Como escrever uma carta

Outro dia, escrevi sobre cartas de amor. O assunto interessou a muita gente. A outros, nem o amor interessa mais. Eu disse que as cartas pareciam estar em baixa, o que, a se confirmar, seria lamentável. Mas eu escrevi isso sem ter em mãos pesquisas, dados estatísticos ou sondagens de mercado sobre o tema. Minha percepção é que, a cada dia que passa, uma quantidade menor de cartas são escritas e, portanto, postadas nos Correios. Enquanto isso, aumenta a quantidade de pacotes e encomendas diversas. Com a proliferação do comércio eletrônico, parece que nem os Correios darão conta da demanda. Estarei enganado?

O que acontece com as cartas? As cartas pessoais, em especial as cartas de amor, estão de fato sumindo? Ninguém mais troca afetos e promessas secretas por meio delas? Foram substituídas pelas mensagens eletrônicas? Lembro-me das cartinhas românticas que enviávamos ou recebíamos no passado. Eu mesmo enviei e recebi várias. Algumas tinham desenhos no envelope, de preferência coraçõezinhos. Em outras, o papel era perfumado e, não raro, algumas terminavam com lábios impressos em batom vermelho no papel. Manifestações de elegância e sensibilidade. Era até mais fácil se apaixonar por alguém.

Muita gente deixa de escrever porque tem receio da gramática, da ortografia, medo do “erro” incutido indevidamente nas nossas cabeças sobre o trato com a língua. Que bobagem! Os falantes são os legítimos donos da língua e não precisam limitar seus sentimentos devido a concordâncias verbais mais complicadinhas, ênclises ou mesóclises. Um casal apaixonado não deve estar nem aí pra isso, o que conta é o sentimento. Mas, reconheça-se, isso deixa muitos inseguros. A carta de amor é tão pessoal que é até possível criar uma língua própria, usar símbolos, desenhos, usar e abusar da criatividade, tudo em nome do afeto. Se surgir uma dúvida ou se o missivista esbarrar numa palavra desconhecida, pode recorrer a um dicionário, a internet está cheia deles. Deixe a inibição de lado!

Cartas de amor são tão exclusivas e singulares que fico até sem jeito de sugerir qualquer coisa. Em todo caso, escrever sem temor e sem travas é uma sugestão válida. Quanto às demais cartas, é melhor estudar cada caso: podem ser mais ou menos formais, mais ou menos extensas, uma infinidade de opções. O importante é escrever. Personalidades do mundo político escreveram cartas. Amantes famosos trocaram cartas, depois reunidas em livros. Grandes escritores e intelectuais também trocaram cartas, algumas igualmente reunidas em livros, como foi o caso da correspondência entre Mário de Andrade e Tarsila do Amaral. Boas estórias foram escritas com base em cartas, é o chamado “romance epistolar”, a literatura mundial está repleta de exemplos.

Vamos escrever cartas? Pode criticar ou elogiar o governo, pode contar um segredo, pode jurar amor eterno, só não vale amargar a solidão com os olhos grudados numa tela de celular.