A Promessa de Tia Neide
Há dias que parecem guardar lembranças em seus ventos, como se o ar conspirasse para nos trazer de volta ao passado. Hoje, uma dessas brisas me trouxe a memória de Tia Neide. Ela se foi há 15 anos, mas a sensação de sua presença continua viva, quase tangível. Entre todas as tias, Neide era a única que eu amava de verdade, e esse amor era plenamente recíproco. Uma conexão silenciosa, profunda e cheia de cumplicidade.
Ela era irmã da minha mãe, mas nossa ligação ia além do laço de sangue. Compartilhávamos não apenas a mesma idade, mas as mesmas crenças, as mesmas inquietudes sobre a espiritualidade e o mistério que envolve a vida e a morte. Neide e eu tínhamos um pacto: quando um de nós partisse primeiro, voltaria para visitar o outro. Não sabíamos quando isso aconteceria, mas havia uma confiança tranquila de que a promessa seria cumprida.
A morte chegou para ela numa noite tranquila, de maneira tão silenciosa quanto sua alma. Um infarto fulminante a levou enquanto dormia, sem aviso, sem dor aparente. Receber a notícia foi como sentir o chão se abrir sob os pés. A saudade veio com força, e mesmo sabendo que ela estava em paz, doía saber que nossa presença física não mais se cruzaria. Mas algo dentro de mim ainda esperava. Eu sabia que, de algum jeito, ela voltaria.
Meses depois, eu estava na janela da cozinha do meu apartamento, no térreo, observando o entardecer. Aquele era o momento em que o céu perde suas cores e o mundo parece sussurrar segredos. O silêncio envolvia o ambiente, e, entre uma piscadela e outra, o crepúsculo trouxe algo mais. Vi Tia Neide.
Ela passou devagar diante da janela, andando com a serenidade de quem não carrega mais o peso do mundo. Não houve palavras, não houve som. Apenas a visão de sua silhueta, envolta na penumbra do final do dia, caminhando tranquila. Naquele instante, soube que ela cumprira a promessa. O frio que subiu pela espinha não era de medo, mas de uma certeza: ela estava ali, como havíamos combinado.
Não sei se aquele foi um encontro real ou fruto da saudade que brinca com a imaginação, mas, para mim, isso não importa. Eu a vi, e isso me basta. Foi o jeito de Neide dizer que estava bem, de mostrar que nosso laço era forte demais para ser rompido pelo tempo ou pela morte. Ela se foi, mas a nossa promessa ficou.
E naquela noite, quando fechei a janela, tive a certeza de que algumas conexões nunca morrem.