo e umami. Isso mesmo, umami, que é o sabor oriundo do glutamato, deixa qualquer sabor num nível elevado. Eles são os sabores básicos que sentirá nossa gustação. E nessas misturas alquimistas de mesa e fogão, permitiu-nos o bom Deus, do céu a inauguração.

E desde o colosso venho apreciando, seu moço!, o ato mais primitivo de nossas necessidades, comer. Tu já reparaste? Nossas casas são todas desenhadas para atender as nossas básicas necessidades. Para boa soneca, o quarto, onde também, por pouco tempo, a gente ama e multiplica. O banheiro dispensa explicação. Quer relaxar, vai para sala de estar, onde também é bom para se sociabilizar. No quintal a gente toma sol. Mas é na cozinha, que acontece umas coisinhas que é das “mió de bão”. Nessa parte da casa, a mais sagrada e visitada, é o santuário da alimentação. Alquimistas aí produzem o mais refinado ouro. Tem hora para cada refeição, como um oficio divino, e também horas extras, para beliscos, lambidas, colheradas, copinhos e latinhas.

Mineiro é gente igual toda gente, mas na cozinha ele é bem diferente. Na banha do porco, forja legumes e verduras em pratos triviais gourmet, cereais com sabores e aromas da cebola, alho e cheiro verde. Feijão servido diversamente em caldo, tutu, tropeiro e mais alguma inventividade mineira. Carnes na lata, no caldo, na brasa oriundas do terreiro, do chiqueiro ou do curral. Nas quitandas, uma variedade sem igual. Tem rosca, rosquinha, broa e broinha, bolo e biscoito e o nobre pão de queijo, das quitandas mineiras o que tem a mais bela fama.

Aprecio tudo e de tudo me esbaldo. Mas porque a vida é assim, veio à porta, certo dia um pregador. Leu a bíblia sem abri-la. Me afirmou com firme convicção. Precisa fazer jejum, penitência e oração. Pois quem assim não procede, não merece a salvação. A comida é alimento, boa só para o sustento. Mas se dela faz teu prazer, com excessos no comer, com certeza está errado, pois a gula é seu pecado. Te deixa preguiçoso e te arrasta para outra má inclinação. Você precisa de temperança meu irmão!

Respondi com galhardia, sem perder a compostura. Aqui a temperança é para dar sabor na comida. Quer tu fazer jejum, passar a vida sem aproveitar a boa cozinha, vai para tua casa, come cebola de manhã, pão duro sem fermento no almoço e erva amarga em tua ceia. Assim tu vai pro céu mais cedo, deixando eu na Terra comendo sem medo. Respondi num repente e aliviado.

Mas o cabra estava convicto de me convencer e converter. Desejava me provar que a serenidade no comer e no beber era o certo a se fazer. Chamei-o mais pra perto, toquei seu ombro com afeto. Depois de me chamar de glutão, já nervoso e vermelho como um pimentão, respondi-lhe na maior convicção. Eu apenas aprecio a boa comida, o que não me faz um glutão. E assim seguirei apreciando, a mais elaborada culinária ou um simples arroz com feijão.

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 25/09/2024
Código do texto: T8159581
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